Retratos Contados (R.C): Os Retratos Contados apresentam-se como um projeto único, diferenciador e inovador uma vez que nos focamos numa área diferente do habitual. O nosso objetivo é falar das ligações entre avós e netos, a importância dos avós na vida dos netos e vice-versa. O que acha de um projeto como este?
Roberta Medina (R.M): Acho giríssimo! Porque é uma forma de homenagear os nossos antepassados e explicar de onde vem o nosso DNA. Eu sempre que falo com a minha avó e ela me elogia eu digo ”Olha, mas eu sou fruto de você também!” Há sempre uma escadinha entre nós. Os nossos pais herdam diretamente muitas características dos pais deles, nós acabamos por herdar características dos nossos pais mas também dos nossos avós. É fácil o que é que dos avós que vem pra gente. É genético, muito mais forte que qualquer conceito.
R.C: Através do site Retratos Contados falamos também de envelhecimento ativo, do abandono dos idosos…Quando olha para o nosso país como vê a população mais velha?
R.M: Olha, acaba por ser uma população muito solitária, muito desprotegida, muito desvalorizada em muitas situações, ouve-se muito disso e de facto é muito angustiante. Se a gente pensar que exatamente quando você já conquistou tudo, quando você já viveu tudo, quando você já aprendeu e ensinou tudo você fica sozinho e abandonado é extremamente cruel. Depois de ter sido mãe fiquei mais sensível com as crianças, mas eu acho que os idosos sempre mexeram mais comigo. Os idosos sempre me sensibilizaram mais do que até as crianças, porque a criança ainda não sabe se está bom, se está ruim, ela não tem a referência, mas quem já viveu… Eu acho que é um dom envelhecer bem! E é um dom, porque certamente é muito difícil.
R.C: Comparando a realidade de Portugal com a do Brasil encontra semelhanças?
R.M: Eu não vejo no Brasil tanto esse assunto de abandono (o que não quer dizer que não exista), eu vejo mais a conversa dos idosos terem que ter atividades, de a sociedade se preparar melhor para atender aos idosos, encontro muito mais actividade do que o facto de estarem abandonados em casa. Engraçado, é uma realidade que lá não se fala tanto, mas não quer dizer que não exista. Talvez no Brasil isso também exista, mas o Brasil, é mais coletivo na sua convivência. Um amigo me chamou a atenção, eu até então não tinha dado conta disso, aqui em Portugal é difícil entrar na vida das pessoas mas uma vez que você entra, você está lá dentro. No Brasil você entra e fica e fica, é um trabalho constante, mas o brasileiro é muito coletivo, é muito dado, é muito atento ao outro, é muito aberto ao outro.
R.C: Que recordações é que a Roberta tem dos seus avós? Sei que tinha um avô que era do Porto e vivia na Rua da Cedofeita.
R.M: É verdade. Era pai da minha mãe ele faleceu eu tinha 11 anos então eu tenho pouca memória dele. A minha mãe disse que ele nunca perdeu completamente o sotaque de português, mas eu não tenho sequer essa recordação. O nome deste avô era Hernâni, mas a gente o chamava de vovô Pipoca, e nem sei porque esse nome. Os meus pais e meus avós tinham casas numa cidadezinha do interior do Rio, e a gente vivia lá os 3 meses de férias escolares. Então os pais largavam a gente lá, (a nossa casa era uma na frente da outra na mesma rua) e ai meus avós é que ficavam sempre com a gente. O Vovô Pipoca avô era muito tranquilinho.
R.C: E sobre a avó materna, da avó Célia?
