A criação do Serviço Nacional de Saúde (SNS), por força de uma lei de 1979 da Assembleia da República, está ontogenicamente ligada à carreira médica. Deve-se ao célebre relatório Miller Guerra, de 1961, o esboço daquela que é a coluna vertebral do SNS.
Pela primeira vez na história multissecular do nosso País, o acesso aos cuidados de saúde deixou de ser condicionado pela capacidade financeira individual. Há, por consequência e do ponto de vista primariamente assistencial, um “antes” de 1978-79 e um “depois”.
Um sistema de saúde efetivo protege os seus utilizadores contra o risco financeiro da doença. Ou seja, a doença, nas suas manifestações aguda e crónica, não deve penalizar económico-financeiramente quem procura cuidados.
Infelizmente, o peso das despesas diretas (“out-of-pocket”) tem vindo a aumentar nos últimos anos. De acordo com dados de 2024, os portugueses desembolsam, percentualmente, o dobro da média da União Europeia para ter acesso aos cuidados de saúde de que necessitam.
A estratégia de subfinanciamento crónico, agravada pelas cativações pós-Troika, fragilizou estruturalmente o SNS. E nem a reposição do poder de compra perdido, acordada com o Sindicato Independente dos Médicos (SIM), parece conseguir estancar a “hemorragia” de recursos humanos médicos.
Gerir recursos humanos é gerir expetativas. Mais do que a remuneração, a organização do trabalho médico e a progressão na carreira assumem-se como fatores críticos à retenção de médicos no SNS.
Se, num passado remoto, a profissão era encarada como um “sacerdócio” – e, posteriormente, como um trabalho gratificante (ainda que implicando sacrifícios pessoais e familiares) – no presente, a jovem geração médica de internos da formação específica e de recém-especialistas anseia, muito legitimamente, por uma efetiva compatibilização entre a vida pessoal e a profissional.
Importa, por consequência, atentar a esta clivagem geracional, em termos de posicionamento em relação à profissão médica; mas, igualmente, à capacidade de atração do curso de Medicina.
Perante a especial penosidade da profissão médica, em muitos países ocidentais cada vez mais candidatos às universidades preterem o curso de Medicina. Recentemente, um inquérito no nosso País concluiu que 1/3 dos médicos internos não voltaria a escolher o curso…
A Direção Executiva do SNS, criada em agosto de 2022, cursou com a banalização do encerramento das urgências hospitalares. O funcionamento da rede de serviços de saúde do SNS não só não ganhou um novo fulgor com a criação desta superestrutura, como o caos foi transformado em rotina…
Infelizmente, o ponto de não retorno do SNS já foi ultrapassado. Pelo menos, desde 2018 – ano em que António Arnaut apelou diretamente à intervenção do então primeiro-ministro.
Perante um SNS criticamente debilitado, poucas dúvidas restam sobre o seu desfecho mais ou menos próximo. Não sendo possível reverter a sua degradação, que esta seja mitigada de forma a assegurar o seu funcionamento basal.
Investir nos profissionais de saúde, cuidando das suas legítimas expetativas, é investir no SNS!
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