A psoríase é “uma doença que se manifesta na pele, mas isso é a ponta do iceberg”, explicou ao HealthNews o Dr. Luiz Leite, dermatologista na Clínica Laser de Belém. O médico lamenta que esta doença inflamatória crónica e sistémica, que “pode ter um grande impacto pessoal, familiar e social”, seja “muito pouco” falada e critica os meios de comunicação social por preferirem aprofundar outros temas. Relativamente ao tratamento, segundo Luiz Leite, os “biológicos foram uma revolução”, porque “são seguros e eficazes e atuam a nível sistémico”.
HealthNews (HN)- O que é a psoríase?
Luiz Leite (LL)- A psoríase é uma doença inflamatória crónica e sistémica. Sistémica quer dizer que não é uma doença só da pele. É uma doença que se manifesta na pele, mas isso é a ponta do iceberg. Há um processo inflamatório sistémico, dos vasos, das articulações, de alguns órgãos. Tem havido uma discussão muito grande sobre se é uma doença imunologicamente mediada ou uma doença autoimune. Eu penso que isso, neste momento, é secundário.
Pode aparecer associada a determinadas comorbilidades, como a diabetes, a doença inflamatória crónica do intestino, as doenças coronárias, as doenças do foro psiquiátrico, como a ansiedade, a depressão, a alexitimia, a hiperlipidemia. Aliás, há um aumento da resistência à insulina, e daí às vezes aparecer diabetes, e essa diabetes, associada ao aumento do colesterol, dos triglicerídeos, do perímetro abdominal e da gordura visceral, constitui aquilo que nós designamos por síndrome metabólico.
HN- Como é que esta doença se manifesta?
LL- Esta doença pode-se manifestar de várias formas. Pode-se manifestar exclusivamente na pele, e as lesões da pele, na maior parte dos casos, são perfeitamente identificáveis; se bem que às vezes há formas de psoríase que são difíceis de diagnosticar e é preciso recorrer a uma biópsia. Mas habitualmente as lesões na psoríase em placas, que é a mais comum, são típicas. Trinta por cento desses doentes podem desenvolver queixas articulares, e há doentes que só têm queixas articulares e só mais tarde manifestam as lesões cutâneas.
HN- Que tipos de psoríase existem?
LL- Seria mais correto falar das psoríases, e não na psoríase. A mais comum é a psoríase em placas, constituídas por uma base eritematosa, tem uma escama branca nacarada aderente a essa base eritematosa e que se localiza preferencialmente no couro cabeludo, nos cotovelos e nos braços. Isto é a forma clássica. Mas há outras. Há uma forma palmoplantar, pode haver a pustulose plantar, que se discute se é uma forma de psoríase ou não, pode haver a psoríase inversa, isto é, as lesões aparecem só localizadas, por exemplo, nas pregas, como as axilas, as virilhas, os genitais externos.
Portanto, há várias formas de apresentação, e é bom que os dermatologistas, os médicos de medicina geral e familiar e outros estejam familiarizados com isso. Depois, há formas graves, que são as eritrodermias, em que o doente está vermelho de alto a baixo. E há uma situação mais rara, que é a acrodermatite contínua de Hallopeau, em que as extremidades dos dedos podem-se ir desfazendo. Há formas de psoríase ungueal também – as unhas podem ser atacadas pela psoríase. Tudo isto é um complexo vasto.
HN- É facilmente diagnosticada?
LL- Na maior parte dos casos é de fácil diagnóstico, mas há casos de diagnóstico difícil, até porque há, por exemplo, formas de psoríase que, porque as pessoas coçaram, estão eczematizadas – tem um eczema em cima da psoríase -, e nós só vemos o eczema. Muitas vezes fazemos uma biópsia e vem só o eczema.
HN- Qual a importância do diagnóstico precoce?
