No dia em que atinge a maioridade, Leonor de Bórbon vai prometer perante deputados, senadores e titulares de outras instituições que respeitará os direitos dos cidadãos e das regiões autónomas do país reconhecidos na Constituição de 1978.

"Não escapa a ninguém a enorme carga simbólica que tem este juramento", disse no dia 10 de outubro o ministro da Presidência do Governo espanhol, o socialista Félix Bolaños, numa conferência de imprensa em que apresentou a cerimónia da próxima terça-feira e enfatizou diversas vezes que a Coroa é "uma instituição absolutamente central" da democracia de Espanha.

Bolaños insistiu que se trata de uma cerimónia no parlamento, "onde reside a soberania nacional", na qual a filha mais velha do Rei Felipe VI assumirá que "tem vocação" e disponibilidade para um dia ocupar a chefia do Estado.

Há "uma dimensão jurídica importante neste juramento" porque "através desta cerimónia solene garante-se a continuidade da Coroa", reafirmam-se "os valores fundamentais da Constituição, igualdade, liberdade, pluralismo" e ficará demonstrada "a capacidade que tem a monarquia de se ir adaptando aos tempos", numa prova da "força da democracia" espanhola, continuou Félix Bolãnos.

Para Félix Bolaños, a cerimónia de terça-feira prova que "a Constituição e a monarquia" são capazes "de integrar todas as distintas visões que convivem no país".

Um das diferenças entre o juramento de Leonor de Borbón e o do seu pai em 1986 é que, este ano, os independentistas catalães, bascos e galegos já anunciaram a sua ausência.

O mesmo já disseram os presidentes dos governos regionais da Catalunha e do País Basco e mantêm-se incógnitas em relação à presença de deputados e ministros de formações que integram a plataforma de esquerda e extrema-esquerda Somar, assumidamente republicanas e que estão na coligação de Governo com o partido socialista (PSOE).

Em 1986, o independentismo e partidos mais extremistas de esquerda e direita não eram ainda protagonistas na vida política do país e a monarquia tinha conseguido legitimar-se, com um apoio bastante transversal.

As sondagens mais recentes dizem que se houvesse um referendo em Espanha, o resultado seria bastante equilibrado entre a opção monarquia e república, embora com a balança a cair um pouco mais para o lado republicano.

"Mas ao mesmo tempo, [a monarquia] não é um elemento que preocupe especialmente os espanhóis. E a chave da questão é que a principal linha de defesa da monarquia é não ocupar espaço nos meios de comunicação como um elemento problemático, ou seja, que não se politize", disse à Lusa o politólogo Javier Carbonell.

Depois dos casos de corrupção que envolveram membros da família real, sobretudo, o anterior monarca, Juan Carlos I, a monarquia não aparece hoje nas notícias por motivos negativos, sendo que a pessoa de Felipe VI, chefe de Estado desde 2014, gera inclusivamente simpatia, tanto entre anti como pró monárquicos.

"E penso que é o tipo de imagem que estão a tentar reproduzir com Leonor", acrescentou o politólogo, investigador na Universidade de Edimburgo e professor na Sciences Po de Paris.

Segundo Javier Carbonell, "a nível do eleitorado", a monarquia tem "três grandes problemas": a esquerda, os jovens e o elemento territorial, até por ser "o grande símbolo da unidade de Espanha".

No entanto, os independentistas, por exemplo, não fazem da monarquia um alvo específico ou preferencial, "é um símbolo mais a que se opõem", "o Rei não tem a importância [suficiente] para ser o alvo principal, é um ator mais".

A ala mais à esquerda são partidos republicanos que já colocaram o regime monárquico no debate político, mas têm outras prioridades.

Quanto aos dois grandes partidos espanhóis, o Partido Popular (PP, direita) é essencialmente monárquico e o PSOE tem um eleitorado dividido pelo que não tem interesse em fazer um debate sobre o tema.

"Entende-se que em Espanha a monarquia é pouco relevante. Isso entende tanto quem a apoia como quem a critica. O Rei reina, mas não governa. É uma instituição simbólica", afirmou o politólogo, que sublinhou, a este propósito, que as sondagens sobre a Coroa são pouco frequentes, por o tema não estar nas preocupações da população, e são por norma feitas quando há polémicas que envolvem a família real.

Em Espanha, "quase nunca houve entusiasmo pela monarquia", mesmo em séculos passados, mas só houve dois períodos republicanos na história do país, além da ditadura de Francisco Franco entre 1939 e 1975, disse, por seu turno, José Antonio Zarzalejos, jornalista, autor do livro "Felipe VI, um rei na adversidade" (não publicado em Portugal) e considerado um dos maiores conhecedores da Coroa espanhola.

Para Zarzalejos, além de atender a razões históricas, é necessário compreender a origem da atual monarquia, que "não é uma restauração da monarquia do século passado, é uma instauração de uma monarquia constitucional e parlamentar cuja legitimidade está na Constituição, não está na história, na tradição, está na Constituição ratificada [em referendo] pelos espanhóis em 1978".

"A monarquia em Espanha é idiossincrática, é um traço histórico permanente em Espanha o debate sobre a monarquia e ter sempre reis e não presidentes da República", defendeu Zarzalejos, num encontro em Madrid, em fevereiro deste ano, com jornalistas da imprensa estrangeira, incluindo a Lusa.

Também Javier Carbonell realçou que a monarquia espanhola não tem um grande apoio social e a sua popularidade, continuidade e questionamento nos próximos anos dependerá de "elementos contextuais", como novas polémicas ou novos cenários políticos.

Para o académico, "o elemento fundamental" em torno da monarquia em 2023 é a sua associação a valores conservadores, como "a unidade de Espanha, a tradição", e "a não associação a valores progressistas, como a igualdade de género ou as alterações climáticas".

"Precisamente o que vamos ver com Leonor, nos próximos anos, é uma tentativa muito grande de associar a monarquia com valores progressistas, para a tornar mais consensual e ser aceite também por grupos de esquerda que atualmente não a aceitam", afirmou Javier Carbonell, para quem os espanhóis vão "ouvir até à saciedade" que a hoje princesa "vai ser a primeira Rainha de Espanha em muito tempo, no último século e meio".

Num país hoje tão identificado com o feminismo, a Constituição de 1978 estabeleceu que os homens têm prioridade sobre as mulheres nos direitos de sucessão na Coroa de Espanha.

Este artigo constitucional terá de ser alterado antes de Leonor de Borbón ter filhos e será aí que, inevitavelmente, Espanha enfrentará um debate sobre a monarquia, segundo José Antonio Zarzalejos.

Haverá consenso para mudar, mas a Constituição estabelece que terá de haver um referendo no país, num processo que os constitucionalistas estimam que leve seis meses.

"É um período de tempo muito longo, com um debate muito longo, que se transformará, no fundo, não num debate sobre a alteração do Título II [da Constituição], mas num debate sobre 'monarquia sim, monarquia não'", acrescentou Zarzalejos.

No entanto, o autor prevê que Leonor será rainha de Espanha com "altíssimo grau de probabilidade".