Rita Brütt, 37 anos, atriz. Provavelmente deverá conhecer a artista por causa de Isabel, personagem a que dá vida na série da RTP1 'Conta-me Como Foi'.

Durante esta conversa, e inspirados na trama, fizemos também uma viagem ao passado da artista. Rita revelou-se faladora, convicta dos seus valores, mas também consciente dos seus defeitos.

Diz-nos que precisa tanto de "trabalhar como de respirar", que é coisa de artista, algo que já sente desde a primeira vez que pisou um palco aos nove anos de idade, num espetáculo de ballet.

Afirmou que nesta temporada do 'Conta-me Como Foi' a sua personagem "renasce das cinzas aos poucos, depois do Inácio". Como foi dar vida a esta Isabel que os espectadores estão a ver agora?

A Isabel nas primeiras temporadas era uma lutadora. A personagem levou um choque enorme com a morte do marido e ao ficar com o filho pequeno. Uma das coisas interessantes é que, apesar de tudo o que acontece, ela não desiste de ser atriz. O renascer das cinzas tem a ver com as coisas que ela começa a conseguir.

Então podemos dizer que a Isabel e a Rita têm esse ponto em comum: o de lutar incessantemente para serem atrizes?

Acho que tenho mais sorte do que a Isabel [diz, enquanto se ri]. Mas é verdade que atores estão sempre em crise, como costumamos dizer. Trabalhamos por períodos muito curtos. Estamos em permanente procura pelas coisas.

A instabilidade é o que mais a assusta nesta profissão ou há outros fatores a ter em conta?

Não sei se assusta, mas o meu percurso foi um bocadinho bizarro. Trabalhei muito, portanto não tive esse contacto com a incerteza da profissão a não ser passados sete anos. Nessa altura, sim, foi um buraco negro que se abriu perante mim. 2012 foi o ano em que fui para o estrangeiro e quando voltei achei que iria trabalhar imenso, mas não. Não percebia porque é que não tinha trabalho.

[Depois percebi que] Isso não tem a ver connosco, mas com o facto de não estarmos no meio e de as pessoas não se lembrarem de nós. Agora já não me assusta, faz parte da vida. Já não entro em crise. Formo-me, arranjo alternativas e organizo-me melhor financeiramente quando tenho trabalho.

Tenho uma ótima vida, sou uma privilegiada, mas preciso de trabalhar. Chego a trabalhar sem ganhar dinheiroE porque é que escolheu esta profissão?

Não me imagino a fazer outra coisa, é como respirar. É um modo de vida. O meu namorado às vezes pergunta-me: 'Porque é que fazes depender a tua felicidade do teu trabalho?'. E é mesmo isso. Tenho uma ótima vida, sou uma privilegiada, mas preciso de trabalhar. Chego a trabalhar sem ganhar dinheiro. Preciso de trabalhar para respirar. Preciso desta coisa de ser atriz para ser eu, para pôr em prática tudo aquilo que aprendi ao longo dos anos.

Mas tem alguém na família na mesma área ou foi uma decisão individual?

Foi algo individual. Comecei por dançar aos nove anos. Assim que pus o pé no palco percebi que era uma coisa que me fazia viver. Tem a ver com o público, com uma adrenalina muito grande por estar em cima do palco. A partir do momento em que se começa é uma espécie de vertigem. Cada espetáculo é irrepetível.

E os seus pais aceitaram bem essa decisão ou tinham imaginado outro futuro para a Rita?

A minha mãe teve um bocadinho de medo, ela é médica. A minha irmã foi para engenharia, o meu irmão para arquitetura, a minha irmã gémea também passou para arquitetura... Era um mundo desconhecido para ela. Comecei a trabalhar muito cedo, a fazer teatro à noite.

E como foi quando entrou para o curso de teatro em Carnide, o primeiro que fez?

Foi uma viagem de autoconhecimento. Acho que o teatro é ótimo para isso. Aprendemos a expormo-nos a nós e às nossas fragilidades. É tomar consciência do alcance da nossa voz. Eu tinha uma voz super pequenina, o que agora é engraçado porque as pessoas me reconhecem por causa disso.

Acho que o sonho do 'lá fora' é visto como experiência, mas eu gosto sempre de voltarNa altura com o que é que sonhava?

É engraçado que se fale no sonho de ir para fora. Eu trabalhei em Itália, França, Bélgica, e é espetacular a sensação que somos atores profissionais em qualquer lado do mundo. Mas fazer teatro na nossa língua está sempre mais perto do nosso coração. As oportunidades que surgirem aqui eu quero-as. Acho que o sonho do 'lá fora' é visto como experiência, mas eu gosto sempre de voltar.

