O título do livro pode chocar os mais pudicos, mas Bel Olid não tem papas na língua quando o assunto é sexo. Apesar de recusar a etiqueta “manual” para a sua mais recente publicação, um dos grandes objetivos da autora espanhola é “desmantelar ideias preconcebidas sobre sexualidade para que todos possam desfrutar melhor das suas próprias”. E que ideias são estas? O SAPO Lifestyle entrevistou a autora, que também é ativista feminista, em busca de respostas.
“A primeira coisa que temos de aprender sobre o sexo é a desaprender”. É uma das frases iniciais do livro. Numa altura em que há tanta informação disponível, qual é o objetivo deste livro?
Grande parte das informações consultadas pela maioria da população tem sexualidades muito normativas: entre homens e mulheres, com relações sexuais como centro, e com modelos restritivos de desejo. O Foder? visa desmantelar ideias preconcebidas sobre sexualidade para que todos possam desfrutar melhor das suas próprias.
Defende que devemos falar sobre sexualidades e não sexo. Porquê?
Sexo faz parte da sexualidade, quer possamos escolher praticar ou não. A sexualidade atende a toda a dimensão da pessoa e inclui não apenas as práticas que realiza, mas também a sua identidade sexual, a sua orientação... Há tantas sexualidades quanto pessoas.
Sexo biológico, identidade de género, expressão de género, orientação sexual. A sociedade criou tantas etiquetas para conceitos difíceis de enquadrar. Qual seria a melhor definição, se é que, de facto, deveria existir alguma?
São quatro conceitos muito diferentes e, embora possam parecer difíceis assim isolados, são realidades que lidamos com todas as pessoas. Todos temos sexo biológico, identidade de género, expressão de género e orientação sexual. O livro pode ajudá-lo a entender melhor do que estamos a falar. As definições só nos ajudam a compreender melhor, não deveriam ser um empecilho para nada.
Ainda achamos chocante pensar nas pessoas mais velhas como sujeitos e objetos de desejo
Considera que o sexo ainda é um assunto tabu na nossa sociedade?
O sexo que não segue padrões hegemónicos, sim. Por exemplo, ainda achamos chocante pensar nas pessoas mais velhas como sujeitos e objetos de desejo, ou pensar que pessoas com diversidade funcional têm vida sexual. Estamos acostumados a ver sempre os mesmos tipos de corpos, jovens e bonitos, a praticar sexo heterossexual e coitocêntrico, e tudo o que sai deste modelo é tabu.
O mesmo se pode dizer sobre o prazer feminino?
Sim, precisamente porque esse sexo hegemónico visto em todos os lugares gira em torno do prazer dos homens cisgénero. O prazer de todas as outras pessoas (mulheres, pessoas de identidade não binária ou pessoas trans) não conta.
Sobre o sexo e as relações há influência do que se vê nos filmes, desde o cinema mainstream ao porno. De que forma somos influenciados por aquilo que vemos? É uma influência tóxica?
Como já foi dito, sim se nos mostram sempre os mesmos modelos. As pessoas e as nossas práticas sexuais são muito mais variadas do que podemos ver na ficção. Além disso, uma parte da alegria de nos relacionarmos sexualmente, de partilhar a aventura de nos descobrimos, está completamente fora da ficção, e é o que me parece ser mais interessante.
Sobre a cultura da violação e a violência nas relações apresenta dados no livro que mostram como estes atos ainda são aceites pela sociedade. De que forma a educação sexual poderia contribuir para estes números baixarem?
Apresentando as relações sexuais como algo que compartilhamos em pé de igualdade, entre pessoas que se desejam reciprocamente e querem buscar prazer juntas. Se colocarmos o desejo compartilhado no centro, não há lugar para a violência. A violência surge quando uma pessoa (geralmente, um homem) não se importa com o desejo nem com o prazer de outra pessoa.
O significado da palavra consentimento é algo que se fala muito hoje em dia. Considera que o termo deveria ser repensado?
O consentimento é necessário, mas, no meu entender, não é suficiente. Não quero ter relações sexuais com alguém que “consente”, quero ter relações sexuais com alguém que está morto de desejo de as ter comigo. Caso contrário, é melhor partilhar outras coisas.
Não falar nunca sobre sexo é uma forma de educação sexual: dá-se a entender que é um assunto tabu
O que considera ser fundamental no ensino da educação sexual? E o que está a ser feito de forma errada?
Creio que se põe a ênfase no medo de engravidar e nas doenças sexualmente transmissíveis, ao invés de se pôr a ênfase no desejo e no prazer. Deveríamos falar mais com os jovens sobre a exploração do desejo e do prazer e da necessidade de respeitar o desejo e o prazer das pessoas com quem nos relacionamos sexualmente.
A partir de que idade se deveria começar a falar sobre sexualidade?
A educação sexual faz-se desde o nascimento, praticamente. Não falar nunca sobre sexo é uma forma de educação sexual: dá-se a entender que é um assunto tabu. Nas piadas que contamos estamos a educar. Por exemplo, quando alguém conta uma piada sobre um gay e todos se riem, estamos a educar às crianças de que ser homossexual é algo não desejável. Temos de ser abertos às curiosidades e às dúvidas das crianças e escutá-las de verdade para poder responder a estas dúvidas em cada etapa.
Como considera que este período de pandemia vai condicionar as relações?
Há as questões práticas sobre como podemos nos relacionar sexualmente com as restrições atuais. Mas para relacionamentos que estavam consolidados antes da pandemia, acho que o confinamento pode ajudar a deixar claro se estamos com a pessoa com quem queremos estar, ou não. Outra questão será se a crise económica que vai cair em cima de nós nos vai permitir mudar a nossa situação de vida ou não… Acho que a única maneira de não cair em relações dolorosas ou mesmo violentas é adicionar comunicação e respeito extra.
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