“O perfil da população que, em Portugal, adiava ou estava a ponderar adiar, ou eventualmente recusar, a vacinação da covid-19 era um perfil semelhante (…) para aquelas pessoas que também adiavam ou recusavam a vacinação infantil”, afirmou a investigadora do Instituto de Ciências Sociais (ICS) da Universidade de Lisboa.

Neste perfil, contextualizou, enquadram-se pessoas “mais escolarizadas” e “mais novas”. Os homens, segundo a especialista, têm também “uma tendência maior para adiar ou recusar a vacinação”.

Ana Patrícia Hilário é uma das coordenadoras nacionais do projeto Vax.Trust, cujo principal objetivo é compreender a “hesitação vacinal”, seja adiamento ou recusa da vacinação.

Neste trabalho, financiado pela Comissão Europa, o foco não é tanto sobre a questão da covid-19, mas sobre a vacinação infantil, em geral, embora haja questões transversais associadas à pandemia.

“Em relação a Portugal o que podemos observar em relação à hesitação vacinal, adiamento ou recusa, é que o que tem vindo a acontecer em relação à vacinação infantil acabou por acontecer também em relação à covid-19, ou seja, as taxas de cobertura vacinal são muito elevadas. Há muita adesão na população portuguesa à vacinação infantil e isso podemos observar também em relação à covid-19”, disse.

Da mesma forma, outros estudos que analisou indicaram que o perfil da população que em Portugal adiava ou estava a ponderar adiar, ou eventualmente recusar, a vacinação da covid-19, era um perfil semelhante, “embora um pouco mais limitado em Portugal, para aquelas pessoas que também adiavam ou recusavam a vacinação infantil”, explicou.

“Foi aqui um paralelismo muito interessante que conseguimos encontrar, de um modo geral”, considerou a investigadora, que se doutorou em Sociologia da Saúde e da Doença pela Royal Holloway, Universidade de Londres.

“A população portuguesa é muito recetiva à vacinação e isso transpareceu. Não é por acaso que temos taxas de vacinação tão elevadas. A questão foi que os perfis que nós temos são muito semelhantes, os traços, das pessoas que diziam que iam recusar ou adiar a vacinação da covid-19”, especificou.

Para Ana Patrícia Hilário, não faz sentido responsabilizar a minoritária faixa da população não vacinada contra a covid-19 pela manutenção da situação de pandemia: “Esta questão da responsabilização está um pouco no imaginário social, porque na verdade nós temos uma taxa de vacinação muito elevada. Portanto, nunca podemos responsabilizar os não vacinados por esta situação”. A taxa de vacinação em Portugal ronda os 90%.

A investigadora defendeu que é necessária “alguma tolerância” na sociedade. “Não podemos cair em radicalismos, porque nós vivemos numa sociedade livre e as pessoas têm o direito de não quererem vacinar-se ou de quererem vacinar-se”, sustentou.

Antes de mais, considerou, é “fundamental compreender as razões” que levam as pessoas a recusarem a vacinação: “Também podemos estar aqui numa situação de adiamento, sobretudo quando falamos da vacinação das crianças. Se calhar alguns pais dizem ´eu não vou vacinar nesta primeira fase, vou esperar um pouco mais e aí quando me sentir mais seguro´, por exemplo, ´irei vacinar o meu fillho´”.

“Pode não ser à partida uma recusa total. É muito importante, na minha opinião, tentarmos perceber o porquê de haver esta recusa ou adiamento quando falamos da vacinação infantil e não haver uma condenação logo”, justificou.

Na perspetiva da socióloga, é essencial haver “uma aproximação por parte dos profissionais de saúde” das pessoas que hesitam ou rejeitam a vacinação. “Desempenham um papel fundamental, porque são aqueles que estão na primeira linha e aqui estamos a falar tanto dos pediatras, como dos médicos de família”, destacou, incluindo ainda neste grupo os enfermeiros.