Investigadores da Faculdade de Ciências e Tecnologia da Universidade Nova de Lisboa (FCT/UNL) descobriram que o antepassado selvagem da levedura da cerveja que bebemos hoje vive na Patagónia, América do Sul, e pretendem agora perceber como chegou até aqui.
Este estudo, produto de seis anos de trabalho em parceira com investigadores argentinos e norte-americanos, foi publicado online, esta segunda-feira, na revista científica “Proceedings of the National Academy of Sciences USA”, e será capa da edição impressa a publicar na próxima semana.
O investigador José Paulo Sampaio, do Centro de Recursos Microbiológicos da FCT/UNL, explicou à agência Lusa que o ponto essencial desta descoberta é uma porta aberta à possibilidade de “modificar conscientemente os micróbios que utilizamos na produção de alimentos”.
Simplificando, explicou o cientista, “ao longo da nossa história fomos domesticando plantas – como o trigo ou o milho – e animais – como o boi ou o cavalo".
"Sabemos agora que o mesmo aconteceu com os micróbios. Neste último caso, se entendermos como decorreu o processo de domesticação, e avaliando as diferenças entre o micróbio selvagem e o micróbio domesticado, podemos perceber melhor a natureza das alterações associadas à domesticação e usar esse conhecimento para melhorar ou diversificar os alimentos produzidos por microrganismos”, referiu.
Em concreto, o que este estudo traz de novo é a revelação da identidade genética do componente desconhecido – e fonte de décadas de controvérsia entre cientistas – do híbrido cervejeiro.
“Os cientistas sabem desde há muito que a levedura cervejeira é um híbrido que resultou da fusão de duas espécies de levedura. No entanto, apenas uma delas era conhecida – ‘Saccharomyces cerevisiae’ –, a levedura que desde há milhares de anos produz o vinho, leveda a massa de pão e fermenta a cerveja ‘ale’. A segunda espécie, responsável por um conjunto de características que permitem a fermentação a baixas temperaturas, permaneceu durante décadas um enigma, porque aparentava ser claramente distinta de qualquer das mais de mil espécies de leveduras conhecidas”, disse.
O que é “surpreendente” é que “esta nova espécie, designada ‘Saccharomyces eubayanus’, existe nas florestas da Patagónia, na América do Sul, e nunca foi detetada noutra região do globo”.
“A fusão destas duas leveduras, que evolutivamente estão tão separadas como homem e galinha, terá ocorrido nos fermentadores de cerveja ‘lager’, num processo de seleção artificial promovido pelos mestres cervejeiros e que terá levado ao surgimento de uma levedura adaptada à produção de cerveja a baixas temperaturas”, acrescentou.
Por perceber fica ainda a razão pela qual “o parente mais próximo da levedura de cerveja” só foi ainda encontrado na Patagónia e que caminho fez ele até chegar aos nossos copos.
23 de agosto de 2011
Fonte: Lusa
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