R.M: Minha avó Célia era mais dura, era uma família totalmente matriarcal. Ela é que sustentou a família, meu avô ficou doente e deixou de trabalhar muito cedo, então ela mantinha a família toda. Era muito guerreira, muito trabalhadora. Trabalhou como guia turístico, trabalhou de costureira fazia vestidos de noite, entre outras coisas. Ela fazia o que fosse para poder manter a casa. Chegou a manter uma família de 9 pessoas morando juntas. Vovô Pipoca era quase hippie na atitude, muito zen, não se aborrecia com nada. Minha mãe era muito apaixonada por ele. Engraçado que com minha avó era uma relação mais gato e rato. Mas a minha história com eles era literalmente de crescer juntos. Eram eles que tomavam conta, os meus pais viajavam muito a trabalho, meu pai e minha mãe acompanhava e a gente ficava com eles sempre. Eram eles e a madrinha da minha mãe que era uma grande amiga do meu avô, desse avô e que virou minha madrinha por eleição também. Os meus padrinhos são os meus outros avós, mas avô é avô, essa coisa de botar avô de padrinho para mim não faz o menor sentido, avô é avô não é padrinho .Eu acabei adoptando ela que era uma terceira avó ali no grupo.
R.C: E dos avós paternos que recordações é que tem?
R.M: Engraçado, meu pai tem uma relação também completamente de paixão absoluta e intensa com meu avô. Meu avô foi muito empreendedor, faleceu eu tinha 17 anos.
A mãe do meu pai ainda está viva e a mãe da minha mãe faleceu com 97 anos. Lindaça, super cheia de energia, maravilhosa, espetacular.
Mas a história do meu avô, acho que é a que fica mais presente na nossa vida. Ele nasceu no Pará. A mãe dele (minha bisavó) faleceu cedo, o pai casou com outra pessoa. Uma história de filme, uma madrasta muito má prendia ele e os irmãos no porão e não deixava sequer eles comerem. Uma história toda de filme e o pai não conseguia proteger eles dessa madrasta. Ele um dia decidiu que ia embora de casa, o pai apoiou e ele foi para o Rio de Janeiro viver para um tio. Esse tio tinha uma casa de eletrodomésticos, era a” Casa Garçon” e ele começou a trabalhar com o tio e acabou virando sócio do tio, depois acabou abrindo a própria loja dele que ele chamava “Rei da Voz”. A loja Rei da Voz foi das maiores redes de electrodomésticos do Rio . Ele tinha um perfil muito empreendedor, um cara que não se formou, não estudou, mas tinha um perfil fabuloso, com personalidade muito forte, muito difícil, muito intenso, mas muito empreendedor e muito visionário.“
R.C: Que descoberta fantástica, está sobre os seu avô.
R.M: Tem uma história muito bacana que é muito icónica: Começou a chegar televisão no Brasil e ele vendia televisão na loja, ele investiu muito nas televisões e aquilo não vendia porque era um saco, não tinha programas, o meu pai diz que ficava um índio dando na televisão o dia inteiro, devia ter 2 programas, aquilo era um horror! Então, ele resolveu ver como é que fazia a televisão vender. Então o que ele foi fazer? Se juntou com uma série de produtores, abasteceu o que era necessário, porque o que havia de estruturas de televisão, das emissoras não era nada; Então ele montou todo um estúdio próprio para fazer um programa que não existia gravado. Montou um programa que foi o maior programa da televisão brasileira durante muitos anos, que eram noites de gala onde ele levava grandes artistas internacionais para cantar no programa, tinha entrevistas, era um negócio assim. Hoje era impossível fazer um programa daqueles, imagino o que foi na altura. E conclusão, ele vendeu as televisões todas. E tem também outra história dele também com geladeiras: As geladeiras eram todas brancas e em determinado momento pensou porque é que as geladeiras têm de ser brancas? E começou a mandar pintar, porque os fornecedores não pintavam as geladeiras porque não vendiam volume suficiente que justificasse pintar geladeiras, então ele mandava pintar geladeira e começou a vender geladeira colorida.
R.C: Um avô muito à frente. Qual era o nome deste seu avô?
R.M: Abraham Medina, um avô muito à frente mesmo! E ele era muito apaixonado pelo Rio de Janeiro, a nossa parte profissional vem toda daí. Era muito apaixonado pelo Rio e ele entendia que quanto mais feliz estivesse a cidade mais ele vendia, então investia em fazer os Natais, Paradas de Natal da cidade, fazia as festas, CD (Quarto Centenário) do Rio de Janeiro foi ele que fez, milhões de shows, que foram assim meses de programação. Muito empreendedor, em determinado momento começou a fazer musicais e ai tinha o sonho de levar um musical para fora já do país.
