“Uma pessoa pode ter artrite reumatóide e não ter qualquer deformidade. Mas dói, e dói muito”, disse ao HealthNews Andreia Silva, que nem recuando às suas memórias mais longínquas consegue lembrar-se da vida antes da artrite idiopática juvenil. A A.N.D.A.R. – Associação Nacional de Doentes com Artrite Reumatóide, onde Andreia trabalha há três anos como assistente de direção, sente as dores dos doentes, mas vê os doentes para além da dor.
Antes de completar três décadas, a associação já conseguiu: ouvir todos aqueles que lhe pediram ajuda; dar voz aos doentes; informar os doentes e seus familiares sobre a artrite reumatóide; dar apoio médico-social; a comparticipação total dos medicamentos mais importantes; levar a medicação de dispensa exclusiva hospitalar a casa dos doentes e organizar colóquios científicos e jornadas médicas, aproximando os doentes da ciência e da medicina. Além disso, foi-lhe atribuído pelo Estado o estatuto de Utilidade Pública e dá os primeiros passos para a construção de uma nova sede, um sonho a 11 milhões de euros de se concretizar, num terreno cedido pela Câmara Municipal de Lisboa.
“É um grande sonho meu, em memória da minha mãe, porque ela é que tinha artrite reumatóide e sofreu muito. Em memória dela, gostaria de ver o centro nascer, para que mais nenhum doente sofra o que ela sofreu, durante tantos anos, sem ter médico de reumatologia. Foram mais de 30 anos até chegar à reumatologia”, contou a presidente, Arsisete Saraiva, na A.N.D.A.R. há 27 anos. Quando chegou à reumatologia e até ao fim, a mãe de Arsisete foi acompanhada por António Vilar – fundador da A.N.D.A.R. –, que passou de médico a amigo.
A nova sede será um centro de acolhimento de doentes e de investigação clínica (essencialmente para ensaios clínicos) e um centro de excelência e referência no tratamento da artrite reumatóide, com seis andares, em Lisboa, para fisioterapia, hidroterapia, um auditório, consultas das especialidades envolvidas no tratamento da artrite, recolha de análises, centro de dia, atividades diárias para ocupação dos tempos livres e cuidados continuados para 60 doentes. “Tudo isto aberto à comunidade à nossa volta. Nós não nos podemos fechar num casulo, porque o edifício tem de ser sustentável”, explicou a presidente da A.N.D.A.R. Nesse sentido, todos os espaços terão de ser rentabilizados, sendo que os associados usufruirão do centro a um preço mais acessível.
Os próximos projetos incluem cursos para clínicos gerais e ações de sensibilização para estudantes universitários e do secundário. Continuarão, ainda, as jornadas médicas, uma vez por ano – sempre por ocasião do Dia Nacional do Doente com Artrite Reumatóide (5 de abril) –, e os colóquios científicos, a cada dois anos, que são marca da A.N.D.A.R., que defende que faz todo o sentido informar os doentes sobre os desenvolvimentos na terapêutica.
“Há quem diga que não nos devemos meter por aí, que isso não é connosco. Mas porque é que não há de ser connosco? Porque é que o doente não pode ouvir, saber e ter mais conhecimento sobre a sua doença cientificamente?”, questionou a presidente. Então, apesar de os doentes não assistirem ao colóquio, a informação pertinente é-lhes posteriormente transmitida. O próximo, em novembro e novamente na Fundação Calouste Gulbenkian, conta com uma comissão científica formada por reumatologistas, investigadores e cientistas.
Para facilitar o dia a dia dos doentes e evitar infeções hospitalares, um grupo de motards voluntários da Associação MotoMaco continuará com a entrega de fármacos ao domicílio de norte a sul – um projeto apoiado pela esmagadora maioria dos farmacêuticos. Porém, a presidente da A.N.D.A.R. disse que ainda há farmacêuticos a dificultar a entrega dos medicamentos aos voluntários exigindo receitas em papel e casos de doentes que não receberam medicamentos prescritos porque o hospital se recusou a encomendá-los – exemplos de situações em que a A.N.D.A.R. intervém sem hesitações. “E se fosse um familiar? O comportamento daquele farmacêutico seria o mesmo?”, ripostou Arsisete.
Procurando concretizar o discurso político do “doente no centro do sistema”, “estamos cá para ajudar os doentes, tentar resolver estas situações, falar por eles e reclamar a quem de direito para que não falte medicação. Nós somos a voz deles”, acrescentou a presidente.
“Se vai ser sócio ou não, não olhamos a isso. Nunca deixamos a pessoa que vem ter connosco sem uma resposta ou sem qualquer apoio. Estamos sempre prontos a ajudar. Isso é o mais importante”, afirmou Andreia.
“Às vezes só o simples facto de desabafarem comigo ou com a Dona Arsisete já as ajuda, e eu gosto muito desse trabalho que faço com as pessoas”, continuou. “Modéstia à parte”, o trabalho fica bem feito, porque Andreia consegue pôr-se “na pele do outro”. E sabe o que é viver com a doença.
