Para o ex-Secretário de Estado da Saúde do XX Governo Constitucional, o SNS não está em colapso, como muitos afirmam. Está, isso sim, a necessitar urgentemente de uma intervenção séria e profunda; de uma reforma estrutural e aponta três áreas de intervenção urgente: acesso aos serviços de urgências e aos CSP; listas de espera para intervenção cirúrgica; condições de trabalho dos profissionais de saúde, nomeadamente no caso da profissão médica. E destaca os médicos porque, diz, “o papel do médico, por força da preparação técnica e científica que tem, é necessariamente o de liderar todos os processos em saúde, e o médico tem que estar preparado para isso e ter o estatuto correspondente. Relativamente à recente polémica envolvendo uma norma da DGS delegando nos enfermeiros competências para a realização de partos ectópicos de baixo risco, diz que “ houve uma manipulação desonesta por parte de quem esteve na DGS naquela comissão porque os médicos indicados pelo colégio de especialidade da Ordem informaram a Ordem que fizeram um conjunto de afirmações e oposições a alguns pontos daquele documento que nem sequer foram tidos em conta e o documento foi depois publicado sem ter sido dado prévio conhecimento à Ordem dos Médicos”

HealthNews (HN) – Afirmou, em janeiro, que a condição da profissão médica atingiu os limites mínimos do aceitável. Muitas outras pessoas do setor dizem que o SNS entrou em colapso. Quais são os principais problemas que, neste momento, deteta em termos de Serviço Nacional de Saúde?

Eurico Castro Alves (ECA) – O Serviço Nacional de Saúde atravessa momentos muito difíceis, sem dúvida nenhuma; precisa urgentemente de uma intervenção séria e profunda, de uma reforma estrutural; mas não está em colapso, porque todos os dias há milhões de gestos médicos que são realizados, milhares de pessoas que são atendidas com sucesso; e comparado com muitos outros países do mundo, a nossa realidade é muito boa – estamos no grupo dos melhores. Dito isto, há um conjunto muito grande de problemas graves e muito sérios que têm que ser tratados. Feito este primeiro disclaimer deixe-me dizer-lhe que há três ou quatro situações muito preocupantes e que eu posso dividir em grandes capítulos. Em relação ao acesso, há problemas por resolver em Portugal. O acesso ao serviço de urgência não está bem organizado, nem é seguro, nem corresponde às necessidades dos portugueses – é preciso, aí, uma reforma estrutural. O acesso aos cuidados de saúde em geral, principalmente no caso das doenças de maior complexidade, em que são precisas terapêuticas complexas, internamentos, intervenções cirúrgicas, etc., muitas vezes também está comprometido. Os últimos dados mostram que tem havido uma subida das listas de espera para intervenção cirúrgica, portanto é uma outra área onde é preciso intervir. Uma outra área onde também é preciso intervir fortemente é nas condições de trabalho dos profissionais de saúde, nomeadamente no caso da profissão médica. Eu queria lembrar (as pessoas às vezes parece que se esquecem disso) que um médico é um profissional altamente diferenciado e altamente preparado para aquilo que faz. Para fazer aquilo que faz bem, para desempenhar bem a sua especialidade, um médico demora 14 anos, em média, a preparar-se. O Estado investe 14 anos na vida de um cidadão para ele poder desempenhar a função e o papel de médico. Depois de ter feito todo este investimento, tem que lhe dar as condições necessárias: uma boa organização hospitalar, uma referenciação de doentes devidamente organizada e inteligente, de maneira a não se duplicarem recursos; haver registos eletrónicos dos processos clínicos dos doentes de forma a haver um acesso fácil. Não podemos andar 14 anos a investir tecnicamente num cidadão, fazer dele médico, para fazer diagnósticos, terapêuticas, cirurgias, e depois pegar na vida útil desse médico e pô-lo a fazer trabalho administrativo ou sentá-lo num computador a meter dados.

HN – Dentro deste grupo de problemas de que falou, temos a questão da profissão médica e da necessidade urgente de uma reformulação das carreiras médicas. Quais são os pontos essenciais da mudança que preconiza?