Essa coisa da paixão dele pelo Rio é uma das coisas que eu mais gosto também. Já no regime militar ele peitou muito o sistema, não concordava, ia para a televisão e falava. Em determinado momento começou a ser chamado “Seu Medina você não pode falar, você pode pensar, mas não pode falar! “ E aí ele disse: “Vou continuar falando!”. ”Se você falar a gente vai tirar o seu programa do ar!” O meu avô falou o que queria, tendo de assumir as responsabilidades pelo que estava dizendo. O Governo, fez com que tirassem o programa do ar e secaram todas as fontes de financiamento da empresa dele, ai ele quebrou. Foi tudo muito rápido, fizeram ele quebrar a uma velocidade muito rápida. Nessa fase, o meu pai com 17 anos foi ajudar para a empresa, para ajudar a ver se conseguiam estabilizar a situação.
Um dia meu pai mexendo nas contas, descobriu que mesmo o meu avô mesmo estando falido há cerca de 6 meses, ficava gastando dinheiro mandando regar o aterro do Flamengo para ficar verde. O Flamengo tem uma área de jardins muito grande, completamente apaixonado meu avô não tinha limites. Deprimiu muito quando foi dessa fase de quebrar, desistiu, realmente ele não foi capaz de dar a volta por cima, depois ainda ajudou meu pai muito, meu pai puxava ele para a agência. O avô Medina veio trabalhar com meu pai um tempo, ainda fez a obra do primeiro Rock in Rio, a obra do primeiro Rock in Rio foi ele que tocou. O meu avô Medina era “muito bravo” mas todo o mundo o respeitava, gostava de trabalhar com ele e tinha (e ainda tem) muita gente com muitas histórias para contar sobre o meu avô.
Até agora vou descobrindo histórias dele. A Alcione me contou neste último Rock in Rio, que quando estava começando a carreira, chega lá na porta das lojas do meu avô com um disco novo, uma música nova e ele pegava, ele era fã dela, ai pegava nos discos e botava tocando na loja, ficava aquela musica tocando nas lojas que era à beira de rua… A Alcione falou para mim que o meu avô, a apoiou para caramba. Aliás, comentei com minha avó que a gente ia ter uma colectiva de imprensa e que a Alcione ia estar, que ia tocar neste Rock in Rio e ai ela me conta a história. Quando eu chego ao lado da Alcione ela me conta a mesma história antes mesmo de eu falar.
“Era conhecido como produtor cultural do Rio de Janeiro. Ele sempre quis transformar o Rio num centro turístico e cultural, que atraísse todo o mundo e para isso precisava realizar muitos eventos.”
R.C: Então o seu avô faz parte da história do Brasil, e principalmente da história do Rio de Janeiro e da televisão.
R.M: Faz sim!
R.C: Não existe nenhum livro sobre ele?
R.M: Foi feito agora um recentemente, com o título: “Quando as Noites Eram de gala”. Foi lançado o ano passado.
R.C: Pode-se dizer que a veia empreendedora que a Roberta e o seu pai têm, foi herdada deste avô?
R.M: É! Acho que a linha vem daí e a linha do equilíbrio vem das mães. Acho que é muito isso.
R.C: Então e sobre a sua avó paterna, a avó Raquel que ainda está viva, que é mulher desse avô cheio de histórias?
R.M: Nós somos bem apegadas! Talvez porque eu seja muito atenta, eu acabo sendo das netas mais presentes. A minha avó foi tratada feito uma rainha. Tem muitas histórias com o meu avô. Vale a pena ler o livro que muitas estão lá contadas. O pianista do programa em determinado momento era Tom Jobim e a casa deles era quase como um estúdio de ensaio porque todo o mundo ia para lá. O Tom Jobim ia para casa tocar piano para formar as músicas com ele para o programa, aquilo era uma farra. O meu avô ligava “Olha, daqui a duas horas estou com não sei quantas pessoas ai”.
