Dois anos depois da primeira viagem de bicicleta e um ano após a peregrinação a pé, Fausta Cardoso Pereira, autora do livro «Bom Caminho», editado pela Planeta, convida-nos a seguir o seu exemplo.

«Como é que uma mulher frágil, que apenas corre esporadicamente para apanhar o autocarro e que tinha uma bicicleta guardada há oito anos iria calcorrear 116 quilómetros até Santiago de Compostela?», interrogava-se. 

«A dúvida assolava-me, mas estava decidida a testar os meus limites», assume. «Estava decidida a conhecer-me melhor e a percorrer o caminho. Numa tarde de junho, fechei a porta de casa e saí com o meu companheiro de automóvel em direção ao norte, com as bicicletas no tejadilho», recorda Fausta Cardoso Pereira.

«Partimos para quatro dias únicos nas nossas vidas. Na segunda vez, saí em outubro e fiz o percurso a pé, na companhia de duas amigas. Como escrevo no meu livro, queria ir em peregrinação a Santiago de Compostela, transportando tudo o que preciso com a (pouca) força do meu corpo, o indispensável para vários dias de caminhada», diz.

A reação dos outros

Quando revelou a sua decisão a familiares e amigos, ninguém escondeu receios. «Vais passar fome», «Vais ficar doente» e «Não te metas nisso» eram as respostas mais habituais. «Perguntei-me se teria coragem para encarar a dor, o cansaço, se seria crescida o suficiente para tratar das feridas e persistir caminhando. A minha motivação residia no simbolismo e carga histórica do caminho», afirma Fausta Cardoso Pereira.

Dois meses antes da partida, estabeleceu um calendário de exercícios na expetativa de conseguir realizar as etapas definidas sem muitas dores musculares. «Além de frequentarmos o ginásio duas vezes por semana, iniciámos percursos de bicicleta e fomos aumentando o número de quilómetros percorridos. Precisava de estabelecer uma relação com a bicicleta para me sentir à vontade», sublinha ainda a autora do livro, que também é copywriter e produtora de cinema de animação e gestora de projetos na área da responsabilidade social.

Os preparativos

«Na primeira viagem de bicicleta, tive o cuidado de saber o que os ciclistas levam. A informação disponível é quase para profissionais. Daí a minha necessidade de partilhar a minha experiência num livro e de explicar às pessoas que não é preciso ter uma bicicleta topo de gama ou o melhor calçado track para fazer este percurso», recorda Fausta Cardoso Pereira.

«A minha bicicleta era a mais barata da loja. Fiz adaptações mínimas, comprei um kit. As minhas botas eram topo de gama e fiquei com os pés muito doridos, ao contrário das minhas amigas que calçavam ténis básicos. É importante levar calçado já testado, que não seja a estrear», acrescenta ainda.

Definir objetivos

«Das duas vezes, fui pelo segundo caminho português mais percorrido, o de Valença do Minho. Estabelecemos um mínimo de 45 quilómetros diários de bicicleta e de 25 a pé. Mas o melhor é não ficar obcecado com as metas e ir aproveitando a peregrinação. Fiz o percurso de bicicleta em 2011 durante quatro dias e, no ano seguinte, caminhei durante cinco dias», esclarece.

Ao longo da viagem, foi colecionando histórias para contar. «Houve um dia em que percorremos poucos quilómetros de bicicleta porque o trilho era sempre a subir e estava a chover. A bicicleta deslizava muito e tive de carregar cerca de 20 quilos nos braços. Estava de férias. Até convém tirar mais uns dias para recuperar», avisa a quem pretende seguir o seu exemplo.

A experiência da viagem

Os albergues são uma experiência fundamental, considera. «Estamos todos reunidos, muito cansados. Encontra-se desde o gestor de empresa até ao jovem que ainda está na faculdade, idosos com mais de 70 anos. Vão ao seu ritmo. Quem começa o percurso em Lisboa depara-se com maiores dificuldades em encontrar locais onde dormir», adverte.

«Existem infraestruturas, como juntas de freguesias, bombeiros voluntários ou pousadas da juventude, mas não é o mesmo que ficar num espaço só para os peregrinos. Os albergues que existem desde o Porto estão muito bem preparados», elogia Fausta Cardoso Pereira.

Reforçar relações

Há pessoas que aproveitam o percurso para reforçar relações. Há pais separados que vão com os filhos. «Costumo dizer que após esta experiência com o companheiro, ou nos odiamos para o resto da vida ou ficamos juntos para sempre. Cansamo-nos e passamos por uma série de privações que é preciso equilibrar. Connosco correu bem», regozija-se.

«Ir com amigas foi totalmente diferente. Acabei por fazer grande parte do percurso sozinha. Cada uma tinha o seu ritmo. Com o Ricardo, foi um percurso menos solitário. Quando me sentia cansada, ele parava e acompanhava-me», afirma ainda Fausta Cardoso Pereira.

Para continuar

«No fim da peregrinação, senti-me fisicamente renovada», assegura. «Como se o meu corpo estivesse preparado para continuar a caminhar e a pedalar por mais tempo. A nível mental, o que me faz ter vontade de voltar é haver uma espécie de restart, de uma forma calma, serena, pensada. Não estava habituada a lidar com o desapego das coisas materiais da cidade, com o silêncio, com as perguntas e respostas que aterram na cabeça do peregrino», refere.

«O caminho é esta paragem para me dedicar a mim e me preparar para lidar melhor com o resto do ano. Estamos focados no objetivo de, etapa a etapa, chegar ao fim. Quando regressamos, temos maior distanciamento dos problemas e do frenesim que nos levou a este caminho», garante Fausta Cardoso Pereira.

O que levar na viagem:

- Credencial de peregrino para entrar nos albergues públicos e beneficiar de descontos nas pousadas da juventude. Peça-a em Jacobeus.org
- Água e um pequeno cantil para encher
- Bananas e bolachas
- Protetor solar
- Kit para furos nos pneus
- Calçado de caminhada e roupa confortável
- Kit SOS para tratamento de bolhas nos pés
- Tampões para os ouvidos e sacos de pano
- Repelente de mosquitos
- Bloco de notas

As regras de Fausta Cardoso Pereira que a vão ajudar na viagem

- Antes de iniciar o percurso Tome um bom pequeno-amoço, rico em proteínas e hidratos de carbono. Não dispense a peça de fruta.

- Faça pausas para descansar.

- A paragem do almoço é muito importante. Se não se cruzar com um restaurante no trajeto, leve fruta e, eventualmente, alguma empanada.

- Se sentir dores musculares pare e faça alongamentos.

- Leve consigo um kit com linha, agulha e desinfetante para o tratamento de bolhas.

Texto: Fátima Lopes Cardoso com Artur (fotografia) e Sara Castro (maquilhagem e cabelos)