ECA – As carreiras médicas não são revistas há mais de 20 anos. E as instituições e as próprias pessoas têm que ir mudando porque todos os dias a realidade do mundo é diferente. Portanto, a carreira médica não acompanha as necessidades que temos hoje. As diversificações são maiores, há muito mais profissões na saúde, que são úteis e que fazem parte de todo este processo, há um ecossistema na saúde em que muitas novas profissões surgiram e que fazem um trabalho importante, e portanto a profissão médica tem que se adaptar a esta nova realidade e tem que ter uma carreira compatível com aquilo que é o papel do médico no universo da saúde. O papel do médico, por força da preparação técnica e científica que tem, é necessariamente o de liderar todos os processos em saúde e tem que estar preparado para isso e ter estatuto para isso. E portanto, desde logo, a carreira tem que ser revista tendo em conta estes parâmetros. Claro que competirá aos sindicatos negociar com o governo e arranjar as melhores soluções. Portanto, é crucial e é estratégico a revisão da carreira médica num curto prazo.

HN – Fala-se muito da universalização do modelo B a todas as áreas, em que a remuneração fosse sensível aos resultados. Essa seria uma aposta?

ECA – Não sou assim tão radical. Devemos estudar os casos um a um e o contexto geográfico em que se encontram inseridos. Só porque uma solução funciona bem em determinado tempo e local não podemos achar que ela agora vai, generalizadamente, funcionar bem em todo o lado. O princípio lógico dos modelos B das USF tem resultado bem, tem dado bons resultados e acho que é de alargar; mas é de alargar progressivamente, caso a caso. E caso a caso, não é o caso de um centro de saúde. É, por exemplo, uma região ou um conjunto de centros de saúde. Mas devemos fazer esse alargamento. É mais importante olharmos para o sistema no seu todo, ou seja, não o caso dos centros de saúde propriamente ditos, mas o caso dos cuidados de saúde primários (CSP). Os CSP têm que ser alvo de muita atenção e alvo, até, de alguma reestruturação, porque é aí que tudo começa e se calhar onde tudo acaba. A porta de entrada do cidadão no sistema de saúde tem que ser, assim que nasce, ser-lhe atribuído um médico de família. E o médico de família gere a vida daquele cidadão. De vez em quando é cliente dos hospitais, ou seja, o médico de família envia aquele cidadão para fazer um determinado tratamento após o qual regressa aos cuidados do médico de família, que faz a gestão de toda a vida clínica. E essa gestão já não é só cuidar como em tempos foi, tratar só o problema de saúde que entretanto surgiu. Essa gestão é educação, é prevenção da doença, são as vacinações, é educação para os comportamentos de risco…. Temos que ver cada vez mais os serviços de saúde nesta lógica: é um acompanhamento do cidadão desde que ele nasce até ao fim da sua vida, na multidisciplinaridade que existe de especialidades e dos cuidados que ele vai precisar e de alguém que é o gestor de todo esse processo, que é o médico de família. Os cuidados primários são essenciais e estratégicos.

HN- Há quem defenda que deve existir uma ligação entre os cuidados primários e os cuidados secundários de tal modo que o internamento não passe pela urgência, mas por uma decisão planeada entre os médicos dos cuidados primários e os especialistas hospitalares.

ECA- Isso já acontece. O doente quando tem um diagnóstico que não corresponde a uma situação urgente é encaminhado para uma consulta do hospital. Nessa consulta, o doente é avaliado, e é confirmado – ou não – o diagnóstico. Imagine, o doente tem um cancro do estômago, uma consulta de cirurgia que confirma o diagnóstico e interna o doente no hospital, e quando o doente é operado, tratado e é considerado apto para regressar à sua vida normal, tem alta do hospital com uma carta para o médico de família para que este possa continuar o acompanhamento do doente. Isto é o que já tem acontecido. Por vezes este sistema é “furado” por termos uma quantidade muito grande de pessoas que não têm médico de família, e a tendência é a de que quando surge pela primeira vez um sintoma ou algo inesperado na pessoa, ela acorra aonde o acesso lhe é mais fácil – que normalmente é o serviço de urgência.

HN- Às vezes é o único recurso que tem porque os centros de saúde não têm todos horários prolongados.

ECA- Eu não critico as pessoas por irem ao serviço de urgência, porque é o único acesso que têm, e o cidadão normal, não sendo médico, se lhe aparecer uma dorzinha, por pouco importante que seja para nós médicos, para ele é a dor dele e ele não sabe o que é. Portanto, é a única porta de entrada que tem. E esse é que é o problema que nós temos que resolver. Temos que arranjar uma porta de entrada para os cidadãos. É a tal história de todos terem o seu médico de família. É aí que tudo começa. O serviço de urgência, em bom rigor, só devia receber doentes, ou de maca, por situações agudas, tipo traumatologias, etc., que surgiram naquele momento, ou com um documento de referenciação emitido pelo médico de família que avaliou o doente numa primeira fase. Há um longo caminho a percorrer; uma grande organização para reformular, reestruturar. O próprio serviço de urgência não está a funcionar como deveria, porque também tem que ser reestruturado e reformulado. Mas do ponto de vista do cidadão acho que o grande progresso que nós temos que fazer é dar-lhe uma porta de acesso para as situações que ele considera urgentes, e muitas vezes podem não ser, e essa porta de acesso não é um serviço de urgência de um hospital. Tem que ser no âmbito dos cuidados de saúde primários, e depois sim, numa segunda fase, encaminhar o doente quando a situação tem indicação para ser tratada em serviço de urgência.

