Tem formação em cinema, já experimentou jornalismo, mas é na pintura que sente a sua verdadeira vocação?
A pintura exige papel ou uma tela, tintas e pincéis. Só. O cinema... bem o cinema um bocadinho mais! Talvez por isso tenha ganho espaço na minha vida com maior facilidade. Quando cheguei a Portugal (tirei o curso de cinema em Londres) queria trabalhar imediatamente e a televisão surgiu antes do que o cinema. Concorri a subsídios mas não ganhei. Enquanto trabalhava na SIC e posteriormente para a RTP terminei o curso de pintura que tinha iniciado antes de ir para Londres. Depois as coisas foram acontecendo por si. Não sei se a pintura é uma vocação, apenas que faz parte de mim e mesmo que venha a ter outra actividade, não deixarei de pintar. Nem que seja para gozo pessoal.

Como foi o despoletar deste bichinho na sua vida?
A minha mãe andou nas Belas Artes e guardou uma pasta A3 com alguns dos seus melhores desenhos. Um dia mostrou-me esses trabalhos e como desenhava maravilhosamente (e ainda desenha) despertou em mim uma enorme vontade de aprender. Era difícil acreditar que se podia reproduzir a realidade com aquela precisão. E aos poucos foi-me ensinando a desenhar, sublinhando sempre a importância de observar o pormenor.

Como era a Rita Fernandes em pequena…já gostava de pintar?
Desenhava muito. Tinha pilhas de cadernos com desenhos de tudo o que me rodeava. A pintura surgiu mais tarde. Talvez só aos 14, 15 anos é que comecei a pintar regularmente a aguarela.

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Se tivesse que escrever sobre a sua pintura, como a descreveria?
Como disse alguém cujo nome não me recordo, acerca dos escritores: “Um livro é sempre autobiográfico, mesmo que não aparente sê-lo.” E é assim que vejo a obra de qualquer artista, seja pintor, escritor, músico... Acho que expomos o que nos toca, o que nos causa emoção e sobretudo aquilo que somos. E como disse o Alexander Mcqueen (sim, aqui lembro-me quem foi!): “O nosso trabalho tem de ter bocados de nós, senão não tem alma.” Aflige-me o estado do mundo e a absoluta falta de consciência das pessoas. O altruísmo e a justiça são utopias, quando podiam e deviam ser formas de vida.

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E o seu trabalho reflecte essa forma de estar?
Em geral o meu trabalho é sobre o sofrimento humano, embora ande muito a par e passo com o melhor do ser humano. Porque o Homem pode ser um monstro, que faz filhos à própria filha e a mantém em cativeiro durante 20 anos, mas o Homem também pode ser artista e produzir obras como o Panteão Nacional. Isto para dizer que através da minha pintura, tento focar aspectos que me assombram, na tentativa de fazer as pessoas reflectirem sobre eles. Aspectos que considero que nos dizem respeito a todos. Procuro, depois encontrar um equilíbrio entre a minha ideia e o apelo estético. Quero que qualquer pessoa compreenda o que ali está e que sinta vontade de descobrir cada detalhe. .

O que lhe dá mais prazer pintar?
Gosto de pintar tantas coisas! Palhaços é sem dúvida a minha maior obsessão! Depois cavalos, ténis (sobretudo All Star!), gosto de inventar caras de pessoas...

Consegue-se viver da pintura em Portugal?
Conheço dois pintores que conseguem!....

Qual a sua opinião sobre o apoio dado às Artes no nosso país?
Faz-se muita coisa muito boa, mas podemos fazer o triplo e ainda melhor. A arte devia chegar a todos e quem a domina muitas vezes faz questão que assim não seja, não percebendo o grande erro que comete.

Tanto a série como o livro que escreveu são para um público mais jovem. Porquê este target?
Acabei de escrever um guião para cinema e ando à procura de uma produtora. Mas os subsídios não são fáceis de ganhar e com as dificuldades económicas que o mundo e o país atravessam, não há muitas empresas a quererem investir numa arte que em Portugal ainda continua com pouca expressão. .

Gostaria de voltar a escrever um guião para a televisão? E depois de “Conta-me uma história”, algum outro projecto na forja?
Sem querer correr o risco de parecer presunçosa (!) o livro “Conta-me uma história”, é um parceiro do “Principezinho”, ou seja, um livro para todas as idades. Na verdade na minha cabeça, até considero que são livros com protagonistas crianças, mas para leitores adultos. A peça de teatro “Tá-se” foi uma encomenda, por assim dizer do Luís Esparteiro que estava na altura com o Teatro da Luz. Mas escrevi uma fotonovela “Afinal Havia Outra”, para adultos e mais duas peças de teatro, também levadas a cena e também para adultos: “Salon” e “Não te esqueças de puxar o autoclismo” esta última reposta seis vezes! Ambas encenadas pela Ana Brito e Cunha. Depois escrevi e realizei um vídeoclip dos Caim, banda portuguesa e ainda duas curtas metragens “So much more than four” e “What if”. Esta última é possível de ver no youtube. Tudo para adultos. No fundo, não tenho vínculo ao target jovem. Não que me importasse. Mas na verdade não existe.

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Como é que a maternidade influencia o trabalho da Rita?
Influencia muito. Quer a nível de inspiração, quer a nível da exequibilidade. Eles são mais importantes do que tudo o resto e tento desdobrar-me de forma a conseguir dar-lhes toda a atenção. No entanto, por vezes tenho dead lines para entregar trabalhos, e à hora a que chegam a casa não posso largar tudo para estar de imediato com eles (visto que o meu atelier é em casa). E por vezes é uma selva gerir isso! Agora já começam a compreender como é importante deixarem-me trabalhar. .

Qual o seu grande sonho…ainda por realizar?
Tenho tantos!! Realizar uma longa-metragem é um deles. E conseguir mudar o mundo... a educação devia ser acessível a todos e os pais deviam perceber de uma vez por todas que os filhos não são propriedade deles. Nenhuma relação humana devia passar pela violência. Muito menos a relação entre pais e filhos. Em pleno século XXI e ainda existem casais que acham que bater nos filhos é normal. A condição de paternidade e maternidade não atribui o direito de agredir um filho. A criança, essa sim tem o direito à sua integridade física. Numa sociedade socialmente mais evoluída as pessoas aprenderão a controlar os seus impulsos e certamente que a violência será menor. E se há tantos políticos obcecados com a necessidade de se investir mais na segurança, invistam antes na educação. Como disse Pitágoras “Eduquem as crianças e não será preciso castigar os Homens.”