O sentido original, platónico 1, de Ciência, enquanto Conhecimento racional abarca a totalidade epistémica que a Medicina, bem como a Fisioterapia, não poderá elidir, nos termos da sua reflexão interventiva. De igual modo, pensar a medicina é reflectir uma totalidade psicossocial, espiritual, que, actualmente, se concebe no fundo de um Colectivo tantas vezes desarmonizado.

A Estrutura racional, o Verbo/Logos primário, enceta pela inseparatividade Filosofia – Ciência, a partir da qual qualquer dualização é concebida pelo “espírito” enquanto dor, doença. De facto, é a ameaça que potencia a neurose, a qual é, por sua vez, uma ameaça de psicose. De algum modo, a própria ciência parece neuroticizar o “espírito”, se bem que o transtorna “psicologia empírica”. Mas a neurose é, também, o modo de potenciar “positivamente” o aspeito científico, o qual, por seu turno, substancializa sua intrínseca “Estrutura” (materialista), entretanto neuroticizada potencialmente pelo relativismo pós-moderno. A pós-modernidade reactualiza o lugar do “Espírito”, reconciliando-se com o dogma pré-moderno, pré-científico (Popper 2). Há, aqui, um manancial dialéctico 3, que parece não ter fim, e também essa interpretação infindável 4 remete para a neurose.

Se “tudo é interpretação” 4, se “tudo vale” 5, então há, apenas, neurose do “eterno retorno”, mas isso não limita a possibilidade da ciência, da medicina, conseguir equilibrar, estancar, epistemicamente o Sistema numa Estrutura, que, já “per se”, harmoniza os pólos racional vs. empírico. A medicina, com seu modelo científico-liberal, permite, então, burilar, terapeuticamente, a Estrutura “livre” do “Ser”, e isto também concorre para o “Espírito”, e, no entanto, a pós-modernidade poderá reagir-lhe de forma a criar outro “Espírito”, no sentido dogmático do termo. Um dogma é, claro, um excesso, mas o excesso terapêutico não é menos dogmático e gera a defesa. O equilíbrio pode conceber-se como um modo de “razão”, de Estrutura, é o paradigma moderno que o fará designar-se nos termos do “psicossocial” naquilo que tem de mais “holístico”. Há uma proximidade entre a Estrutura harmónica e racional e a Estrutura que é sublimada, enquanto efeito do atrito terapêutico. Esta segunda reinicia a circularidade, patologizando outrem. Novel “razão” remete para nova Realidade positiva, na qual se entrechocam novos equilíbrios racionais e diaspóricos.

A razão “positiva” é mais libertária e individualista, confluindo para a expressão dogmática duma razão “ideal”, mais totalizadora. O “Espírito” está em todo lado onde os pólos se fundem, como em todo o processo da realidade 3, ele é a própria Saúde bio-psico-social. A última não deve ser traída pelo rigor empirista, mas também este não deve movê-la com um mote “totalitário”. Outros modos de equilíbrio “real” consentirão outras formas de harmonia epistémica, claro está que, no fim, o que interessa é a resultante “insofrida”, e, para esta, converge uma prescrição médica “consequencial” que muda, identicamente, a cada momento. Da mesma forma que uma “razão” terá de se afazer à realidade e vice-versa, até porque o equilíbrio não perde, nunca, o seu pendor vitalista. O “Espírito” clínico não se conforma com uma deôntica estática, mesmo esta está dependente dum jogo de consequências “reais” resvalando pelas arquitecturas racionais.

Cabe à medicina ser uma ciência da totalidade, não se limitando ao paciente, até porque nem este se limita a sê-lo, pelo que é, igualmente, terapeuta do seu médico/terapeuta, como do conjunto social no qual interfere superegoicamente. A medicina é uma proa de radicalidade bio-psico-social, elemento da pós-modernidade construtiva que não se comove com o desiderato de um Super-Homem.

O “Espírito” puro é, já, plena psicose, e é aqui que consta que tratar o paciente é, de facto, matá-lo de amor, exaurir a vitalidade real e racional. Não é o “mal”, porque este é necessário à vida.

Referências bibliográficas

  1. Platão. A República. Edição da Fundação Calouste Gulbenkian.
  2. Popper K. The poverty of historicism. Routledge & Kegan Paul, Ltd.; 1957.
  3. Hegel GWF. A ciência da lógica. Edição original de 1812-1816.
  4. Foucault M. Les mots et les choses. Gallimard; 1966.
  5. Feyerabend P. Against the method. Verso Books; 1975.