Num dos corredores labirínticos do 2.º andar do hospital pediátrico deixam de se ouvir os sons dos equipamentos médicos e das conversas sussurradas entre enfermeiras e médicos. As enfermarias dão vez a uma escola quase centenária onde só vai às aulas quem quer.

A funcionar desde 1926, muitas crianças aprenderam ali a ler e a escrever. Isabel Almeida, uma das professoras, vivenciou essa experiência.

“Houve uma criança que esteve aqui três ou quatro meses e chegou sem saber ler e, no final, a mãe dizia-me ´Oh professora, valeu a pena. Esteve doente mas saiu daqui a saber ler e a escrever”, recorda.

Um desafio profissional e psicológico

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Contudo, nem todos os dias são fáceis. Trabalhar numa escola onde os alunos estão doentes é um desafio profissional e psicológico.

“A experiência foi chocante. Nos primeiros 15 dias, fui todos os dias para casa a chorar”, diz Isabel Almeida ao lembrar os primeiros tempos na Escola Dona Estefânia, há onze anos.

O dia das professoras começa na sala onde está o placard com todos os nomes das crianças internadas. Só depois da reunião com as enfermeiras é que sabem quem serão os seus alunos: Da interminável lista, há quem tenha tratamentos programados e quem, simplesmente, não queira ter aulas.

Os alunos que não se podem deslocar à escola por questões de saúde, têm aulas no quarto ou numa das salas da enfermaria.

Ema é um desses casos. Uma queimadura na mão obrigou-a a trocar a sua casa em Olhão pelo hospital em Lisboa, onde está há quatro semanas. Desde então passou a ser uma das alunas da professora Armanda Nunes.

A menina de nove anos, cabelos longos e encaracolados com uma coroa de flores na cabeça, sabe que não pode sair da enfermaria por risco de infeção, mas admite que gostava de estar integrada numa turma.

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“Aqui sou só eu, por um lado é mais sossegado, mas por outro eu gosto de estar com colegas”, diz, sentada ao lado da professora, na única secretária que há na sala.

Para saberem que matérias devem ensinar às crianças, as professoras do Dona Estefânia contactam as docentes da escola de origem destes miúdos.

Alguns professores disponibilizam-se mesmo para fazer uma ligação por ‘skype’ para que as crianças do hospital pediátrico possam conversar com os colegas e assistir às aulas. Nesses momentos, as professoras acreditam que os meninos conseguem “sair do hospital” e viver uma vida normal.

Uma ideia que é confirmada pela administradora hospitalar, Helena Gonçalves, que realça a importância de “esquecerem um bocadinho aquela rotina hospitalar”.

Além disso, a direção do hospital garante que também os adolescentes podem continuar a ter aulas enquanto estão internados e a manter viva “a fantasia que é a escola e os colegas”.

A mãe de Ema, Alda Grilo, é da mesma opinião: “É importante para não perderem a matéria que aprenderam ao longo do ano e acaba por ser um meio de se distraírem e esquecerem um bocadinho que estão aqui no hospital”.

Nesta escola, conta Armanda Nunes, “nunca há um dia igual”, tanto podem ser apenas um como dez alunos na sala. E todos os dias as professoras percorrem os corredores das enfermarias para os ir buscar, um a um.

Muitos ficam espantados quando descobrem que vão para a escola de pijama. Outros admiram-se com o tamanho da escola: É apenas uma sala com estantes carregadas de livros de todas as cores e feitios, com vários copos com lápis de colorir, com computadores e até um quadro com projetor.

Bruna já está habituada à sala de aula. A menina de nove anos, que fez um transplante de medula óssea no ano passado, está há quatro meses no Dona Estefânia.

No início, tinha aulas no quarto. Agora, já aprende na sala de aula: “Gosto mais daqui, porque é mais giro. Tenho mais companhia”, resume a menina de Portimão de nove anos, acabando por admitir que o que gosta mais na escola “é das professoras”.

Às vezes as aulas são interrompidas para irem fazer exames outras vezes o telefone toca para avisar que está na hora de alguém tomar um medicamento, conta Armanda Nunes.

Ser professora numa pediatria é um desafio, porque as crianças estão doentes e muitas vezes sem capacidade para trabalhar, mas as professoras garantem que é um trabalho gratificante, sublinhando que a relação que criam com os alunos e pais "é para sempre".