Neste que será o primeiro ano de relativa normalidade pós pandémica, torna-se interessante elaborar um conjunto de antevisões daquilo que poderemos esperar. Tanto do ponto de vista operacional, como utilizando um ângulo mais estratégico e político, o ano que agora se inicia traz consigo um conjunto de expetativas e momentos que serão decisivos para a sustentabilidade do SNS a curto e médio prazo.
Num governo fragilizado com 13 saídas em apenas 9 meses de atividade, entre as quais no setor da saúde, o novo ministro Pizarro vive um estado de graça, auxiliado pela externalização parcial das suas funções para a nova direção executiva do SNS. A decisão de colocar algumas urgências de obstetrícia em funcionamento alternado, sem que isso provoque uma crise política no ministério, tal como ocorreu com Correia de Campos ou Marta Temido, é uma demonstração cabal desta nova dinâmica. Quanto tempo irá durar? Dependerá da capacidade de resolver problemas estruturais, em vez de apenas procurar soluções de circunstância.
E sobre medidas estruturais que podem ser desenvolvidas em 2023, há pelo menos duas, que realisticamente e aproveitando a novidade da direção executiva, podem começar a ser desenvolvidas. Começando pelos recursos humanos e a carência de profissionais no SNS. A diminuição dos salários reais, a falta de flexibilidade da estrutura, as expetativas dos trabalhadores que não estão em sintonia com os objetivos institucionais, conjugadas com a maior competição do setor privado e emigração, causaram uma situação onde a pouca disponibilidade de recursos humanos coloca em causa o acesso aos cuidados de saúde. Afinal de contas não há prestação de cuidados de saúde sem profissionais de saúde.
O SNS tem de fazer aquilo que nunca fez: pagar bem aos trabalhadores, oferecer uma carreira estruturada e que fomente o crescimento profissional, sem esquecer o investimento em programas de retenção dos profissionais. De uma forma mais abrangente, é preciso resolver o problema da habitação. Parte da responsabilidade da carência de profissionais de saúde, especialmente médicos, na região de Lisboa e no Algarve, está precisamente relacionada com o custo proibitivo da habitação. Como pedir a alguém que venha trabalhar para a região de Lisboa por mil euros, quando só para renda da casa terá de pagar 900 euros por um minúsculo T1?
A outra reforma estrutural está relacionada com o modelo do nosso sistema de saúde. É baseado em impostos, assumindo o estado uma fatia muito relevante da prestação de cuidados. Se contarmos apenas a produção de cuidados mais clássica, como internamentos, cirurgias e episódios de urgência, o SNS continua a ser hegemónico. No entanto, desde há 20 que o estado recua no financiamento dos cuidados de saúde. Este recuo tem sido constante, apenas com uma pequena interrupção durante o pico da pandemia. Esta diminuição do peso do Estado no financiamento dos cuidados de saúde tem sido preenchido diretamente pelas famílias. Não são os seguros privados ou subsistemas de saúde, mas diretamente os indivíduos que têm pago mais pelos cuidados de saúde que necessitam.
Esta crescente desresponsabilização do estado com as suas competências cria uma situação de enormes desigualdades no acesso aos cuidados de saúde. De facto, Portugal apesar de operar com um sistema beveridgiano apresenta um nível demasiado elevado de despesas catastróficas em saúde. É urgente aumentar o financiamento público dos cuidados de saúde, dos atuais 60% para, pelo menos, os 70% que correspondem à média da OCDE. Este esforço deve servir para reforçar áreas onde o SNS tem apresentado enormes lacunas nos últimos anos, como imagiologia, ou no reforço da centralidade e meios ao dispor dos cuidados de saúde primários.
Que 2023 seja um ano onde se trabalhe para oferecer cuidados de saúde de qualidade a todos, com foco na equidade!
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