HealthNews (HN)- Comecemos pela pertinência do Dia Mundial das Doenças do Movimento…
Joaquim Ferreira (JF)- Muitas pessoas, inclusive muitos profissionais de saúde, não sabem o que são doenças do movimento, e foi por isso que a Sociedade achou importante fazer esta ação.
Doenças do movimento são aquelas em que o movimento normal está alterado. O movimento poderá estar lentificado, portanto, ser mais lento, ou poderão existir movimentos anormais, ou há uma incoordenação dos movimentos. As doenças do movimento mais frequentes – aquelas que estão mais presentes na população – são a doença de Parkinson, o tremor essencial e a síndroma das pernas inquietas.
As pessoas com doença de Parkinson podem apresentar tremor, que é um movimento anormal, e, também, uma lentificação dos movimentos, nomeadamente do próprio andar. O tremor essencial também é uma doença do movimento. É uma doença que se manifesta por tremor – que é fácil de perceber que é um movimento anormal. Finalmente, a síndroma das pernas inquietas causa uma sensação de desconforto nas pernas e os doentes tendem a mexer as pernas em virtude desse desconforto.
Estas são as mais frequentes, mas existem muitas outras doenças que são seguidas pelos médicos de medicina geral ou pelos neurologistas que também encaixam neste grupo de doenças do movimento, como, por exemplo, a doença de Huntington, a atrofia multissistémica, a paralisia supranuclear progressiva, as distonias musculares – de que são exemplo o blefaroespasmo e a distonia cervical –, os tiques – nomeadamente a doença de Gilles de La Tourette – e a doença de Wilson. Muitas das doenças do movimento são doenças raras, e nós sabemos que estas acabam por ter menos atenção, não apenas pela população em geral, mas também pela comunidade médica e científica.
Portanto, considerou-se importante alertar e consciencializar para estas doenças, até porque, se os profissionais de saúde e a população em geral não as reconhecerem, acaba por não se referenciar para as consultas em que os doentes podem ser seguidos. Se os doentes forem referenciados para as consultas certas, que por acaso têm este nome, acabarão por ser acompanhados por profissionais de saúde com experiência e, desta forma, tentamos obter uma melhor qualidade de cuidados.
Vinte e nove de novembro porque é a data de nascimento de um neurologista francês chamado Jean-Martin Charcot, que foi um médico muito importante na caracterização destas doenças. É a ele que devemos a atribuição do nome da doença de Parkinson, uma das doenças emblemáticas deste grupo.
Esta situação não é uma particularidade de Portugal e não é diferente da realidade que encontramos noutros países. Nem sequer é um elemento de crítica para ninguém. No fundo, é um reconhecimento de que há ainda muito desconhecimento sobre estas doenças.
HN- Em Portugal, o envelhecimento da população exige novas estratégias para lidar com este grupo de doentes?
JF- Totalmente, até pelo facto de a população portuguesa estar a envelhecer e, em Portugal, isso é particularmente importante porque é um dos países da Europa onde existe um maior envelhecimento da população. Só isso faz com que esteja previsto, por exemplo, que o número de doentes com Parkinson vá duplicar em 20 anos. Para além deste facto, felizmente os cuidados que oferecemos aos doentes têm vindo a melhorar, o que significa que as pessoas vão viver mais anos com a doença e chegar a fases mais avançadas da doença. O peso dos cuidados, quer nos serviços de saúde, quer nas famílias, vai aumentar. Claramente, temos todos que repensar o modelo de cuidados a estes doentes.
Na minha opinião, a mudança passará pelo acompanhamento dos doentes também fora das unidades de saúde. Este modelo clássico, em que as pessoas vêm aos hospitais para ter consultas médicas, vai ter que se alterar. O número de doentes não vai permitir que as pessoas sejam seguidas apenas nas consultas dos hospitais. Isto obriga, por um lado, ao envolvimento de outros profissionais de saúde: enfermeiros, fisioterapeutas, terapeutas da fala, psicólogos, nutricionistas, etc. Vamos ter que trabalhar mais em colaboração e vamos ter que ter profissionais de saúde a acompanhar os doentes fora dos espaços clássicos, que são os hospitais e as consultas médicas habituais.