Mas não há aquela sensação de que um ator português é mais reconhecido quando trabalha no estrangeiro?

A mim ninguém me ligou nenhuma, foi como se não tivesse existido [não resiste a uma boa gargalhada]. Mas está a falar na Netflix e Hollywood, claro. [Penso que tal acontece] porque as produções lá fora têm muito mais dinheiro do que as nossas. Nós cá fazemos o mesmo por 1/3 ou menos do dinheiro. Até no 'Conta-me Como Foi' vi isso. A série espanhola tinha um orçamento maior e nós cá, com menos, na minha opinião, fizemos melhor.

Lembro-me de ter um ataque de ansiedade dentro do metro por ver a minha cara em todos os lugaresMas isso também não nos leva à questão do ser ou não mediático? Por exemplo, a Rita não partilha muitas coisas pessoais na sua conta de Instagram. Não sente que de certa maneira isso influencia as oportunidades que surgem?

Isso é uma coisa na qual tenho vindo a refletir ao longo dos anos. Cheguei a fazer uma novela com o Pedro Teixeira e a Sara Matos em triângulo amoroso. Lembro-me de ter um ataque de ansiedade dentro do metro por ver a minha cara em todos os lugares. Tive muita dificuldade em lidar com isso, porque no fundo queria uma vida normal. Lembro-me que na altura da novela, 'Anjo Meu', fugi dos jornalistas porque não sabia o que havia de dizer. Não sabia promover o trabalho. Tive medo de abrir a minha vida pessoal porque via muitos colegas meus com uma devassa enorme da sua vida privada. Agora, passados uns anos, acho que geri muito mal.

E a sua filha? Como reage ao vê-la na televisão?

Ela até já apareceu! Fizemos um campanha para a associação Alzheimer. Ela foi espetacular. Adorou as câmaras. Cheguei a fazer ensaios com ela ao colo. Não quero que ela fique deslumbrada, no sentido negativo, mas que conheça este mundo e de preferência que não o escolha.

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Mas não queria que ela fosse atriz como a Rita?

Não sei, ela pode ser o que ela quiser...

Neste mundo do espetáculo chegou a ver muitas pessoas que trabalhavam para o seu ego?

Sim, claro, até mesmo eu. Para um ator afastar-se dessa coisa do ego é um caminho para a vida toda. É sempre uma tentação acharmos que somos os mais importantes, mas quando nos afastamos disso tornamo-nos mais interessantes. Eu sempre falei imenso e tive de aprender a calar-me para ouvir. Um ator só pode crescer se estiver atento aos outros.

Vivemos num raio de um país que é tão estranho, antagónicoNeste ano tão difícil para a Cultura em Portugal, conhece colegas a passarem por dificuldades?

Há muita muita gente que está a passar por dificuldades financeiras, psicológicas, de pôr em causa tudo, a própria vida, o que escolheu. Vivemos num raio de um país que é tão estranho, antagónico. Temos imenso orgulho em ser portugueses, mas depois não há apoio nenhum. A nossa Cultura é apenas uma coisa teórica. Não existe um estatuto para um artista. Ele passa um recibo verde como prestador de serviços quando tem projetos de curta duração e nunca está enquadrado em nada que o proteja. Olho para os meus colegas velhotes, fico de coração partido e penso no meu futuro.

Agora, para a conhecermos melhor... Quem é a Rita Rita Brütt em casa?

Sou eu! Canto muito, faço muitas palhaçadas, estou com a minha filha, brinco como uma criança, tento ajudar os outros. Às vezes sou um bocadinho insegura de mim também. Ocupo-me muito das coisas dos outros e acho que isso é uma fuga.

O que é preciso para ser amigo da Rita?

Ser franco.

O que é que a tira do sério?

Justiça, arrogância, quando alguém se põe em cima de um banquinho a achar que é mais do que os outros.

Era muito reivindicativa no início, um bocado insuportável. Qualquer coisa que achasse mal dizia logo

É fácil trabalhar com a Rita?

Já foi muito difícil, também aprendi. Era muito reivindicativa no início, um bocado insuportável. Qualquer coisa que achasse mal dizia logo. Uma miúda, com 24 anos, no meio de gente brutal, e eu ali 'bla bla bla'... alguém que me dissesse 'cala-te!'. Aprendi a dizer o que era realmente importante. Mas é bom, estamos sempre a melhorar, não sou perfeita.

Tem um plano B para o futuro?

Vou criando alternativas dentro da minha própria área. Dou aulas, faço locuções... agora estou a pensar em criar algo mais consistente.

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