Ou ligar e dizer: “Estou chegando com o Presidente em casa daqui a duas horas e ela tinha de se organizar para receber todos”. Então a história dela foi essa de acompanhar, de apoiar ele, mas muito princesa ao mesmo tempo. Ele foi muito rico numa fase da vida, não foram muitos anos, é engraçado, é um período relativamente curto e muito intenso e em determinado momento quando ele quebra, deprime ela teve de cuidar muito dele e só depois dele falecer é que ela aprendeu, por exemplo a assinar cheques.
R.C: Um antes e um depois.
R.M: Um antes e um depois. Ela começa a ser muito mais independente, então como ela sempre foi muito devota a ele, ela aparece, ela mulher, Raquel muito mais depois. Ela ama ler, lê o dia inteiro, lê milhões de histórias, muito interessada, muito serena, muito serena, muito mãezona, é bonito mesmo.
R.C: Como é a ligação dela com a bisneta Lua?
R.M: Adora, adora. A gente nesse vai e volta até teve o privilégio de nos últimos 3 anos ter ficado mais no Rio, e por esse lado foi muito bom, porque ela esteve mais perto da Lua, agora fica morrendo de saudades.
R.C: Um dia faz questão de levar a Lua ao Porto e de lhe indicar onde viveu o seu avô (bisavô dela)?
R.M: Gostava muito! Mas a gente não sabe a onde é a casa. Adoraria saber a gente não tem certeza da casa. Quem sabe um dia a gente descobre…
R.C: O que é que mudou na vida dos seus pais depois de serem avós?
R.M: Acho que não mudou muito. A minha mãe é muito presente, é muito mãe e avó galinha. Mas é engraçado, que não é aquela mãe galinha que deixa o filho o tempo todo debaixo da asa. Ela fala sempre que frase “Que cria os filhos para a vida!“. Mas ainda assim, está ligadaça, e ela fica muito presente. Ela está muito perto da gente, quando vem para cá, quando a gente está lá, fica em casa dela uns tempos … mas está sempre muito perto.
Os meus pais são pessoas muito ativas, eu até digo que é uma mãe gatinha porque ela tem mais energia do que eu há muitos anos e ela tem uma vida social muito ativa, tem lá o trabalho dela mas está muito presente. O meu pai é um pouco mais difícil, porque ele trabalha 24h por 24h. A dinâmica dele é muito essa, então ele acaba estando presente quando vê a Lua derrete absolutamente, é muito bonitinho ele se desfaz, mas acaba criando menos intimidade, porque está menos vezes junto.
R.C: Como foi chegar a Portugal há 13 anos, para montar um evento com a dimensão do Rock in Rio, num país que não estava habituado a eventos com essa dimensão?
R.M: Tenho histórias muito engraçadas, porque na realidade, nós vínhamos com uma cultura de fazer de uma determinada forma um evento duma dimensão, que exigia um nível de planeamento muito agressivo. Hoje em dia ele é até mais fácil, porque a gente faz isso todo o ano, a coisa fica um pouquinho mais preparada. A gente tinha ficado sem fazer o Rock in Rio durante 10 anos. Aí teve de começar tudo de novo. Então a gente vinha com um nível de exigência, um nível de planeamento de antecedência muito grande. Tudo o que a gente controlava fazia dessa forma, agora tudo o que dependia da interacção com o mercado, fosse para os fornecedores darem orçamento, fosse para montar. A minha história mais divertida com o Álvaro que era fazer planeamento de segurança, que eu tinha a certeza que eu não podia fazer porque era muito diferente da realidade brasileira. Se eu fosse fazer um planeamento de segurança eu ia pensar num exército e ai o Álvaro levou de Setembro a Março dizendo para mim que já ia lá. “Semana que vem vou lá, Semana que vem vou lá”. Em Março eu já estava arrancando os cabelos, querendo matar ele. Esta é assim a mais icónica assim de histórias divertidas. Com as entidades publicas tem sempre isso, você tem ali um braço de ferro porque as pessoas têm a certeza do que fazem e a gente tem a certeza do que faz, e o grande desafio aqui é você chegar no meio do caminho. As pessoas sempre colaboraram muito, sempre tiveram felizes e orgulhosas de fazer parte, acho que é mais isso, acho que um evento da dimensão do Rock in Rio tem de ter essa consciência de que as pessoas querem fazer parte e você tem de permitir que elas façam parte. Todo o mundo quer botar a sua marca, todo o mundo quer fazer a diferença e ai se você não permite é conflito na certa. É importante abrir esse espaço.
