Segundo a Organização Mundial da Saúde, "A dor é uma experiência sensorial ou emocional desagradável associada a lesão tecidular, real ou potencial, ou descrita em função dessa lesão." Por outras palavras: podemos ter uma sensação dolorosa depois de uma lesão de um tecido, por exemplo a seguir a uma queda ou uma operação. Mas às vezes a dor pode ser causada por um mau funcionamento do nosso sistema sensorial.
O mesmo estímulo pode provocar experiências dolorosas diferentes, dependente da pessoa, de experiências passadas, do contexto, entre tantas outras coisas. Por isso, a dor deve ser considerada como uma experiência subjetiva e individual. Assim, cada um de nós pode dizer: “Da minha dor só eu é que sei!”.
A função inicial da dor é servir como um alerta de que algo dentro do nosso corpo não vai bem ou de que certos comportamentos ou situações externas podem provocar danos.
1. Qual é a diferença entre dor aguda e dor crónica?
A dor aguda é aquela que sentimos após um trauma, uma operação ou quando qualquer coisa está a funcionar mal dentro de nós.
A dor é considerada crónica quando persiste após o período estimado para a recuperação normal de uma lesão, durante semanas, meses ou até anos.
2. Podemos medir a dor?
Felizmente podemos quantificar a intensidade da dor. Para este fim foram criadas escalas que podem ser analógicas (“dor fraca, média ou insuportável”) ou estar baseadas em números (“tenho uma dor de 6/10”). Para crianças ou pessoas com dificuldade de expressão existem escalas baseadas em “Smileys “com imagens que sugerem vários graus de mau estar.
Dada a importância da avaliação da dor, esta foi declarada pela Direção Geral de Saúde, em 2003, como 5º sinal vital que, como tal, tem de ser avaliado por exemplo durante o internamento de um doente no hospital, da mesma maneira que a frequência respiratória, a temperatura corporal, os batimentos do coração e a tensão arterial.
3. Porquê que é importante tratar a dor?
Primeiro, temos a obrigação ética: reduzir o sofrimento.
Mas existe evidência de que, se a dor não for bem tratada, a morbilidade e a mortalidade aumentam, ou seja, pode haver um aumento do tipo, número e gravidade das complicações, depois de uma cirurgia. Dentro dessas complicações destacam-se problemas pulmonares, como pneumonias, ou vasculares, como as tromboses venosas e as embolias pulmonares; o doente com dor respira pior e mexe-se menos.
A mobilização fora da cama e a alta do hospital acontecem mais tarde.
Uma dor aguda mal tratada corre o risco de “cronificar”, ou seja, pode transformar-se em dor crónica.
4. Quais são os métodos para tratar a dor?
Os métodos de que dispomos, hoje em dia, para tratar a dor são variados:
Medicamentos que atuam por via sistémica: administrados pela boca ou pela veia (entre outras vias), funcionam no corpo todo porque entram em circulação.
Analgesia local ou regional: neste caso, são administradas substâncias localmente ou injetadas na proximidade dos nervos para diminuir a sensação dolorosa (são os nervos que levam, como por uma corrente, a experiência da agressão dolorosa até aos centros do sistema nervoso).
Outros: existe evidência de que certos métodos psicológicos podem ajudar a combater a dor, por exemplo técnicas de relaxamento ou musicoterapia e mesmo, nalguns casos, a acupuntura.
5. Quais são os medicamentos usados para tratar a dor?
Dispomos de uma grande variedade de fármacos como anti-inflamatórios, opiáceos (derivados do ópio como a morfina), anestésicos locais, antidepressivos, antiepiléticos, e outros que não fazem parte de nenhum dos grupos mencionados.
Muitas vezes combinamos vários métodos e procedimentos, para aumentar a eficácia e diminuir efeitos secundários indesejados. Nestes casos falamos de uma abordagem multimodal.
