Provavelmente uma canção de trabalho italiana do final do século XIX, a Bella Ciao, terá sido desenvolvida no trabalho agrícola em arrozais.
Entre nós, também Michel Giacometti recolheu múltiplos cantos e ritmos de trabalho nos anos de 1970, alguns dos quais reproduzidos, durante os intervalos do nosso III Fórum Nacional de Medicina do Trabalho (1995). Também algumas do Cante Alentejano, que se relacionam com o trabalho agrícola, à data com predominância, por isso, de vozes masculinas. A letra da canção italiana, de resto, a isso se reporta:
” … Stamattina mi sono alzato, o bella ciao, bella ciao.
Bella ciao ciao ciao, stamattina mi sono alzato, ho trovato I’invasor!
A lavorare laggiù in risaia. Sotto il sol che picchia giù!
E tra gli insetti e le zanzare, o bella ciao, bella ciao
Bella ciao ciao ciao, e tra gli insetti e le zanzare, duro lavoro mi tocca far!
Il capo in piedi col suo bastone, o bella ciao, bella ciao
Bella ciao ciao ciao, il capo in piedi col suo bastone. E noi curve a lavorar!
Lavoro infame, per pochi soldi, o bella ciao bella ciao
Bella ciao ciao ciao, lavoro infame per pochi soldi. E la tua vita a consumar!
Ma verrà il giorno che tutte quante o bella ciao, bella ciao
Bella ciao ciao ciao, ma verrà il giorno che tutte quante
Lavoreremo in libertà …!!
Nela se expressam diversos aspectos das relações laborais, entre os quais vários factores de risco de natureza profissional, designadamente e entre outros, as condições locais concretas, o trabalho físico muito exigente, as condições térmicas desfavoráveis, a exposição a agentes biológicos, as exigências posturais extremas, a força e a repetitividade e os factores psicossociais relacionados com relações de poder e ancorados na intimidação através da ameaça de violência. Estarão representados os cinco grupos de factores de risco profissionais já que é previsível, no contexto em causa, também a exposição a substâncias químicas.
Estará por esclarecer, com nitidez, as razões da escolha dessa canção como símbolo de protesto ou de resistência nas duas grandes guerras. O certo, certo, é que, aparentemente, as más condições de trabalho, também na perspectiva da Saúde e Segurança do Trabalho (SST) poderão ter influenciado, total ou parcialmente, a escolha, se a melodia não foi determinante, já que foram desenvolvidos outros textos da letra adaptados a cada situação concreta de “protesto”.
Talvez a sua utilização copiosa por correntes ideológicas de esquerda ou a sua adopção em movimentos de protesto como o maio de 1968 (e anos que se seguiram) não aconselhem a sua utilização como símbolo das más condições de trabalho na perspectiva da SST mas, no meu caso, atribuo-lhe o simbolismo da necessidade de conceber o trabalho sem riscos profissionais ou, caso tal não seja possível, com medidas de gestão desses riscos e ainda, igualmente se possível, um trabalho satisfatoriamente confortável ou, pelo menos, concebido em função dos trabalhadores concretos que o realizam.
Quaisquer que sejam as razões que estarão na base da sua escolha fica mais uma vez expressa a necessidade de melhorar as condições de trabalho na perspectiva da saúde (e da segurança) e do longo caminho que ainda falta percorrer para que esse investimento seja feito de forma mais empenhada. É que o trabalho é humano e, consequentemente, deve ser concebido de forma diversa de considerar as pessoas como se fossem extensão das máquinas (uma espécie de Engenharia Humana …). De facto, as pessoas são pessoas e as máquinas são máquinas e, definitivamente as máquinas foram feitas para ajudar as pessoas (não foram as pessoas que foram feitas para ajudar as máquinas …).
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