HN- Vivemos neste momento um processo de reforma iniciado com a criação da Direção Executiva do Serviço Nacional de Saúde, em que, aparentemente, a aposta vai para a universalização das ULS. Não existem estudos que demonstrem as vantagens da ULS. Eu li estudos que mostram o contrário, que o modelo ULS é menos vantajoso. No entanto, estamos a seguir por este caminho. Como é que se explica isto?

ECA- Em primeiro lugar, deixe-me dizer-lhe que eu sou um adepto da Direção Executiva do Serviço Nacional de Saúde (DE-SNS). Acho que tem que haver uma DE muito preocupada com o dia-a-dia da gestão do SNS e o ministro tem que estar liberto para tratar das questões de fundo de todo o sistema de saúde. Dito isto, também sou um adepto dos modelos das ULS. De facto, dizem que não há e eu também não conheço evidência científica gerada nos últimos anos que nos diga que a ULS é o modelo a desenvolver. Mas tenho uma intuição de que este modelo pode funcionar bem. Se me diz que se deve aplicar a todos os hospitais de um dia para o outro em todo o país, bom…. Tenho dúvidas de que isso possa ser feito dessa maneira e resultar. E parece-me a mim que o facto de não haver muita evidência relativamente às mais-valias das ULS deve-se também a dois fatores: há muito poucas ULS e há muito poucos estudos, ou praticamente não há estudos. Também não há evidências fortes de que aquilo não funciona ou que é altamente prejudicial ao sistema ou aos cidadãos. Portanto, desde logo, gostava que tivéssemos mais estudos para nos ajudar a fundamentar decisões no futuro. Eu próprio ando a incentivar os meus amigos da universidade para se dedicarem mais a fundo e para nos fazerem perceber se o conceito de ULS é bom ou é mau e que nos deem mais evidência. Às vezes o conceito pode ser bom e a sua implementação não ter sido feita da melhor maneira. Não vamos queimar um conceito que é generoso, que tem bondade no início e que só porque foi mal implementado ou mal dirigido não correu bem.

HN- A perceção que se tem é que o diretor executivo é um CEO, o que não é de todo verdade. Se o diretor executivo quiser recriar numa ULS as condições de uma PPP, não o consegue fazer, porque está dependente das Finanças e dos Serviços Partilhados do Ministério da Saúde. Como é que um diretor executivo pode trabalhar não tendo as ferramentas necessárias à gestão?

ECA – É uma grande questão. É evidente que, por maior que seja a boa vontade das pessoas que desempenham essas funções; por maior que sejam as suas capacidades, elas têm aqui um desafio que provavelmente pode vir a trazer algum transtorno na concretização dos seus projetos, porque, de facto, há um condicionalismo e um constrangimento evidente que vem do Ministério das Finanças e por vezes das próprias orientações do Governo. Não é o caso deste governo, mas o governo antes deste estava refém de partidos de extrema-esquerda. Por estar refém desses partidos, teve que ceder em questões profundamente ideológicas e que foram totalmente contra os interesses dos cidadãos.

HN – É o caso das PPP, por exemplo.

ECA – É o caso concreto das Parcerias Público/Privadas, cujo fim fez com que os hospitais envolvidos passassem a custar muito mais dinheiro ao Estado, tendo a qualidade baixado drasticamente. As pessoas passaram a ter piores serviços, pior acesso, pior qualidade, pior segurança, e o Estado passou a pagar muito mais. Isto é um erro fatal para o sistema de saúde, e no entanto o governo anterior teve que o fazer por causa do tal constrangimento que o mantinha refém de partidos da extrema-esquerda.

HN- Mas neste momento estamos sob a ideologia de um ministro que vem também dessa tal extrema-esquerda.

