Os farmacêuticos do SNS, ladeados pelos colegas das Regiões Autónomas, cumpriram três dias de greve, nos dias 22, 27 e 29 de Junho, respetivamente, para se fazerem, novamente, “ouvir” e simultaneamente, reivindicar junto do Estado, que nos representa e que é eleito por nós Portugueses (incluindo os farmacêuticos), que este seja honesto na sua intenção de se sentar connosco, dialogar e perceber a dimensão da injustiça e indiferença a que todos nós, farmacêuticos, estamos a ser sujeitos.

Ao escrever este texto, debati-me várias vezes sobre que tópico tentar explorar convosco. Escreveria sobre “as razões da greve?”; se “ainda faz sentido fazer greve em Portugal?”; ou sobre “quem são estes farmacêuticos?”. Todos estes, fruto da circunstância, fariam sentido na minha opinião.

Sobre a primeira hipótese, esta foi amplamente discutida e, não vejo qualquer lógica, numa década em que o Ordenado mínimo nacional foi progressivamente sendo revisto; a inflação em Portugal atingiu valores dantescos; e o custo de vida se encontrar em crescendo; termos uma carreira com uma tabela salarial do século passado, literalmente!

Sobre o segundo tópico, temo, olhando para o recente exemplo dos professores, que o Estado, e até os Portugueses em geral, olhem para as greves como algo banal; periódico; e muito longe dos tempos em que greve significava algo de MAIOR. Ainda há pouco tempo vi uma entrevista do antigo presidente dos EUA, Barack Obama, afirmando que um dos sinais de decadência, da sociedade democrática, era a perda de significância dos sindicatos. Dá que pensar, diria!

Ainda assim, escolho falar-vos sobre quem SÃO estes colegas.

Quem são estes farmacêuticos que inseridos no SNS, e não só nas farmácias hospitalares, mas também nos laboratórios, decidiram por em pausa, durante 3 dias, o seu trabalho e os doentes do SNS, para captar a atenção de quem nos governa?

A ASHP (em português, Sociedade Americana de Farmacêuticos Hospitalares), adaptou o circuito do medicamento proposto pela “Joint Comission”, para que este passe a conter, se não me falha a memória, 11 etapas suscetíveis de ocorrer erro; desde a seleção/escolha do medicamento, passando pelo utente nas suas vertentes de ambulatório e internamento, até à monitorização da eficácia do tratamento e a sua segurança.

Sabe, o estimado leitor, em quantas destas etapas participa o farmacêutico? Em 10! Leu bem! Nós Farmacêuticos estamos em 10 das etapas que envolve o medicamento nos hospitais. É este o reconhecimento que não temos por parte do Estado Português. 91% do circuito do medicamento, nos Hospitais, conta com a intervenção do farmacêutico e/ou serviços farmacêuticos, nas suas mais diversas áreas de intervenção.

O Farmacêutico escolhe, com estritos e elevados critérios de qualidade, que medicamentos comprar (validando fornecedores, origem, historial dos fabricantes); o farmacêutico receciona os medicamentos, avaliando o seu estado no momento da entrega; armazena-os respeitando da forma mais rigorosa o produto e a sua estabilidade até ao momento de serem dispensados e/ou administrados; o farmacêutico promove, em muitos dos hospitais portugueses, a reconciliação da medicação entre o que o utente faz no ambulatório e o que é transcrito aquando do internamento deste, por forma a evitar trocas, omissões ou erros de dose ou posologia; o farmacêutico valida a medicação prescrita nos internamento levando à exaustão princípios de avaliação de risco/interações; benefício/adequabilidade; somos nós que validamos, supervisionados e preparamos os medicamentos estéreis a administrar nos hospitais, na sua maioria; é o farmacêutico que com astúcia, conhecimento e elevada capacidade técnica valida, e manipula também, formulações galénicas e magistrais quando não existe o medicamento pretendido industrializado (o que tem ganho relevo fruto do cada vez mais deficiente abastecimento de medicamentos no nosso pais); é responsável pela divulgação de toda a informação, e formação, de como preparar e administrar a medicação de forma correta, e segura, em todos os serviços clínicos; o farmacêutico monitoriza, seja laboratorialmente através dos colegas nos laboratórios, seja por acompanhamento da visita médica, a eficácia do tratamento e atenta à sua toxicidade; o farmacêutico participa do momento da alta para que o utente entenda qual o plano terapêutico no pós-alta, os seus riscos e cuidados (doentes transplantados, HIV, Hepatite, entre outras patologias crônicas); o farmacêutico acompanha o tratamento, promove a vigilância de eventos adversos, e promove as notificações, se assim se justificar.

Se dúvidas sobre o anteriormente descrito pudessem existir, basta consultar a lista de serviços mínimos que foi emitido para estes dias e perceber a ENORMIDADE de tarefas que os farmacêuticos, mesmo em greve, são obrigados a executar. Esta lista, a meu ver, cimenta o enraizamento que o farmacêutico possui no funcionamento dos Hospitais em Portugal.

Quando terminei a minha formação académica, uma ilustre professora da Faculdade de Farmácia da Universidade de Coimbra, disse numa das nossas últimas conversas que nós éramos “o verdadeiro especialista do medicamento”, e eu, confesso, só há muito pouco tempo percebi o verdadeiro significado desta frase. Nós não fazemos nada sozinhos, nem mesmo algumas das etapas descritas anteriormente, mas estamos lá!, fazemos parte, e é isso que o nosso Governo deve perceber; nós temos o direito de reivindicar isto, porque nós significamos algo para os nossos utentes, para os nossos pares, para as nossas equipas e grupos de trabalho, e em bom rigor, significamos algo para o SNS!

Espero que em breve, o Estado entenda a importância do Farmacêutico como parte integrante do SNS e perceba que estes profissionais, altamente qualificados e capazes, podem, também, fazer parte da solução para o caos que envolve o Serviço Nacional de Saúde, e para isso apenas pedem Respeito e Reconhecimento.

Nada mais, nada menos do que é dado a outras classes profissionais.

Parece-me justo, ainda que para alguns possa parecer parcial.