R.C: E o R.I.R foi bem recebido pelos portugueses?
R.M: Super bem recebido! Eu acho que eu tive o privilégio do Rock in Rio ser muito bem recebido, ele entrou muito bem posicionado, muito bem protegido, muito bem indicado. Tinha 19 anos de história, meu pai fez um bom trabalho também com as marcas, com os patrocinadores, com os contactos estabelecidos. Quando eu cheguei os meus patrocinadores já estavam fechados. Eu já apanhei uma fase mais fácil, porque o RIR já era uma verdade, já era uma realidade, já ia acontecer e de novo as pessoas estavam muito abertas para a dimensão do evento, para um evento dessa dimensão chegar. Não houve resistência nenhuma!
R.C: E viver em Portugal? A mulher que nasceu na cidade do samba não sentiu um choque cultural vindo para o país do fado?
R.M: Não,não, muito pelo contrário! Eu me identifiquei com Portugal muito rapidamente. Nunca fui da praia, nunca fui de estar sempre no samba. Adoro dançar, é o que sempre me fez falta, mais assim dança de salão, mas não saia para dançar sempre …qualquer coisa vai lá e dança. Eu sempre tive essa oportunidade de ir muitas vezes, até por causa do trabalho, então não tenho distância radical do Brasil, a minha família trabalha junto, a gente se fala basicamente todo o dia ,não tem esse gap de distância, a minha mãe sempre que pode, vem para Portugal. Foi uma adaptação até muito suave.
R.C: É em Lisboa, ou em Portugal que quer que a Lua cresça?
R.M: Sim, sem dúvida.
R.C: O avô Roberto Medina. Tem o sonho de ver os netos seguir os passos dessa grande empresa que nasceu em 85?
R.M: Eu não sei se a gente pensa nisso, nem ele. Acho que a gente ainda está na fase dos filhos seguirem os passos. Tão longe…ainda tem tanto chão para construir esse caminho. Ele nunca falou nisso. Eu não pensaria nisso agora, aliás eu faço questão que a Lua tenha liberdade de escolha porque tem um peso muito grande também. Se gostar, se ela se identificar… Eu entrei em eventos não foi porque ele me disse para entrar, foi porque me apaixonei pela organização de eventos e aconteceu, literalmente aconteceu.
R.C: A Lua tem 3 anos. Vê algumas características do seu pai nela?
R.M: Se eu tenho génio forte ele às vezes olha para a minha cara e diz que eu sou igual ao meu avô, que a gente também se bica um bocadinho, como ele se bicava com o meu avô restou para mim esse papel. O meu irmão é muito político, político pelo bom sentido, o meu irmão sabe lida com situações, às vezes fico tão orgulhosa dele, às vezes se eu soubesse fazer assim… Sou tão pouco politica, já bato de frente, já saí faísca… A Lua tem um génio forte também, então vamos ver como é que vai ser. Esse geniozinho veio nessa linhagem ,mas ela também é muito doce, é uma criança muito doce, muito fácil. Eu me revejo muito nela, mas o pai também. a gente também é um pouco parecida nisso. Tem uma personalidade muito forte, mas ela não é conflituosa, ela não é malcriada, muito suave, nunca fez pirraça, nunca fez bobagem …não fez as grandes asneiras. Para já as grandes asneiras não faz. Eu também fui sempre obediente, muito obediente. Acho que ela deve vir por aí mais ou menos.
R.C: Quais é que são as vantagens e desvantagens de se trabalhar numa empresa familiar?