Andreia Silva e Arsisete Saraiva
“Sempre me conheci com a doença”
Artrite idiopática juvenil é a patologia que desafia diariamente Andreia Silva, obrigando-a a acordar mais cedo para despertar o corpo, caminhar de olhos no chão para não cair na traiçoeira calçada portuguesa e a viver com dor. Porém, o sofrimento físico raramente a impede de sair de casa. É preciso estar “mesmo muito mal” para isso acontecer e, felizmente, o tratamento biotecnológico, que iniciou há 10 anos, diminuiu-lhe significativamente as dores. É verdade que a dor permanece, mas tornou-se muito mais suportável desde que iniciou a terapêutica atual e, também, com as próteses. “Passei fases muito difíceis, mas há algum tempo que estou bem”, referiu.
Andreia teve o diagnóstico aos três anos e meio de idade; aos 6, esteve internada nove meses em Alcoitão e teve de passar por uma cirurgia para voltar a andar; depois da adolescência, foi submetida a uma cirurgia à mão; e mais recentemente, há um ano, colocou a sua quarta prótese, desta vez na anca.
“Nunca consegui correr. Caminhadas faço, mas canso-me mais rapidamente. Fui-me sempre habituando. Passei pelo processo da escola na adolescência, que não é fácil. A adolescência já por si não é fácil. Com uma doença destas, tão incapacitante, também não foi. Mas eu sou uma pessoa muito positiva”, partilhou.
Na escola, as crianças “podem ser muito cruéis” e os adultos nem sempre compreendem os doentes, alertou Andreia, defendendo que, dentro e fora do recinto escolar, as ações de sensibilização devem abranger toda a população.
António Vilar
“Ele vive o problema dos doentes”
Sempre que não conseguem esclarecer devidamente os doentes, Arsisete e Andreia recorrem ao fundador e reumatologista da A.N.D.A.R. “Qualquer coisa que a gente precise, ele está ali. Ele vive o problema dos doentes”, disse a presidente.
Para melhor informar os leitores, o HealthNews fez o mesmo.
Relativamente à sintomatologia, o médico explicou: “Esta doença começa por atingir as pequenas articulações das mãos, punhos e pés, por vezes simetricamente, mas pode começar em qualquer outra articulação, com predomínio inicial nas articulações da cintura para cima. Pode, no entanto, iniciar-se com dor e inchaço dos joelhos, formigueiro nos dedos (habitualmente polegar, indicador e médio), anemia de causa desconhecida e, mais raramente, ao mastigar, por atingimento das articulações do maxilar.”
E prosseguiu: “Trata-se de dor, por vezes sensação de inchaço e até calor na articulação, que se torna difícil de utilizar pelo desconforto e dor intensa. Tipicamente acorda o doente de madrugada, sendo penoso puxar de noite a roupa da cama, com dificuldades acrescidas nas atividades da vida diária, como não ser capaz de abrir uma porta, cortar o pão, lavar ou vestir-se. Rigidez matinal (“ferrugem” por mais de 30 minutos) acompanha muitas vezes o quadro inicial. Nas formas mais agressivas ou mais ‘explosivas’, acompanha-se de fadiga, perda de peso e apetite e até mesmo de febre baixa.”
“Se isto acontecer e durar mais que alguns dias, consulte o seu médico. Se persistir com dores noturnas, envolvimento simétrico de outras articulações ou durar mais de um mês, consulte um reumatologista”, frisou.
Os medicamentos biotecnológicos que surgiram nos últimos 20 anos “modificam a resposta biológica que se encontra alterada na artrite reumatóide”, diferindo “das chamadas drogas modificadores da artrite reumatóide (DMAR) por terem sido desenvolvidas a partir das modificações biológicas que ocorrem na doença”.
“Mais recentemente ainda, DMAR de síntese atuam também por via oral”, trazendo “mais uma esperança para os cerca de 10% de doentes que eram refratários a todos os medicamentos então existentes”.
Hoje, “90% dos doentes ficam assintomáticos” e o tratamento não deixa a doença avançar. Ou seja, os doentes com artrite reumatóide “têm de ser referenciados cedo ao reumatologista e iniciar medicação modificadora da doença”.
O médico alertou ainda que “a artrite reumatóide não é tratável só com analgésicos, anti-inflamatórios ou corticoides”.
Se não for tratada a tempo, a doença causa muito sofrimento e incapacidade. O especialista costuma até dizer que “não há outra doença que faça sofrer tanto, a tanta gente, durante tanto tempo”. “No passado, hoje distante, 50% estavam incapazes para trabalhar e reformados por doença ao fim de 10 anos.”
Depois do diagnóstico e ao longo da vida, os doentes encontrarão sempre um ombro amigo na A.N.D.A.R. Esta, segundo o fundador, está atualmente focada nas seguintes metas: garantir a equidade do acesso a todos os doentes do SNS; garantir que todos os doentes com artrite reumatóide têm acesso a um reumatologista em Portugal; apoiar o Ministério da Saúde na redução efetiva de custos no tratamento da artrite; conseguir que, na Segurança Social, as reformas por artrite reumatóide deixem de ter o impacto que têm à custa de diagnósticos precoces, tratamento atempado e acesso ao melhor tratamento disponível; e construir o centro de acolhimento e investigação para os doentes.
Tudo em prol da missão de “ajudar o doente, apoiando-o e dando-lhe esperança. Amanhã vai ser melhor que hoje”, disse a presidente.
O Reuma Census indica que a prevalência da artrite reumatóide é de 0,7% – 50 a 70 mil doentes em Portugal.
HN/Rita Antunes
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