ECA- Eu não valorizaria isso porque o ministro vem da extrema-esquerda nos anos da sua juventude. Todos nós temos a nossa época mais romântica e isso é comum a muitos outros de todos os partidos. E este ministro tem dado provas muito concretas e constantes, nos últimos anos, de ser alguém que conhece muito bem o setor e tem tido posições muito ponderadas e muito assertivas. Se ele não estiver refém de acordos que os partidos têm que fazer entre si e se não estiver refém de constrangimentos financeiros, que eu acho que é o grande problema agora – dos Ministérios das Finanças e sobretudo dos burocratas do aparelho que às vezes causam maiores constrangimentos do que a própria política do Ministério das Finanças. Esses é que podem ser os verdadeiros constrangimentos. Sob o ponto de vista ideológico acho que o atual ministro da saúde é uma pessoa com a cabeça bem “enxuta”, muito bem preparada, conhecedor do sistema em profundidade e tem dado provas muito concretas disso mesmo, de decisões muito bem ponderadas e assertivas. Portanto, as condições para acontecerem coisas boas no Ministério da Saúde estão aí. Resta-nos esperar para ver se temos os habituais constrangimentos burocráticos e das finanças.

HN- Aqui há dias, numa entrevista ao nosso jornal, um ex-ministro da saúde garantiu que as PPP vão regressar.

ECA- Considero isso uma inevitabilidade, porque os governos sabem que têm a obrigação de ir ao encontro das necessidades dos cidadãos, e este Serviço Nacional de Saúde só vai vingar e só pode aguentar-se se nós voltarmos ao princípio.

As PPP são uma forma racional e inteligente de usar os recursos a favor dos cidadãos, porque o privado acaba por conseguir gerir de uma forma muito mais eficiente do que o setor público num conjunto de matérias. Há outras em que o setor público faz todo o sentido e não deve deixar cair essa função enquanto prestador, mas há áreas em que a eficiência é muito maior no privado ou no social, ou, se quiser, no não público. A inteligência está em saber “dar a César o que é de Cesar”. Onde a coisa funcionar melhor é onde nós temos que estar. Se funciona melhor com o público, apostamos no público; naquelas áreas em que funciona melhor o não público, apostamos no não público. Daí eu dizer que, em função dos resultados que se conhecem das PPP, elas são uma inevitabilidade, ou então o país vai andar para trás e o sistema vai, sim entrar em falência.

HN – Centremo-nos na Ordem dos Médicos. Gerou polémica nos últimos dias a Ordem ter pedido que fosse cancelada a norma da DGS relativamente à delegação de competências nos partos de baixo risco para os enfermeiros. Nós publicámos a notícia, como é óbvio, e recebemos uma chuva de comentários de enfermeiros que afirmam que é assim há muitos anos. O que é que se passa? Trata-se apenas de uma questão corporativa?

ECA- Não é uma questão corporativa. Temos que ser sérios. Quando eu lhe dizia há pouco que um médico demora 14 anos a preparar-se… Nós em 14 anos formamos pessoas com competências técnicas e científicas diferentes daquelas que demoram 3 anos a preparar. Necessariamente é diferente, o treino, a aprendizagem, etc. São todos muito úteis, cada um tem o seu trabalho. Agora, o enfermeiro não pode fazer o trabalho do médico, assim como o médico não deve fazer o trabalho do enfermeiro. São todos muito importantes, cada um no seu setor. Porque se o enfermeiro quiser fazer o trabalho do médico, temos que arranjar alguém para fazer o trabalho do enfermeiro. Dito isto, o que acontece por esse país fora é que tem havido uma excelente cooperação entre médicos e enfermeiros, e acredito que vai continuar a ser assim. O que aconteceu agora não foi mais do que pequenas “guerras de Alecrim e Manjerona” que não interessam a ninguém. Penso que houve uma manipulação desonesta por parte de quem esteve na DGS naquela comissão porque os médicos indicados pelo colégio de especialidade da Ordem informaram a Ordem que fizeram um conjunto de afirmações e oposições a alguns pontos daquele documento que nem sequer foram tidos em conta e o documento foi depois publicado sem ter sido dado prévio conhecimento à Ordem dos Médicos. Portanto, não foi bonito aquilo que foi feito e importa que seja corrigido. Mas mais importante ainda é criar cooperação entre médicos e enfermeiros, em que cada um faz o seu trabalho. O papel do enfermeiro na Obstetrícia é indispensável. Não é seguro e não é correto que o enfermeiro não esteja presente. Tem que estar presente. Mas o médico tem que ser o supervisor. Isso acontece há anos com a tutela e a supervisão do médico, que tem uma preparação técnica e científica diferente da do enfermeiro, que por sua vez também tem prática e experiência muito importantes para desempenhar um conjunto de papéis nesse mesmo trabalho que são próprios do enfermeiro, que o médico provavelmente não tem à vontade para fazer, nem prática. Cada um tem que fazer aquilo que sabe bem e que foi preparado para fazer. Nenhum deve fazer o trabalho do outro. E se a supervisão deve ser do médico não é por nenhuma questão de poder, é por uma questão técnica, porque o médico sabe quando é que há potenciais complicações, porque foi preparado para isso. É uma questão meramente técnica. Não há aqui jogos de poder. Há quem queira transformar isto em guerras de “poderzinhos”, mas estamos a falar de questões meramente técnicas. E como sempre, acabará por acontecer o mais razoável, portanto penso que esse documento “não tem pernas para andar” nem grande futuro. O que tem futuro é uma boa cooperação profissional e institucional na equipa de saúde que é multidisciplinar. E não é só o enfermeiro e o médico: nós temos os auxiliares de ação médica, e há todo um conjunto de novas profissões que vieram para a saúde e que são importantes e hoje tornaram-se imprescindíveis. Se um deixa de querer fazer o seu trabalho para fazer o trabalho do outro, abre ali um gap, e temos que arranjar alguém para fazer aquele trabalho.

