À TSF e à RTP, Paulo Pimenta, presidente do Conselho Regional do Porto da Ordem dos Advogados, mostrou-se "preocupado" que a "visão da mulher, do casamento, da vida conjugal e do mundo" refletida nos polémicos acórdãos sobre violência doméstica assinados pelo juiz Neto de Moura se reflita, agora, em decisões tão sensíveis relacionadas com o Direito da Família.

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O presidente do Conselho Regional assevera que tirar Neto de Moura da justiça criminal e dos casos de violência doméstica está longe de resolver a polémica, porque o juiz continuará a ter ascendência sobre processos relacionados com a família, nomeadamente divórcios e casos de regulação de poder paternal. Ou seja, o juiz desembargador poderá continuar a proferir sentenças contra os direitos das mulheres.

“A simples mudança para uma secção cível equivale a manter o problema de fundo: se o problema está, como parece, numa certa compreensão da vida e da realidade por parte do Desembargador Neto de Moura, em particular nas questões de índole familiar e conjugal, não faltarão ocasiões para essa compreensão vir novamente ao de cima, reacendendo toda a polémica”, sublinha o Conselho Regional do Porto da Ordem em comunicado.

No seu entender, “há o sério risco de a comunidade, em cujo nome os tribunais aplicam as leis, entender que essa solução é guiada pelo simples intuito de proteger o desembargador Neto de Moura do clamor que as suas decisões têm causado na comunidade, ficando tudo o mais por analisar e resolver”.

À RTP, Paulo Pimenta sublinha que não conhece o juiz, mas pelos argumentos que leu nos acórdãos que vieram a público, está especialmente preocupado com os casos de divórcio e regulação das responsabilidades parentais, áreas muito "delicadas".

Varrido para debaixo do tapete

Paulo Pimenta entende que o problema criado à volta das decisões de Neto de Moura está a ser "varrido para debaixo do tapete", procurando afastá-lo dos holofotes, mas na prática as decisões, nomeadamente no âmbito do Direito da Família, continuarão a poder produzir polémica e injustiça para as mulheres, escreve a TSF.

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Paulo Pimenta diz mesmo: "Esta decisão só serve para proteger o juiz e não para proteger a população das decisões deste juiz e de outros juizes como ele".

"O problema não é só do juiz Neto de Moura, porque há outros a pensar como ele. Só que, pelo menos, o Juiz Neto de Moura escreve o que pensa e nós podemos saber o que ele pensa", critica o jurista.

À RTP, Paulo Pimenta diz que a solução está em dar mais formação aos juizes e numa melhor seleção no acesso à magistratura com base em critérios do foro pessoal. O advogado defende que a vida dos juizes deve ser escrutinada para que se evitem que magistrados com traumas tomem decisões erradas de forma continuada.

O comunicado do Conselho Regional do Porto da Ordem ainda que, em regra, “o problema não está na lei, mas no modo como a mesma é (mal) interpretada e aplicada em muitos processos (que não apenas os do Desembargador Neto de Moura)”.

O Conselho Regional do Porto espera que se aproveite o “caso Neto de Moura” para repensar questões tão sérias como o acesso à magistratura judicial, a progressão na carreira, a fiscalização e a inspeção dos Juízes, a sua formação contínua.

“Enfim, tudo quanto contribua para uma autêntica legitimação dos Tribunais e dos Juízes, o que também permitirá enfrentar casos patológicos, que, sendo embora excecionais, não podem ser tolerados, nem tratados de modo displicente, gerando incompreensão na comunidade”, salienta o comunicado.

Neto de Moura, que se encontrava na 1.ª secção criminal, tem sido criticado por decisões judiciais em casos de violência doméstica.

Juiz minimizou casos de violência 

Num dos casos, o juiz desembargador Neto de Moura foi autor de um acórdão em que minimizou um caso de violência doméstica pelo facto de a mulher agredida ter cometido adultério.

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No acórdão, datado de 11 de outubro de 2017, o juiz invocou a Bíblia, o Código Penal de 1886 e até civilizações que punem o adultério com pena de morte, para justificar a violência cometida contra a mulher em causa por parte do marido e do amante, que foram condenados a pena suspensa na primeira instância.

“O adultério da mulher é uma conduta que a sociedade sempre condenou e condena fortemente (e são as mulheres honestas as primeiras a estigmatizar as adúlteras) e por isso vê com alguma compreensão a violência exercida pelo homem traído, vexado e humilhado pela mulher”, lê-se na decisão do tribunal superior, também assinada pela desembargadora Maria Luísa Abrantes.

Na sequência deste caso, o Conselho Superior da Magistratura instaurou um processo de inquérito, tendo deliberado aplicar ao juiz a sanção de advertência registada.

Num outro caso noticiado mais recentemente surgiram críticas à decisão do juiz desembargador Neto de Moura de mandar retirar a pulseira eletrónica a um homem que foi condenado pelo crime de violência doméstica, depois de ter rompido o tímpano à companheira com um soco.