Eu antecipo que o modelo de cuidados vá mudar no sentido de, cada vez mais, intervirmos na comunidade e no domicílio, evitando que os doentes venham às unidades hospitalares, que vão ficar sobrecarregadas com o aumento do número de doentes e da incapacidade associada à doença. Respondendo à sua pergunta, sim. Todos, governos, sociedades científicas, médicos e associações de doentes, em conjunto, vamos ter que começar a preparar-nos, o mais rapidamente possível, para essa mudança no modelo de cuidados que teremos que prestar.
HN- Além do envelhecimento e da falta de sensibilização, destacaria outros desafios na abordagem das doenças do movimento em Portugal?
JF- O principal desafio é garantir o acesso de todos os doentes àquilo que é a medicina moderna e que a evidência científica nos diz ser a melhor forma de prestar cuidados. E aquilo que os dados científicos nos dizem é que a melhor forma de prestar cuidados é os doentes terem acesso a estas equipas multidisciplinares. São equipas que envolvem médicos neurologistas, psiquiatras, fisioterapeutas, terapeutas da fala, enfermeiros, nutricionistas e outros profissionais de saúde. Infelizmente, apenas uma minoria consegue aceder a esta prestação de cuidados multidisciplinar.
Refiro-me especificamente à doença de Parkinson, mas eu diria que é extensível a outras doenças do movimento.
Do ponto de vista científico, o grande desafio é podermos ter disponíveis medicamentos, ou outro tipo de tratamentos, que verdadeiramente previnam ou atrasem a progressão da doença. Infelizmente, embora tenhamos tratamentos que melhoram muito os sintomas, ainda não temos opções que verdadeiramente previnam ou curem a doença, ou atrasem a sua progressão. Daí vivermos ainda nesta dificuldade de não termos os tratamentos que gostaríamos para oferecer aos doentes e às suas famílias.
HN- Espera assistir a uma evolução tanto nas terapêuticas orais como na estimulação cerebral profunda?
JF- Em todas. Obviamente, temos terapêuticas mais simples de administrar, que são os tratamentos com os medicamentos administrados por via oral. Depois, temos outro tipo de tratamentos, dos quais também não nos podemos esquecer, que são aqueles que passam por intervenções como a fisioterapia, a terapia da fala, a terapia ocupacional e o apoio da enfermagem. E temos as chamadas terapêuticas invasivas, que são mais complexas, em que se inclui a cirurgia de estimulação cerebral profunda. É bom dizer que a cirurgia de estimulação cerebral profunda é altamente eficaz para um grupo de doentes, tendo sido uma enorme mais-valia para os doentes.
Felizmente, temos em Portugal vários centros que oferecem essa possibilidade de tratamento de forma muito eficaz, com grande qualidade. Seria também importante, em relação à cirurgia, que o tempo entre a referenciação de doentes e o momento em que são operados fosse mais curto. Em alguns destes centros, os tempos de espera acabam por ser prolongados. Por isso, em relação à cirurgia de estimulação cerebral profunda, o meu desejo é podermos prestar melhores cuidados, não do ponto de vista da qualidade daquilo que se faz, porque já é muito elevada, mas do ponto de vista dos tempos de resposta.
HN- As novas tecnologias de tratamento das doenças do movimento são acessíveis ou existem entraves burocráticos?
JF- Eu posso dizer que, neste momento, em Portugal, tudo o que há de novo e tudo aquilo que já existe para tratar os doentes está disponível também nas unidades hospitalares em que estas consultas de movimento existem. Infelizmente, a forma de acesso é que não é ainda muito ágil. Podemos sabê-lo pelo número de doentes que efetivamente são colocados em tratamento em cada ano. Há muitos doentes que seguramente são candidatos e que acabam por não ser operados – e isso também se aplica a outros tratamentos invasivos.
Um dos tratamentos invasivos é a administração de levodopa intrajejunal, portanto, dentro do intestino delgado. Esta é uma opção para um grupo específico de doentes com doença de Parkinson, mas o número de doentes em tratamento é muito baixo. Com um medicamento que se chama apomorfina, sabemos que o número de doentes em tratamento também é baixo, comparativamente com aquilo que julgamos ser o número expectável para Portugal.
Portanto, a questão que se coloca não é a disponibilização destes tratamentos que usam novas tecnologias ou que são medicamentos mais recentes, mas sim garantir o acesso. Nesse aspeto, acho que há ainda um caminho a percorrer.
A mensagem final é pedir a participação de todos os que estão envolvidos nesta causa das doenças do movimento, porque só em conjunto poderemos melhorar aquilo que nós pretendemos, os cuidados de saúde aos doentes afetados por estas doenças.
Entrevista de Rita Antunes
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