6. Existem riscos devido ao tratamento da dor?
O tratamento da dor utiliza medicamentos e métodos que podem ter efeitos secundários. Por isso, para o tratamento seguro e eficaz da dor, têm de ser ponderadas as medidas em função do seu perfil de risco-benefício para o doente e a situação dolorosa que este experimenta.
O tratamento da dor com métodos ou medicamentos inadequados ou com doses incorretas pode prejudicar a segurança do doente.
Existem situações onde a dor pós-operatória pode ser um sinal de alarme para uma complicação. Por vezes, a dor no pós operatório persiste apesar da utilização de esquemas analgésicos habitualmente suficientes em situações semelhantes - nessas situações deve ser despistada uma potencial complicação.
Se tal não for feito, um tratamento exagerado da dor, pode esconder este sinal de alarme e atrasar a resolução do problema.
7. Podemos ter dor durante a cirurgia?
Durante uma cirurgia, com anestesia geral, a perceção da dor no cérebro está interrompida, por isso não podemos “senti-la”. Para termos a certeza que o doente está corretamente anestesiado, o médico anestesista utiliza vários parâmetros, entre outros a medição das ondas cerebrais.
Embora não haja a sensação ou a consciência de dor, pode haver, no doente anestesiado, se o tratamento da dor não for tido em conta, repercussões da dor, como aumento da frequência cardíaca e da tensão arterial.
Essas ocorrências aumentam a possibilidade do doente ter, por exemplo, problemas cardíacos ou hemorragias, durante a cirurgia e no pós operatório.
Quando se usa anestesia loco-regional, como, por exemplo, a epidural ou o bloqueio dos nervos do braço ou da perna, podemos, por vezes, sentir tocar, ou movimentos, sem sensação dolorosa. Nos casos raros em que a anestesia local ou regional parece insuficiente, o médico pode recorrer a outros métodos como a sedação ou mesmo anestesia geral, garantindo sempre o conforto e segurança do doente.
8. Qual é o papel da Medicina Peri-operatória?
A Medicina Peri-Operatória trata do doente antes, durante e depois de uma intervenção cirúrgica.
Os especialistas que, tipicamente, tratam os problemas do peri-operatório são os médicos anestesiologistas.
Na consulta de Anestesiologia que precede uma cirurgia, o doente é avaliado e, em caso de necessidade, são iniciadas medidas para garantir o seu conforto e segurança durante o procedimento. Caso se justifique, os médicos anestesiologistas coordenam o envolvimento de outras especialidades como a cardiologia, neurologia, endocrinologia, entre outras especialidades, com o objetivo da otimização do estado de saúde do doente para minimizar o impacto da intervenção cirúrgica.
Durante a consulta de anestesia a simples explicação ao doente da forma como irá ser anestesiado e o esclarecimento das dúvidas que este possa ter, contribuem para um pós-operatório com menos desconforto.
Durante a cirurgia os Anestesiologistas cuidam da totalidade do doente: desde o funcionamento do cérebro, do coração, da circulação e tensão arterial, da respiração até à substituição dos líquidos e produtos sanguíneos. São iniciadas as medidas necessárias para o combate da dor pós-operatória e para garantir o bem-estar físico e psíquico no pós operatório.
Depois da cirurgia os Anestesiologistas continuam a vigiar o doente no recobro - na Unidade de Cuidados Pós-anestésicos (UCPA), para garantir a estabilidade das funções vitais e o minimizar as queixas dolorosas. Só depois da autorização do anestesiologista é que o doente pode ser transferido da UCPA para enfermaria, onde pode continuar a contar com o apoio da especialidade se necessário, por exemplo para ajustar e otimizar o tratamento da dor ou outras funções importantes.
Um artigos dos médicos Chaled Al-Kadri, anestesiologista do Hospital CUF Descobertas, e da médica Cristina Pestana, anestesiologista e coordenadora do serviço de Anestesiologia do Hospital CUF Descobertas.
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