Com o aumento da complexidade verificada ao nível da prestação de cuidados de saúde, novos desafios se colocam aos serviços e aos seus profissionais para conseguirem garantir a segurança e a qualidade dos cuidados prestados (Mansoa et al., 2011). Nos últimos anos, esta tem sido, aliás, uma preocupação e uma das prioridades para as grandes entidades de referência na área da saúde.

A Organização Mundial da Saúde (2020, p.13) define cuidados de alta qualidade como “cuidados que são seguros, eficazes, centrados nas pessoas, oportunos, eficientes, equitativos e integrados”. Através desta definição, é possível compreender a importância que a segurança assume para a qualidade, uma vez que são considerados dois elos indissociáveis. Também a nível interno, o Ministério da Saúde, através do Despacho n.º 5613/2015 (p.13551), reforça esta premissa ao considerar que “a qualidade, intimamente ligada à segurança dos cuidados, é uma garantia de sustentabilidade do Serviço Nacional de Saúde e do sistema de saúde Português”.

No entanto, e apesar de todos os esforços encetados, da publicação de normativas e de planos de referência para esta área em questão, continuamos, todos nós, a identificar graves lacunas e fragilidades quando transferimos o que está emanado na teoria para a prática.

Enquanto enfermeiro, e na qualidade de mestrando de um curso na área de especialização à pessoa em situação crítica, tive a oportunidade de estagiar, recentemente, num serviço de urgência da área de Lisboa. Como bem sabemos, estes serviços são frequentemente alvo de notícia e de escrutínio público, principalmente nesta altura do ano, onde são expostos muitos dos seus problemas devido à sua sobrelotação.

Perante o confronto com a realidade existente num serviço de urgência, saliento a existência do caos e a capacidade que a equipa de enfermagem tem para se organizar e trabalhar num ambiente que não é o ideal em termos de espaço físico e de recursos materiais e humanos, com o sentido de dar resposta às necessidades de centenas de pessoas que, diariamente, procuram acesso a este tipo de cuidados de saúde. No entanto, e apesar da sua bravura, existe sempre espaço para melhorar.

Face à necessidade crescente de recursos humanos no Serviço Nacional de Saúde, nos últimos anos, temos assistido à contratação de profissionais recém-licenciados para trabalhar no departamento de urgência e emergência. Não querendo logicamente minimizar ninguém, estes profissionais vêm, muitas vezes, desprovidos de conhecimento e de competências necessárias para exercer a sua atividade nesta área onde, frequentemente, têm de dar resposta à complexidade de cuidados que se encontra inerente à condição de saúde da pessoa em situação crítica. Conforme nos refere Benner (2001), um enfermeiro com pouco tempo de experiência profissional estará menos capacitado para dar uma resposta adequada neste tipo de contexto, não revelando a prontidão e a antecipação necessárias por forma a atuar no sentido de minimizar potenciais danos para o doente, uma vez que as aprendizagens adquiridas em contexto académico não são suficientes para o efeito, sendo necessária também a aquisição de experiência através da vivência de situações reais.

Ainda neste âmbito, no que concerne à constituição das equipas em contexto de serviço de urgência, a Ordem dos Enfermeiros (2019), através da publicação do Regulamento n.º 743/2019, recomenda que pelo menos metade dos enfermeiros sejam, preferencialmente, enfermeiros especialistas em enfermagem médico-cirúrgica, na vertente da pessoa em situação crítica. A carência de profissionais diferenciados ou dotados para assumir a prestação de cuidados pode constituir um fator de risco para a segurança da pessoa, ameaçando a qualidade dos cuidados de saúde.

Uma estratégia para mitigar esta fragilidade seria o devido acompanhamento por parte dos elementos diferenciados do serviço de urgência aos colegas mais novos, por forma a dar-lhes mais segurança e a auxiliá-los no processo de crescimento pessoal e profissional. No entanto, para que este acompanhamento possa ser proveitoso deverá ser complementado com um incentivo à formação profissional, havendo por isso necessidade de proatividade e empenho por parte desses profissionais. O Plano Nacional para a Segurança dos Doentes 2021-2026 reforça esta condição, alertando para a importância da promoção da cultura de segurança através da formação profissional numa perspetiva de melhoria contínua da qualidade (Ministério da Saúde, 2021).

Para além da complexidade dos cuidados que se prestam em contexto de urgência, os profissionais encontram-se, frequentemente, sobrecarregados com o aumento dos rácios estipulados. Este aumento, causado não só pela elevada procura de cuidados, mas também, por as equipas se encontrarem desfalcadas e pela frequente inexistência de vagas noutros serviços que permitam transferir as pessoas que necessitam de cuidados especializados, obriga a que um enfermeiro tenha à sua responsabilidade, o dobro ou o triplo dos doentes que seria desejável, muitas vezes, com a agravante de se tratar de doentes que exigem uma elevada complexidade de cuidados.

Cabe-nos a nós por isso, tentar mudar o rumo dos acontecimentos e a visão que se encontra enraizada no atual contexto da saúde em Portugal, que quer queiramos quer não, tem vindo a evoluir e a modernizar-se, com consequente aumento da complexidade de trabalho para os profissionais que exercem a profissão. No entanto, não conseguiremos fazê-lo sozinhos, sendo necessário encetar esforços, que muitas vezes, terão de partir de instâncias superiores, exigindo mudanças a nível organizacional e institucional.

REFERÊNCIAS

Benner, P. (2001). De Iniciado a Perito: Excelência e Poder na Prática Clínica de Enfermagem. Coimbra: Quarteto Editora.

Despacho n.º 5613/2015 (2015). Aprova a Estratégia Nacional para a Qualidade na Saúde 2015- 2020, que consta do anexo ao presente despacho. Ministério da Saúde – Gabinete do Secretário de Estado Adjunto do Ministro da Saúde. Diário da República, II Série (N.º 102 de 27- 05.2015), 13550-13553. Acessível em: https://files.dre.pt/2s/2015/05/102000000/1355013553.pdf

Despacho n.º 9390/2021 (2021). Aprova o Plano Nacional para a Segurança dos Doentes 2021- 2026. Ministério da Saúde – Gabinete do Secretário de Estado Adjunto e da Saúde. Diário da República, II Série (N.º 187 de 24-09-2021), 96 – 103. Acedido em: https://files.dre.pt/2s/2021/09/187000000/0009600103.pdf

Mansoa, A; Vieira, C. P.; Ferrinho, P.; Nogueira, P. & Varandas, L. (2011). Eventos adversos na prestação de cuidados hospitalares em Portugal no ano de 2008. Revista Portuguesa de Saúde Pública, 29 (2), 116-122. DOI: 10.1016/S0870-9025(11)70015-3

Organização Mundial da Saúde (2020). Manual de políticas e estratégias para a qualidade dos cuidados de saúde: uma abordagem prática para formular políticas e estratégias destinadas a melhorar a qualidade dos cuidados de saúde. Genebra: Organização Mundial da Saúde.

Regulamento n.º 743/2019 (2019). Regulamento da Norma para Cálculo de Dotações Seguras dos Cuidados de Enfermagem, Diário da República, II Série (N.º 184 de 25-09-2019), 128- 155. Acedido em: https://files.dre.pt/2s/2019/09/184000000/0012800155.pdf