A campanha “Dá vida à esperança”, com duração prevista de um ano, foi lançada pela Sociedade Portuguesa de Medicina de Reprodução (SPMR) em março para combater a escassez de ovócitos e espermatozoides e diminuir as listas de espera para tratamentos de infertilidade.

“Tivemos um ‘feedback’ dos centros privados e públicos que houve um aumento do número de candidatos que recorreram a esses centros para doar, mas infelizmente” os bancos públicos não permitiram que essas doações se concretizassem por falta de capacidade, disse hoje à agência Lusa o presidente da SMPR, Pedro Xavier.

Em 2018, foram feitas 895 doações de ovócitos, das quais apenas 34 foram feitas no banco público, “menos de 4% o que é uma situação vergonhosa”, lamentou.

“Há aqui uma inversão da lógica que é o banco público”, que supostamente é o que tem mais necessidade de recolha de gâmetas, mas é o que menos está a aproveitar a campanha e “o ato solidário dos dadores”.

Pedro Xavier atribui esta situação ao facto de “a sul do Mondego” não haver um único centro público a aceitar dádivas de ovócitos e espermatozoides, uma vez que o posto de recolha da Maternidade Alfredo da Costa (MAC) não está a funcionar porque não tem o equipamento de congelação.

“Uma dadora de Lisboa que está disponível e quer doar tem duas opções: ou aguarda que o centro público de Lisboa abra ou então vai a um centro privado perto de casa com as mesmas condições legais e de pré-requisitos para fazer a sua dádiva porque não estamos a imaginar que uma dadora se desloque a Lisboa ou ao Porto várias vezes para concretizar a dádiva”, adiantou.

Na prática, sustentou, “é quase dizer não doem no Serviço Nacional de Saúde, vão aos privados”.

O que está a acontecer neste momento é que há “bancos privados a anunciar que têm ovócitos congelados e que estão disponíveis inclusive para os vender ao banco público”, o que é “uma perversão completa”, denunciou.

Contactada pela agência Lusa, a presidente do Conselho Nacional de Procriação Medicamente Assistida (CNPMA), Carla Rodrigues, defendeu que “o Serviço Nacional de Saúde tem de aproveitar esta generosidade dos portugueses e disponibilizar verbas para ir aos bancos privados buscar esses gâmetas que são preciosos”.

“Os gâmetas estão fora do comércio jurídico, não são comprados nem vendidos, no entanto, os bancos privados ao recolherem estes ovócitos pagaram às dadoras a retribuição que está estipulada por lei para colmatar a perda de tempo, os incómodos, as despesas que tiveram”, disse Carla Rodrigues, explicando que o SNS tem apenas de os ressarcir destas despesas.

Neste momento, “há uma extrema carência de gâmetas no SNS” e “há gâmetas nos bancos privados”. Portando, defendeu, “tem de haver vontade política para os aproveitar e para dar resposta às necessidades de centenas de casais, centenas de mulheres, que estão à espera de gâmetas para fazer o tratamento no SNS”.

O presidente da SPMR confessou que esta situação os deixa “muito frustrados e desanimados” porque apesar de a campanha ter sido lançada “sem ter uma discriminação de onde os dadores poderiam doar, “a SMPR teve o cuidado de dar um ligeiro destaque aos bancos públicos”, onde as listas de espera são de dois anos e meio.

Também é “um desrespeito muito grande para com os beneficiários, com os dadores, que vão de uma forma voluntária deslocar-se aos respetivos centros, são mandados embora e sentem-se até enganados porque a nossa campanha inicialmente tinha os contactos da MAC”, que, entretanto, já foram retirados, disse Pedro Xavier.

Esta situação faz com que muitos dadores desistam porque tinham no seu objetivo ajudar os casais que estão em lista de espera no SNS, vincou.