“Em Portugal, aonde me desloquei duas vezes para esta investigação, em 2016 e 2017, o debate sobre o casamento foi conduzido num sentido diferente em relação ao Peru ou à Europa, porque a hierarquia católica não seguiu as ordens de Roma”, escreve Frédéric Martel.
Segundo o autor do livro lançado hoje em 20 países que aborda a questão da homossexualidade no Vaticano, se em França, Espanha e Itália, os cardeais apoiaram a posição do então papa Bento XVI contra o casamento homossexual, o episcopado português, pelo contrário, moderou os seus preconceitos.
José Policarpo, o cardeal patriarca de então, era considerado um moderado, nunca deixando que Roma mandasse.
Citando palavras do jornalista português e especialista em religião António Marujo, o autor do livro escreve que José Policarpo “expressou tranquilamente o seu desacordo em relação ao projeto de lei sobre o casamento gay, mas recusou que os bispos descessem às ruas”.
“Há que dizer que a Igreja portuguesa, comprometida antes de 1974 com a ditadura, se mantém hoje em dia distante da extrema-direita católica. Não pretende imiscuir-se nos assuntos políticos e mantém-se afastada durante debates parlamentares”, escreve Frédéric Marcel indicando que a sua ideia é confirmada pelo deputado do Bloco de Esquerda José Manuel Pureza, um dos principais artífices da lei sobre o casamento homossexual.
Frédéric Marcel diz ainda que numa das suas viagens a Portugal, no âmbito da investigação que desenvolveu, ficou surpreendido com essa moderação política.
“As questões sociais discutem-se educadamente e a homossexualidade parece banalizar-se em toda a discrição, até nas igrejas”, refere o autor acrescentando que em Portugal encontrou-se com vários padres e monges homossexuais que “parecem viver a sua singularidade de uma forma serena, nomeadamente nos mosteiros”.
O liberalismo suave português, advoga o escritor, não escapou a Roma: “ a neutralidade do episcopado de Lisboa quanto às questões de sociedade desagradou, o mesmo se passando com a sua fraca mobilização contra a lei sobre o casamento”.
Jose Policarpo chegou mesmo a ser chamado a Roma a pedido do papa Bento XVI, depois de ter dado uma entrevista sobre a questão da ordenação das mulheres.
À época o homem chave de Bento XVI em Portugal era o bispo auxiliar de Lisboa e vice-reitor da Universidade Católica, Carlos Azevedo, uma figura em ascensão que o papa pretendia nomear patriarca de Lisboa.
Mas, escreve Frédéric Marcel, o papa emérito escolheu um “closeted” (alguém que esconde a homossexualidade) que acabou por ver a sua carreira comprometida exatamente por rumores sobre a homossexualidade, tendo este sido abandonado por todos os seus amigos portugueses, repudiado pelo núncio e abandonado à sua sorte pelo cardeal Policarpo, "porque apoiá-lo seria correr o risco de ser, por sua vez, apontado a dedo".
"Na verdade, se existe realmente um «escândalo Azevedo» não é onde poderíamos pensar: não tanto na eventual homossexualidade de um arcebispo como na chantagem de que foi alvo e no seu abandono por vários prelados que partilhavam as suas inclinações", escreve o autor do livro "No Armário do Vaticano".
O jornalista falou com Carlos Azevedo - que atualmente esta no Conselho Pontifício para a Cultura e faz investigação histórica sobre figuras religiosas portuguesas da Idade Média -, e lamenta que um homem moderado, tolerante, perito em ecumenismo tenha agora uma carreira destruída.
"Afinal de contas, a Igreja de Roma não deveria ter defendido o bispo vítima? E, afinal, se existisse uma moral na Igreja do papa Francisco, Carlos Azevedo não deveria ser nomeado hoje patriarca de Lisboa e cardeal, como pensa a maior parte dos padres e jornalistas católicos com que me encontrei em Portugal? Um país onde o casamento gay foi aprovado definitivamente em 2010",escreve Frédéric Marcel no livro de quase 700 páginas agora editado.
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