Com o título “The early spread and epidemic ignition of HIV-1 in human populations” (“O início da disseminação e propagação epidémica do HIV-1 em populações humanas”), o extenso artigo vem provar que o primeiro vírus que provoca a Sida, o HIV-1, surgiu no antigo Congo Belga, uma novidade em relação a todos os estudos sobre a epidemia.
Nuno Faria, da Universidade de Oxford, Reino Unido, é o primeiro autor do estudo, que fez a análise genética de centenas de amostras de vírus (filogenética), conseguindo-se provar, perante outras hipóteses em África, que foi em Kinshasa que tudo começou, há quase um século.
João Sousa, o outro investigador português dos 14 que assinam o artigo da Science, investigador da Universidade Católica de Lovaina (Bélgica), também ligado ao Instituto de Higiene e Medicina Tropical (Universidade Nova de Lisboa), explicou à Lusa que, no estudo, se conseguiu provar que o vírus de Kinshasa era o mais antigo.
Apesar de o vírus ter origem em chimpanzés dos Camarões (de um tipo que não há no Congo), terá passado para os humanos em algum episódio de caça e teria chegado a Kinshasa num ser humano, explicou João Sousa à Lusa.
O investigador, que para o artigo fez a pesquisa dos fatores de risco, é de opinião de que as doenças sexualmente transmissíveis, como a sífilis, que na altura grassava em Kinshasa, terão ajudado muito a propagar o HIV-1.
Professores do Congo ajudaram a disseminar vírus
O antigo Congo Belga tornou-se independente em 1960 e logo a seguir imigrantes do Haiti, nomeadamente professores, foram destacados para o Congo, pela ONU, para ajudar no desenvolvimento do país. Esses profissionais estiveram sobretudo em Kinshasa, onde alguns terão sido infetados, conta João Sousa.
E explica que no regresso a casa levaram com eles o vírus. “No Haiti o vírus propagou-se” e, em finais dos anos 60 e início dos anos 70, o Haiti tinha uma grande indústria de turismo sexual, especialmente procurada pela comunidade homossexual dos Estados Unidos, o que levou a que os primeiros casos da doença tenham sido reportados junto de homossexuais norte-americanos.
Explicações de João Sousa são suportadas em análises genéticas de vírus recolhidas no Haiti e na informação que está “escondida” no material genético, como diz à Lusa. E explica também que, desde que se começou a desenvolver em Kinshasa até ser descoberto nos Estados Unidos, o vírus não deixou de se propagar.
Nos anos 80 teria já infetado centenas de milhares de pessoas e, quando surgiu nos Estados Unidos, os meios de diagnóstico eram mais sofisticados, lembra o investigador, segundo o qual o trabalho de investigação vai continuar.
Questionado pela Lusa, admite que se possa um dia descobrir que o vírus afinal surgiu antes dos anos 20. Para já, provou-se que começou em Kinshasa, há quase um século.
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