R.M: Eu acho que as vantagens e as desvantagens talvez sejam as mesmas porque a vantagem também é desvantagem. Eu vejo a paciência que o meu pai tem de ter com a gente porque a gente diz o que quer e o que não quer e não falaria as mesmas coisas se fosse um chefe formal. Então tem um desgaste da relação por essa falta de limite, que ao mesmo tempo para quem está entrando e crescendo, dá muito espaço. Talvez por esse espaço, ele possa ter hoje filhos que de facto se interessam pelo negócio. Porque na hora que você não dá espaço… eu conheço amigos de empresas familiares que o pai dava trabalho, mas não deu sociedade, não deu tanta liberdade, e o meu pai optou talvez pelo caminho mais difícil mas melhor para a gente. Como o meu pai é muito sonhador e investe nos sonhos, financeiramente era um sobe e desce, mas graças a Deus sempre conseguiu manter tudo o que era necessário para a família. Nunca passámos necessidades nem me recordo se alguma vez eu tive mesada ou semanada, mas foi co o meu pai que tive o meu primeiro trabalho com 17 anos. A última coisa que ele ainda pagou foi seguro de saúde e gasolina ele pagou um tempo e depois nem isso. Pagava a faculdade e deu um carro para cada filho. “Acabou, agora te vira “. Mas fez o que muitos pais não fazem e que eu digo que é o caminho mais difícil que é “Te dou trabalho e te dou sociedade”. Te dou o bom e o mau, se correr bem, corre bem, se correr mal … A parte do corre mal durante um determinado período não é verdade absoluta, é pela responsabilidade.
R.C: Porque ele está sempre olhando também?
R.M: Não! Porque você não tem ainda património para perder, isso eu só entendi numa conversa com um nosso sócio que não é da família e ele um dia ficou me dando bronca mesmo: “Vocês estão assim, estão com essa leveza porque não têm a casa para perder e não sei o quê, eu tenho e não aceito correr esse risco“. De facto é muito diferente hoje com algum património construído e com filho para criar e não sei quê as responsabilidades aumentam. Apesar do que ele deu para o bem e para o mal, se fosse muito mau é óbvio que nós teríamos que carregar dividas e etc. De alguma forma, quem ia primeiro era ele e o sócio, porque eles eram os únicos que tinham alguma coisa para perder, a gente ainda não tinha nada para perder.
R.C: O vosso pai deu-vos a cana, mas também ensinou-vos a pescar…
R.M: Completamente! Muito mais que o ensinar a pescar, é : “Te vira”! No inicio a sensação que eu tinha é que ele pegou e me jogou na jaula do leão, me trancou e foi-se embora. A minha sensação era essa, de peso, de responsabilidade, de ainda não saber fazer! E ele “Te vira, vai e faz”! Agora, depois de um tempo eu completei a história. Ele pegou, jogou na jaula, trancou mas ficou detrás da cortina olhando. Só que naquela altura não tinha essa consciência, achava que eu estava no meio da encrenca. Não tinha consciência de que ele estava obviamente por perto vigiando porque não é maluco de todo.
R.C: Como é trabalhar com as emoções das pessoas? O que o RIR, vende e dá é isso mesmo, são emoções a quem vai assistir aos espetáculos?
R.M: Esse eu acho que é o grande privilégio do RIR. O que é realmente muito especial é você ver o resultado do seu trabalho imediatamente, que é independente dos resultados financeiros, etc. Porque esses são os mais desafiadores tem ali sempre uma conta paga que é você ver as pessoas entrarem, brincarem, pularem. Eu sempre me arrepio falar nisso, porque as pessoas piram, ficam assim num espaço de alegria e aí para mim tem um valor que vai além disso, que é o melhor, e que é um pouquinho mais profundo, que eu acho que o ser humano é aquilo. Eu já sei que o ser humano tem coisa ruim, mas não gosto de falar nisso, não quero admitir, não gosto de olhar muito para isso! Eu gosto de olhar para coisas boas! Eu gosto de acreditar que o ser humano supostamente tem que ser mais bom do que ruim e que a gente activa o nosso lado mau …
Eu acho que o RIR ativa o lado bom do ser humano.
R.C: Tem tempo para se sentar com o seu pai e refletirem sobre cerca de 8 milhões de pessoas que já foram ao R.I.R no Brasil. Aos 2 milhões que já veio em Lisboa? Recordam com um sorriso vencedor o grande prejuízo que tiveram na 1ª edição em 1995?
