A opulência é coisa do passado neste concurso que formou sete vencedoras do Miss Universo e seis do Miss Mundo. De um estádio de Caracas, com capacidade para 20.000 pessoas, passou para um estúdio da emissora de TV dona dos direitos dos concursos - Venevisión - com capacidade para cerca de 200.

A organização teve que trabalhar duramente para não deixar o concurso morrer, trocando penteados e maquilhagem por publicidade no canal e dividindo os custos do vestuário com os estilistas.

"Assim como não temos condições para realizar um Miss Venezuela opulento, porque o momento do país não o justifica, tampouco queremos ceder espaços (...), estamos a ajustar-nos aos recursos que temos", disse Nina Sicilia, produtora do evento, em entrevista à Agência France-Presse.

O espetáculo musical e as coreografias da cerimónia serão feitas por jovens talentos venezuelanos, alguns que estão prestes a estrear-se na televisão.

Na memória de milhões de fãs do concurso permanecem estrelas como Celia Cruz, Raphael, Camilo Sexto e Raúl di Blasio.

O espetáculo adapta-se assim a uma crise de cinco anos de recessão, escassez de produtos básicos e inflação prevista pelo FMI de 10.000.000% para 2019. Uma mistura que obrigou 2,3 milhões de venezuelanos a deixar o país desde 2015.

"As 24 jovens estão a sofrer com os mesmos problemas do resto da sociedade", diz Sicilia, vice-campeã do Miss Venezuela em 1985.

As candidatas também tiveram que se adaptar ao alto índice de criminalidade e ao colapso do sistema de transportes por falta de peças de reposição.

Como algumas vão para o ensaio de autocarro ou metro, não é possível programar sessões de fotos antecipadas, e devem voltar para casa quando ainda há luz do dia ou dividir o carro com as suas companheiras, diz Sicilia.

Um novo código de ética

Miss Venezuela: um concurso de beleza obrigado a reinventar-se perante a crise
créditos: YURI CORTEZ / AFP

Como uma metáfora do concurso, Miss Vargas tropeçou durante a apresentação de imprensa, mas levantou-se e seguiu em frente, embora não tenha conseguido evitar as lágrimas.

A nova diretora, nomeada após denúncias de abusos e prostituição, tenta mudar a cara do evento, cuja vencedora vai representar a Venezuela no concurso Miss Mundo.

O escândalo foi descoberto em março, quando cerca de 10 ex-misses fizeram acusações de vínculos com homens poderosos acusados de corrupção próximos do governo venezuelano.

Um novo código de ética proíbe que as jovens recebam financiamento externo ou que a sua candidatura seja proposta por terceiros. As inscrições são feitas através de um formulário online.

"O vestuário e tudo o resto fica por conta da Miss Venezuela", lembra Sicilia.

Após 40 anos no evento, Osmel Sousa, conhecido como o "czar da beleza", renunciou em fevereiro, após sofrer várias acusações. E nega qualquer conduta imprópria.

Transgéneros

Sicilia defende os concursos de beleza contra as críticas de que são uma afronta à dignidade feminina. "A mulher tem que entender que só com a sua voz é capaz de mudar o mundo", reflete.

Património da cultura popular venezuelana, o evento está disposto a abrir as suas portas para os transexuais, um tema forte desde a participação da espanhola Ángela Ponce no Miss Universo 2018.

"Fui convencida por Ángela Ponce, porque conversei com ela, fiquei tocada com sua força", diz Sicilia, esclarecendo que ainda não será possível fazer isso, já que a legislação venezuelana impede que uma transexual assuma a identidade de mulher.

Apesar das dificuldades, vê no Miss Venezuela "um oásis de alegria". "É como o basebol, como a "hallaca" (prato natalino), como o "cuatro" (instrumento musical), como uma gaita. É a nossa essência".