Em março de 2020, devido à necessidade de rastrear contatos para controlar a pandemia Covid-19, foram criados os Gabinetes Regionais de Intervenção para a Supressão da Covid-19. Na região de Lisboa, esta equipa foi constituída por 130 profissionais, desde psicólogos, nutricionistas, enfermeiros, fisioterapeutas, farmacêuticos ou licenciados em ciências da saúde. Fizeram um trabalho extraordinário, abdicaram de folgas e férias, tendo efetuado um trabalho que em muito excedeu as tarefas para as quais foram inicialmente contratados.
Qual foi o reconhecimento? Na manhã de 26 de dezembro, os 90 trabalhadores que estavam em funções na ARS receberam, de forma inesperada, um e-mail a anunciar a rescisão de contrato. Qual prenda de Natal, o reconhecimento pelo esforço e dedicação desta equipa, foi um despedimento coletivo via e-mail.
Após quase três anos de trabalho e de serviço público, com várias promessas feitas que não seriam despedidos, que há necessidades permanentes que necessitam desta força de trabalho experiente e qualificada, para tudo terminar desta injusta forma.
Num contexto de crescente crise económica, e onde as necessidades em saúde caminham no mesmo sentido, é incompreensível esta atitude natalícia. A formalidade da ARS foi exemplarmente cumprida, foi tudo feito dentro da legalidade, mas a moralidade e a justiça ficam muito aquém dos mínimos exigidos ao serviço público. Não se apelida um grupo de pessoas de trabalhadores essenciais, apenas para serem descartados e despedidos durante o Natal.
Sabendo que este grupo é composto por profissionais qualificados, que cuja carência nos quadros da ARS é mais que reconhecida, tanto na vertente da prestação de cuidados como para a sua organização, estes trabalhadores poderiam desenvolver a sua prática nos cuidados de saúde primários. Precisamos de melhorar a cobertura de programas de saúde escolar, com reforço das componentes de nutrição, saúde oral e visual, ao mesmo tempo que se despedem profissionais nestas áreas. Há necessidade de melhorar a articulação entre diferentes instituições e as unidades de cuidados continuados, como explicar o fim de funções de quem passou os últimos três anos precisamente a melhorar estes processos?
A boa gestão do SNS, a sua renovação e crescimento também se faz por estas decisões, e pelo exemplo que dá ao setor. O custo de recrutar e formar novos elementos, especialmente quando existe escassez de mão de obra, é muito superior ao custo de manter os trabalhadores e envolvê-los noutros projetos onde são necessários.
Infelizmente, esta forma de tratar os profissionais de saúde não é novidade. Ainda esta semana soubemos que há enfermeiros há anos sem avaliações de desempenho nos estabelecimentos prisionais, e onde se utilizam avenças como forma de fugir às necessárias contrações de novos elementos. E não nos faltam exemplos de profissionais que saem do SNS, não apenas por questões remuneratórias, mas por casos de verdadeiros maus-tratos por parte das administrações ou chefias intermédias.
Precisamos de trabalhadores de saúde para garantir o acesso aos cuidados de saúde, de forma universal e equitativa. Para reter o talento no SNS, temos de trabalhar em conjunto, não contra os profissionais. Neste texto, não escrevi uma única vez a necessidade de rever carreiras e salários. Foi uma escolha propositada. Fica realçado que para reter profissionais de saúde é preciso saber respeitá-los e ouvi-los.
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