HealthNews (HN)- Quando e por que razão decidiu viajar para a Ucrânia?

Ana Teresa Afonso (ATA)- Viajei para a Ucrânia no dia sete de março. O objetivo da minha visita esteve relacionada com a minha profissão e posição enquanto Senior Health Advisor da UK-Med – uma organização inglesa que envia equipas de emergência médica especializadas para contextos de emergência. Na sequência dos relatos sobre os conflitos internos na Ucrânia e o número exponencial de refugiados, a organização considerou importante enviar uma pequena equipa para conseguir identificar quais seriam as necessidades de saúde mais cruciais e o estado de segurança no sentido de enviar equipas médicas que pudessem ajudar os sistemas de saúde ucranianos na gestão de feridos e de outras necessidades. Portanto, fiz parte dessa equipa inicial.

HN- Quando toma a decisão de viajar para a Ucrânia, quais os sentimentos e pensamentos que lhe passaram pela cabeça? Em algum momento sentiu medo?

ATA- Sabia que se tratava de uma crise humanitária que estava em fase de escalada e, portanto, queria fazer parte da equipa e perceber se a minha vertente clínica, uma vez que sou enfermeira, poderia ser uma mais-valia para o próprio sistema ucraniano.

Claro que senti medo, sobretudo por causa da incerteza da segurança… No início do conflito as condições de movimento e acesso a determinadas cidades estava bastante reduzido e havia pouca informação disponível. No entanto, como já tinha experiência de outros contextos humanitários, sentia-me preparada para este novo desafio. Daí veio a força e vontade de querer ir para a Ucrânia.

HN- E qual foi a reação da sua família?

ATA- Estavam preocupados devido à insegurança e volatilidade da informação que nos chegava através dos meios de comunicação.

HN- Quando chegou à Ucrânia, qual foi o ambiente com que se deparou?

ATA- No começo da viagem eu e a minha equipa estivemos na fronteira da Polónia, mais tarde atravessamos a fronteira onde havia longas filas de refugiados a tentar sair do país… Havia muitas mulheres e crianças com apenas uma pequena mala. Na altura já havia algumas organizações a prestarem ajuda a estas pessoas.

Mais tarde viajamos para Lviv e fizemos uma visita a algumas estruturas de saúde para verificar de que forma as nossas equipas poderiam apoiar os ministérios e estruturas de saúde locais.

HN- Durante quanto tempo prestou apoio humanitário?

ATA- Estive cerca de dez dias na Ucrânia. Durante esse período fiz a avaliação de qualquer necessidade de saúde dos refugiados que saíam da Ucrânia para a Polónia. Como referi anteriormente, em Lviv tive contacto com alguns profissionais de saúde locais.

No fundo, o meu trabalho envolvia entender o movimento dos deslocados. Pude avaliar que as condições dos locais de abrigo, um deles foi uma antiga escola de veterinária com uma capacidade para mil internos deslocados. As condições de saneamento eram muito básicas… Havia apenas duas casas de banho para mil pessoas. Portanto, o risco de doenças do foro infecioso, inclusive a Covid-19, era muito alto nestes espaços.

Por outro lado, o meu trabalho era o de compreender as necessidades das populações em si. Ouvi histórias, através de colegas, de pessoas que contam como sobreviveram. Houve uma idosa de 80 anos que fez uma viagem desde Dnipro até Drohobych. Trata-se de uma viagem bastante longa entre autocarros e comboios. Na viagem, esta senhora perdeu o seu marido e conta que a única forma de se manter hidratada foi comendo neve… São histórias impactantes.

HN- Qual o ambiente que se vive nestes espaços de abrigo?

ATA- É de extrema entreajuda entre o povo ucraniano e pequenas organizações locais que conseguem dar algum apoio. Por outro lado, também era um ambiente de tensão e ansiedade. Havia pessoas que chegavam a estes abrigos com crises de pânico, a não conseguir descansar e dormir durante a noite.

HN- Quais foram os momentos mais marcantes que viveu?

ATA- Houve vários momentos… Um deles foi a minha passagem pela fronteira. Foi impactante ver as filas de refugiados e as crianças brincarem com a neve enquanto esperavam para atravessar a fronteira. Só me conseguia questionar sobre ‘como será que estas mães explicaram aos seus filhos os motivos que os levaram a sair da sua casa?’, ‘o que será que estas crianças sentem?’. Tudo isto impactou-me muito a nível psicológico e humano.

Outro momento que me marcou foi ver a resiliência do povo ucraniano. Lembro da história de uma rapariga que conhecemos que fazia várias viagens entre a Polónia e a Ucrânia para facilitar a entrada no país de bens alimentares, medicamentos e roupa.

HN- Referiu que já tinha experiência em ações de apoio humanitário, mas de que forma esta experiência mudou a sua visão sobre o mundo?

ATA- Tenho uma carreira internacional de vários anos. Já estive em países do Médio Oriente, da América Central, na Inglaterra e também tive a oportunidade de trabalhar com a Médicos Sem Fronteiras. Portanto, já tinha alguma experiência em contextos humanitários. No entanto, o conflito na Ucrânia é muito particular e pessoal (acontece dentro da Europa e tem impacto na nossa vida diária).

Penso que ter ido à Ucrânia agudizou a minha visão do mundo relativamente à rapidez das crises humanitárias. Preocupa-me o desenrolar dos acontecimentos diários e a forma como este conflito afeta não só o povo ucraniano, mas também os países vizinhos que recebem milhares de refugiados – nem todos estes países são fortes o suficiente para conseguir oferecer cuidados de saúde de qualidade. Preocupa-me igualmente os efeitos a longo prazo e, inclusive, o aparecimento de doenças infeciosas que até agora não estavam presentes no país. É importante relembrar que a Ucrânia tem uma história em termos epidemiológicos de taxas mais altas de tuberculose e VIH.

Entrevista de Vaishaly Camões