Em entrevista à agência Lusa, José Artur Paiva, que critica a opção por medidas de confinamento “progressivamente incrementais” por defender a adoção de uma estratégia “imediata, rápida e em máxima amplitude”, falou da pressão atual do SNS numa semana em que Portugal regista máximos de casos de infeção pelo novo coronavírus e mortes associadas à covid-19 desde março.

“Vale a pena sacrificarmo-nos um bocadinho agora porque temos um plano [referindo-se à vacinação]. Não podemos é pensar que por termos o plano já podemos facilitar. Só podemos apagar os faróis quando chegarmos ao fim do túnel”, disse o diretor de medicina intensiva do Centro Hospitalar e Universitário de São João (CHUSJ).

José Artur Paiva referiu que “a narrativa sobre a covid-19 inclui um capítulo novo, a vacinação”, mas alerta: “A vacinação só vai ter efeito quando atingirmos imunidade de grupo”.

“O que vamos sentir com o plano vacinal, mesmo antes da imunidade de grupo, é que o número de casos graves – quem precisa de ser hospitalizado e de UCI [Unidade de Cuidados Intensivos] – diminui. Só aos seis/sete milhões de imunizados é que temos outro efeito: que é o número de novos casos diminuir significativamente. Isto leva-nos a uma ideia de que é possível lá para o final do verão termos uma fase nova, termos uma sobrecarga sobre o SNS muito menor”, disse José Artur Paiva.

Salvaguardando que o Plano Nacional de Vacinação contra a covid-19 não refere quando termina a segunda fase de vacinação, uma vez que essa data depende do aprovisionamento de vacinas, José Artur Paiva disse que não será “expectável” que seja “antes do mês 06” (junho).

“O que prevê o nosso plano de vacinação é termos no final da segunda fase 3,7 milhões de portugueses vacinados. Somando o quase um milhão que nessa altura já terão tido infeção [uns com infeção sintomática e diagnosticada e outros com infeção não diagnosticada], temos 4,7 milhões no final da segunda fase [e] 4,7 milhões é escasso para dizer que teremos imunidade de grupo, mas podemos ter atingido esse primeiro pressuposto: a diminuição da pressão. Mais do que isso, só mais tarde”, analisou José Artur Paiva.

À Lusa, o também presidente do Colégio de Medicina Intensiva da Ordem dos Médicos disse compreender que “ao longo de uma pandemia a mola aumente e diminua e que isso seja regulado pela análise epidemiológica”, mas considerou que “em fases de planalto alto não faz sentido passar mensagens que induzem a um desconfinamento exagerado”, algo que lamenta ter acontecido no período de festas (Natal e Ano Novo).

“Só precisamos de ir para o ‘lockdown’ após um desconfinamento exagerado. Agora estamos a partir tarde [na implementação de medidas] em minha opinião. Estamos com níveis crescentes de hospitalização e UCI. O próximo mês é o mês ‘horribilis’ do SNS (…). Naquele dia [referindo-se ao arranque do Plano Nacional de Vacinação a 27 de dezembro] foi tudo muito bonito e importante, mas é importante que se perceba que as páginas do livro da pandemia que estamos a escrever tinham e têm de ser iguais no dia seguinte”, apontou o médico.

José Artur Paiva, que entre outras medidas pede a intervenção do Governo na criação de um conjunto “de medidas de proteção social que permita que toda a gente que quer confinar, possa confinar com tranquilidade pessoal e familiar”, considera, no entanto, que “a visão da culpa não interessa agora” porque “a sociedade reage no sentido das mensagens que lhe são passadas”.

“Os nossos líderes têm de passar mensagens muito concretas”, frisou.

A pandemia de covid-19 provocou pelo menos 1.979.596 mortos resultantes de mais de 92,3 milhões de casos de infeção em todo o mundo, enquanto em Portugal morreram 8.236 pessoas dos 507.108 casos de infeção confirmados.

A doença é transmitida por um novo coronavírus detetado no final de dezembro de 2019, em Wuhan, uma cidade do centro da China.