A investigação, da Fundação Francisco Manuel dos Santos, que avaliou o impacto de dois anos de pandemia sob o ponto de vista económico, social e político, conclui que Portugal se mostrou “particularmente vulnerável” aos efeitos imediatos de uma crise pandémica e que, ao nível do bem-estar, saúde mental e coesão social, a pandemia afetou particularmente as mulheres, os jovens e os mais pobres.
Reconhece igualmente que, antes da pandemia, o Sistema Nacional de Saúde já apresentava uma capacidade de resposta a um risco sistémico “inferior à média dos restantes países da OCDE”, em parâmetros como o número de médicos, de enfermeiros e as consultas por mil habitantes.
Quanto ao excesso de mortalidade, lembra que Portugal ocupou em 2021 a 16.ª posição dos países da OCDE, mas diz que este critério incorpora o aumento de mortes por outras causas, que não diretamente a covid-19, como as mortes por doença cardiovascular.
O estudo admite ainda que este aumento de óbitos esteja relacionado com “uma resposta menos eficaz do sistema de saúde” e com o “impacto socioeconómico da pandemia na mortalidade em geral”, incluindo a quebra na prestação de alguns serviços de saúde e o facto de a própria população os ter evitado, por medo de contágio.
Em alinhamento com este excesso de mortalidade, sublinham os autores, “durante 2020–2021 os portugueses estão, em termos comparativos na OCDE, entre os que mais referiram necessidades médicas extra-covid-19 por satisfazer”.
Quanto ao impacto das medidas restritivas sociais (como os confinamentos) na saúde e no bem‑estar dos portugueses, o estudo destaca alguns indicadores que já tinham sido apontados noutras investigações, como o aumento de peso (31% dos inquiridos), a redução das horas de sono (30%), o aumento do consumo de psicofármacos (9,4%) e de tabaco e álcool (8,1%).
“Estes impactos negativos afetaram sobretudo os mais jovens (menos de 30 anos) e foram mais evidentes entre as mulheres, exceto no que se refere ao consumo de tabaco e álcool”, sublinham os autores.
Este estudo recolheu dados em dois momentos: no final do segundo confinamento (março a maio de 2021) e em setembro e outubro de 2021, que correspondeu a um período de redução de restrições e de altas taxas de vacinação entretanto alcançadas.
Em termos de saúde mental, comparou os anos de 2020–2021 com a média dos três anos anteriores, concluindo por um aumento das ocorrências relacionadas com problemas psiquiátricos e suicídio (mais 7% e 18%, respetivamente).
Contudo – referem os autores - os níveis de ansiedade e os sinais de depressão verificados no primeiro momento de recolha “foram bastante moderados e tenderam a manter-se durante o segundo momento”, sendo que o medo associado à covid-19 diminuiu entre o primeiro e o segundo momento de recolha de dados.
Quanto ao cumprimento das medidas de contenção (máscaras e higienização das mãos), o estudo aponta uma quebra no cumprimento do primeiro para o segundo momento de recolha de dados, justificando-a com a chamada ‘fadiga pandémica’. No entanto, reconhece que, no geral, o cumprimento foi sempre “muito elevado”.
Diz também que a perceção dos inquiridos é de que as pessoas, em geral, cumpriram as medidas sanitárias e tiveram confiança na atuação da Direção-Geral da Saúde (DGS).
Em contraste, a perceção relativamente à atuação do Governo em relação a certos grupos da sociedade — nomeadamente as pessoas de classe social baixa (os mais pobres), os doentes crónicos, a população ativa (25–64 anos), as mulheres, os idosos, os imigrantes, as crianças e os adolescentes — “revelou-se desfavorável”, sobretudo nas pessoas de classe social baixa.
No entanto, as dificuldades sentidas em conter a propagação do SARS-CoV-2 não foram particularmente atribuídas a falhas na atuação do Governo ou à falta de eficácia das medidas impostas, mas sobretudo a “comportamentos de desrespeito e violação das medidas públicas” por parte da população.
Os autores consideram que o bem-estar subjetivo se revelou baixo, “especialmente para a população com menos de 50 anos”, mas sublinham que a satisfação com a vida melhorou do primeiro para o segundo momento de recolha de dados.
Para além disto – destacam – “os inquiridos estimam um aumento substancial da sua satisfação com a vida dentro cinco anos, o que pode ser visto como um indicador de resiliência e esperança no futuro por parte da população portuguesa”.
Para o futuro, os autores consideram determinante continuar a monitorizar o estado de saúde da população, a capacidade de resposta do sistema de saúde português “e as principais políticas para combater e mitigar esta crise nas suas várias vertentes”, mas também “antever e planear outras possíveis crises”.
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