LL- A importância tem várias vertentes. Primeiro, porque há formas de psoríase que embora não muito extensas podem ser altamente debilitantes e ter um impacto psicológico na qualidade de vida das pessoas. Suponha um indivíduo que serve às mesas e tem uma psoríase confinada às mãos. Imagine o impacto psicológico que isto tem. Ou formas de psoríase localizadas, por exemplo, só nos genitais. Já pensou na importância que isso pode ter? Portanto, o diagnóstico precoce é fundamental. Depois, se houver componente articular, ainda mais importante, porque começando o tratamento cedo evitamos as deformações das articulações. E, também, conseguimos evitar as complicações da psoríase se começarmos com um diagnóstico precoce.
Mas o impacto na qualidade de vida é uma coisa a ter sempre em mente. Os doentes podem ter depressão, essa depressão pode levar a ausências laborais ou a conflitos nos locais de emprego, a baixas prolongadas, a conflitos familiares, a crianças sem aproveitamento escolar porque ouvem os pais a discutir e o ambiente familiar está completamente deteriorado, a divórcios… Veja o que isto significa para a família, em termos de impacto psicológico, e para a sociedade, em termos de impacto social.
É muito importante que se fale nisto. Uma coisa que parece simples pode ter um grande impacto pessoal, familiar e social.
HN- Fala-se o suficiente deste problema?
LL- Não, ainda se fala muito pouco. E os meios de comunicação social têm grande responsabilidade nisso. Quando me convidam para ir à televisão, eu falo três minutos de psoríase, porque foi o dia das doenças autoimunes ou o dia da psoríase, e a seguir fala-se 20 minutos de futebol. Assim não vamos a lado nenhum.
HN- Quais os tratamentos atualmente disponíveis?
LL- Nós temos muitos tratamentos disponíveis: os tratamentos tópicos, tratamentos com comprimidos, imunomoduladores e imunossupressores, e temos a fototerapia. Mas a fototerapia só trata a pele e os outros têm efeitos secundários importantes, por isso é que surgiram os biológicos e atualmente estamos na era dos biológicos. Os biológicos são os medicamentos mais seguros e eficazes. Se bem que sejam caros à saída da farmácia, são os mais baratos dada a sua eficácia e não têm efeitos secundários. Portanto, dão uma qualidade de vida às pessoas inacreditável.
HN- Existem tipos de psoríase mais difíceis de tratar?
LL- Existem tipos de psoríase mais difíceis de tratar. As formas palmoplantares são as mais difíceis de tratar. E se nós com os biológicos podemos dizer que temos uma eficácia de 95 a 98%, nas psoríases palmoplantares a eficácia pode andar nos 50%. As palmoplantares são muito difíceis, mas pode haver uma melhoria parcial que melhora também a qualidade de vida das pessoas. Tenho doentes que chegam aqui e não conseguem andar; depois, mesmo que aquilo não esteja completamente limpo, já se deslocam perfeitamente e conseguem ir à praia. Os biológicos foram uma revolução, são seguros e eficazes e atuam a nível sistémico, não só na pele, o que é muito importante sendo que isto é uma doença sistémica.
HN- Quais as consequências do tratamento tardio ou desadequado da psoríase?
LL- Tratamento inadequado pode dar toxicidade e alterações importantes a nível psiquiátrico, familiar e social. Os tratamentos inadequados são um prejuízo e uma coisa a evitar a todo o custo.
HN- Quais os maiores desafios a nível terapêutico e as perspetivas futuras?
LL- Neste momento, como médico e dermatologista, com o que tenho, sinto-me perfeitamente feliz, e os meus doentes estão perfeitamente felizes. Eu não preciso de mais nada. Pode ser que apareçam biológicos que sejam mais eficazes na psoríase palmoplantar. Eu já não falo em biológicos que não tenham efeitos secundários, porque eles não têm. Se nós formos ver bem, quando há qualquer coisa, não foi o biológico que causou, de maneira que os biológicos são seguríssimos. No futuro, vão aparecer biológicos ainda mais perfeitos que estes? Talvez, mas é difícil, porque já atingimos uma grande eficácia e só em determinadas situações é que estamos mais limitados. Outra situação é poderem aparecer biológicos que não sejam injetáveis. Vai ser muito difícil, mas em medicina nada é impossível.
Entrevista de Rita Antunes
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