HN- Para terminar, gostaria de abordar um outro tema próximo de si. Aparentemente, nos últimos dias, embora não dito expressamente, mas numa afirmação que faz depreender obviamente isso, o SINAS foi suspenso à espera de qualquer coisa e nós ficámos sem avaliação de 2021, por exemplo. Como é que se explica uma coisa destas? Isto tem a ver com o RADIS?

ECA – Em bom rigor não consigo arranjar uma explicação racional e inteligente para isto. Agora, convém também ser justo: esta decisão foi tomada pela anterior direção da Entidade Reguladora da Saúde, que tinha um conjunto de pessoas que não eram do setor, portanto, a saúde não era a sua zona de conforto. O que se disse na altura é que se fechava aquele sistema de avaliação porque se ia criar um sistema global de supervisão do risco, conceitos de economia que eu acredito que sejam importantes. Mas o setor da saúde é um setor social muito importante, e o SINAS era uma ferramenta que estava a evoluir cada vez mais, informando as pessoas, por exemplo, se um dado hospital era seguro ou não; se aquele tratamento ou aquela cirurgia que ia fazer eram seguros e se tinham a qualidade que era expectável. Isso por si só representava um fator de melhoria, porque os hospitais, sabendo que estavam a ser avaliados, procuravam seguir no sentido de melhorar a sua performance todos os dias, porque sabiam que dali a um mês ou dois haveria um resultado, que era muito objetivo e muito rigoroso, e que mostrava a verdadeira realidade daquele hospital; se eles estavam ou não a operar bem. Ou seja, era uma ferramenta extremamente útil para as administrações, para os hospitais e, sobretudo, para os cidadãos. Interromperam o sistema dizendo que iam criar um modelo global de supervisão do risco, etc., e, portanto, estamos à espera. Seriedade era anunciar que oportunamente iam fazer um novo modelo, mas deixavam estar aquele em vigor até o substituir por um que se demonstrasse que fosse melhor. O RADIS fui eu também que o criei, com um grupo de jovens técnicos. Criámos outro mecanismo, não tanto com o objetivo de avaliar a qualidade da prestação dos prestadores dos cuidados de saúde, mas para avaliar a qualidade do sistema. Ou seja, uma vertente mais política, que também é importante, porque deste modo vamos conseguir fazer o retrato da saúde uma ou duas vezes por ano e mostrar como é que as coisas evoluíram em números.

HN- Uma nota final…

ECA- A nota final, como tem sido meu apanágio, é sobretudo de otimismo e de esperança. As coisas estão muito mal e precisam de uma grande intervenção, mas acredito muito nesta característica dos portugueses de saberem improvisar e ultrapassar as dificuldades. Sei que com todas estas vicissitudes vamos acabar por ter um Serviço Nacional de Saúde ainda melhor do que o que temos. Melhor dizendo, um sistema nacional de saúde. Porque o segredo, a chave, o clique para nós podermos dar um melhor serviço de saúde aos portugueses é termos a inteligência de usar os recursos todos que temos disponíveis, do setor público, do setor privado e do setor social, sendo que o Estado tem que, necessariamente, investir mais dinheiro, mas tem que o fazer de uma forma inteligente e racional.