R.M: A gente para pouco! É uma coisa que eu sempre critiquei um pouquinho é que a gente celebra pouco o sucesso. O meu pai é muito inquieto, o que traz uma série de vantagens, mas ele é muito inquieto e meu avô certamente teria sido pior do que ele mas ele é muito inquieto na evolução das coisas, se alimenta pelo próximo sonho. Ele não gosta do fazer, gosta do criar e realizar. Uma vez que ele percebe que já foi, ele já tem pensado o próximo. Ele não se apaixona, a concretização não é a parte que ele mais ama, ele não gosta de fazer, montagem, não é o que apaixona ele. Ele é muito exigente nos detalhes, daquilo que pode fazer uma diferença e que ninguém percebe, mas ele já quer saber do próximo! Está sempre falando do próximo. O que é um nível de desgaste muito grande para quem trabalha com ele. Porque ele parece um trator, é um trator e eu até brinco com ele sobre isso. Eu estou focada em vender bilhetes em Lisboa e ele está falando do mega projeto que a gente vai lançar … Eu preciso vender ingressos e ele fala noutra coisa! Então aquilo é muito intenso, mas faz a gente acelerar e construir coisas muito rapidamente
R.C: O seu pai vive sempre no futuro, mas necessita das outras pessoas que vivem no presente?
R.M: Precisamente! Eu acho que é uma coisa que eu tenho tentado aprender, mas ainda estou um pouco longe de fazer isso direito, que é tentar preservar o presente para a equipe e a alegria da realização para a equipe. Se ele não se alimenta disso, a maior parte das pessoas se alimenta disso e as pessoas não estão na cabeça dele vivendo o futuro. A maior parte das pessoas em geral se alimenta do presente, do que está sendo feito agora, da vitória atual! Outro dia eu vi um filme. “O Estagiário”, que é um estagiário sénior que vai trabalhar, e tem lá na agência, um sino que eles tocam sempre que há boas noticias. Eu já pedi para botar um sino aqui! Porque a gente passa de tractor pelas boas noticias, e a gente tem várias boas notícias por dia. Cada pequena vitória faz sentido para o que vai acontecer lá na frente. A gente devia celebrar cada uma delas! Ás vezes é muito cruel trabalhar num projeto desta dimensão com esta cultura.
R.C: Que recordações é que tem do dia que ficou em pânico, quando viu o Parque da Bela Vista pela primeira vez e do outro episódio em que que passou 3 dias a medir o parque com uma fita métrica de 9 metros?
R.M: São dois momentos bem diferentes. O primeiro é o pânico, segundo tipo não acredito, pirou, enlouqueceu. Como assim a gente vai fazer…e eu só tinha feito um Rock in Rio numa área plana, não tinha nenhuma referência, não tinha a menor experiência para poder pensar em qualquer coisa, hoje já pensaria com menor leveza. Aí era eu e o Valter, os dois chocados, e o meu pai muito danado com a gente, porque a gente não estava feliz de ver o parque. É coisa de visionário, e a gente está ali olhando a parte prática. Depois toca a trabalhar e foi muito divertido essa fase de passar os 3 dias que eu passei lá com o Valter medindo tudo com uma fita de 9 metros…
R.C: São estas e outras histórias, que um dia vai recordar com a Lua?
R.M: Completamente! O Valter gostava de fazer exercício de manhã, e a gente determinou então, que todo o dia de manhã para fazer exercício, a gente ia andar até um determinado lugar que ele queria conhecer. Eu não tinha muito isso na cabeça. “Eu quero ver o estádio da Luz”, a gente estava ali em S. Sebastião, ia andando até ao Estádio da Luz, bom e agora vamos. “Agora quero ver não sei o quê”, ai vai, anda e volta. A gente conheceu Lisboa andando e a gente ia para o Parque da Bela Vista, saía em S .Sebastião, ia andando e as pessoas filavam “Isso são 4 kms”. É, a gente ia, ia, ia, andava e voltava .Foi muito bacano.
