Espécies exóticas e indígenas, algumas raras e centenárias, elevam-se sobre tapetes de camélias nesta quinta do século XIX localizada nas colinas do Funchal. A paixão que a sua proprietária nutre pela botânica é tão intensa que esta se define a si própria como uma flor. Christina Blandy gosta de cuidar do seu jardim sempre que o sol espreita de soslaio. É que na força do calor, como ela própria afirma, acaba por murchar. Tal como as suas melhores amigas, as plantas e as flores.

Atualmente, com os filhos casados e os netos crescidos, tempo não lhe falta para praticar o hóbi preferido, até porque cuidar dos jardins lhe oferece tranquilidade e paz interior. Hoje dedica, por isso, muitas horas do dia a cuidar dos jardins da Quinta do Palheiro Ferreiro, que se encontra na posse da família há mais de um século. A manutenção do património familiar somam-lhe responsabilidades e tornam esta tarefa complicada mas apaixonante.

Assim como as 50.000 visitas que estes jardins do século XIX recebem anualmente. Para a levar a cabo a empresa, Christina Blandy conta com uma equipa de 10 jardineiros "maravilhosos", como faz questão de frisar, que reúnem todos os dias nas colinas a leste do Funchal em torno de um objetivo comum, o de cuidar e preservar este pulmão verde com mais de 200 anos de história e que goza o invejável estatuto de jardim com maior biodiversidade da ilha da Madeira.

Paixão antiga

Christina Blandy apaixonou-se definitivamente pela arte da jardinagem há 40 anos, quando assentou arraiais na Madeira. O microclima e as características do solo impressionaram esta sueca logo ao primeiro contacto com a chamada pérola do Atlântico. A partir daí, dedicou-se afincadamente à leitura, a visitar jardins e espaços verdes e a dar os primeiros passos na prática da jardinagem. Desta forma, adquiriu os conhecimentos que lhe permitem hoje dirigir com mãos de mestre os trabalhos na quinta. 

A sua mais recente paixão são as rosas e não consegue disfarçar a satisfação que lhe está a dar a conceção do roseiral do Palheiro Ferreiro. O roseiral prende-lhe agora todas as atenções como se de um filho se tratasse. Para além da criação do jardim de rosas, Christina Blandy está empenhada em classificar algumas das principais espécies que dão cor ao jardim e que se destacam pela «beleza, raridade, singularidade ou outras características especiais», como frisa.

Espécies centenárias

Respiram-se camélias de várias cores, formas e feitios no Palheiro Ferreiro. E não é por acaso! Estas flores são as rainhas do jardim entre novembro e maio. Os jardins desta quinta de inspiração inglesa albergam cerca de 1.500 variedades de camélias distribuídas pelos 12.000 metros quadrados de área verde. Grande parte da colecção encontrou nas montanhas do Funchal o local ideal para habitar há 200 anos.

E ainda hoje estas vivem harmoniosamente no meio de sequóias da Califórnia, criptomérias do Japão, auraucárias da Austrália, próteas africanas e tílias da Europa, entre muitas outras plantas. A diversidade de espécies, cerca de 650 no conjunto, já lhe valeu o prémio de Melhor Jardim do Mundo de Relais & Châteux, atribuído no final da década de 2000 no Mónaco. Uma distinção que Christina Blandy recorda com orgulho.

A quinta e a sua famosa e imponente alameda das camélias, o ex-libris do jardim, nasceu em 1804 pela mão do primeiro conde de Carvalhal. O então presidente da Câmara Municipal do Funchal e responsável pela introdução da camélia japónica no arquipélago, escolheu as montanhas do Palheiro Ferreiro, localizadas 500 metros acima do nível do mar, para construir a sua casa de férias.

Na época, damas e cavalheiros reuniam-se depois das caçadas nos jardins da casa apalaçada, à sombra de cameleiras e de árvores exóticas oriundas dos quatro cantos do mundo, algumas oferecidas ao conde pelo rei D. João VI, visita frequente na quinta, que muito apreciava. Outras chegadas ao arquipélago por comandantes de navios que desembarcavam regularmente no porto do Funchal.

Mas, é graças à devoção da família Blandy, que adquiriu a propriedade em 1885 e está ligada à história do vinho da Madeira, que algumas destas espécies centenárias ainda podem ser apreciadas. De geração em geração, o clã Blandy preservou e enriqueceu este espaço e foi nas mãos de Graham Blandy, mas sobretudo de sua mulher, Mildred, sogra de Christina, que os jardins se tornaram famosos.

Ambientes variados

Os jardins repartem-se por quatro zonas principais, distribuídos pelos amplos relvados, com declive suave, divididos por passeios delineados por calçada madeirense. O jardim principal fica paredes-meias com imponente casa da família Blandy, com arquitectura inspirada no período da rainha Vitória. As espécies oriundas da África do Sul, país de origem de Mildred Blandy, destacam-se no palheiro, tal como o rochedo que contrasta com a paisagem montanhosa.

Entre o Jardim Principal e o Jardim da Senhora, surpreende a capela dedicada a São João Baptista, em estilo barroco simples, mandada construir pelo conde de Carvalhal. Ladeado por cameleiras de várias cores que parecem pincelar as paredes brancas e o interior da mesma cor, este pequeno templo não passa despercebido ao visitante. No Jardim da Senhora, a topiaria dá asas à imaginação do visitante e oferece bancos para os momentos de lazer, quer sejam a leitura ou a simples contemplação.

Obrigatória é também a passagem na zona do Barranco do Bravio, vulgarmente conhecida por Ribeira do Inferno, uma zona de paisagem privilegiada a partir da qual é possível avistar a baía do Funchal. Mais uma vez, as camélias destacam-se entre a vegetação autóctone, como o vinhático, o loureiro e o mónaco, que cresce lado a lado com espécies exóticas. Oriundas de diversos pontos do globo, muitas plantas encontraram ali as condições ideais para viverem.

Camélias sedutoras

São várias as as camélias que mais brilham na quinta. É o caso da paulownia tomentosa da China, das cryptomaria japónica, das variedades Grass Trees da Austrália, das raras camélias C. Granthamiana de Hong Kong ou ainda da sauraja subspinosa, da Birmânia. A lista de espécies botânicas inclui ainda um cedrus atlantica Glauca, um gigantesco metrosídero e uma telopea speciosissima.

Pode também lá ser visto um emblema floral da província australiana de Nova Gales do Sul, uma alberta magna da África do Sul, uma hymenosporum flavum ou ainda um jasmineiro australiano, que constituem outras espécies que fazem parte desta vastíssima coleção vegetal. O nome da quinta, localizada na Rua da Estalagem, no Funchal, resulta de uma homenagem a um humilde ferreiro, proprietário anterior do terreno onde está sedeada.

Foram os camponeses quem sugeriram o baptismo de Palheiro Ferreiro à família Blandy em jeito de reconhecimento àquele ferreiro multifacetado, que ao seu ofício principal juntava também a antiga arte de concertar panelas com a mesma facilidade que ferrava cavalos. Os jardins da Quinta do Palheiro Ferreiro fazem parte de um complexo turístico que inclui uma unidade hoteleira de cinco estrelas que serve de apoio ao campo de golfe, considerado "um dos mais sensacionais do mundo" pela revista Golf Monthly.

Texto: Rita Gonçalves com Palheiro Gardens (fotografia)