R.C: Se comparar os dois R.I.R, qual é a diferença entre o publico brasileiro e o publico português?
R.M: Eu gosto de pensar primeiro no que é igual, que são dois públicos altamente motivadores, para os artistas é incrível. São públicos muito calorosos. No caso de Portugal acho que para a gente a maior diferença é que o público é muito ordeiro, muito educado, muito fácil de gerir e no Brasil já não é … Já foi muito pior, em 2001 aquilo era uma loucura. Agora já não, agora já é mais fácil.
R.C: E existe alguma receita para fazer um bom cartaz?
R.M: Existe. Temos que ter experiência e fazer uma boa pesquisa de mercado que envolve sondar todo mercado que hoje em dia sejam as plataformas que tocam musica, sejam as rádios, etc . Tem de olhar para fora ,não adianta você montar um line-up pensando em si próprio .
R.C: Dar às pessoas aquilo que elas querem não é?
R.M: Estamos falando de um evento de massas, então a gente tem de olhar o que a massa quer e quem é que vai vender mais ingressos, no final das contas é isso. A nossa proposta no que cabe ao Palco Mundo é o que as pessoas querem ver. A gente teve música eletrónica no RIR em 2001. Nenhum evento dessa dimensão tinha música eletrónica, a gente vem entregando variedade. Esse ano você tem samba, você tem a musica alternativa na Vodafone, tem a musica eletrónica, cara você tem estúdio de dança, tem tudo! Aquilo é um parque, você tem um cardápio gigantesco para aproveitar. O que me agrada muito, é a proposta de você não precisar de gostar da mesma coisa que o seu amigo, cada um faz o que quiser lá dentro, vai jantar junto, vai lanchar, não importa, isso é um conceito que me agrada muito.
R.C: O R.I.R tem o slogan que é o “Fazer um Mundo Melhor”, que mundo melhor é esse que querem ajudar a construir?
R.M: Acho que o resumo disso é uma sociedade mais harmónica e isso significa em muitos níveis: dos relacionamentos, da desigualdade social, do respeito. O negócio é a gente ter uma sociedade mais feliz, menos conflituosa e isso tem muitos caminhos para serem feitos. Por isso, até hoje a gente não tinha adotado uma causa única. A gente agora pela primeira vez está adoptando uma causa que vai ultrapassar uma única edição, vai ultrapassar fronteiras, vai estar em todos os países e por um período mais longo. Até então, a gente nunca tinha feito porque a gente está acabava apoiando a sociedade local.
A gente entende que é o nosso principal papel, que é dar voz ,é chegar a mais pessoas a determinadas causas e ai a comunicação no Brasil a gente faz campanhas brutais, muito giras e pronto e vamos continuar fazendo isso.
R.C: Qual é que foi o melhor concerto em Portugal até hoje? Consegue eleger? Ou o que gostou mais?
R.M: Eu sou uma péssima pessoa para você perguntar isso! Eu vejo pedaços, mas eu tenho uma boa memória, a minha memória muito especial é com Bon Jovi pela primeira vez, porque cara fiquei tão impressionada com a energia do sujeito, não havia uma música que as pessoas não conhecem e ele… Lembro da imagem fazendo as pessoas botarem o braço para cima. Ele não parava de cantar, e as pessoas pularam e cantaram o show inteiro. Eu acho que isso é que é show de festival cara. Ali é para fazer as pessoas pularem mesmo, cantarem e vibrarem e esse ano vai ser uma edição muito especial. Estou super empolgada com essa perspectiva .Se você olhar não é só os red liners não, mas passando só pelos red liners são artistas que têm um repertório, vocês vai cantar da primeira até à ultima, não tem break. Eu adoro isso! É o que eu mais gosto! Olha, Bruce da primeira à última; Queen, da primeira à última; Ariana Grande, da primeira à última, ela tem 10 sucessos que estão no top, cara vai ser da primeira à última. Xutos, Dama, a Ivete…Mika, Fergie, Maroon 5, Avicii…Brutal!
É brutal, É impressionante!
Vai se muito lindo!
Um astral, olha… Top, top, top.
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