São 9h da manhã e já saem dos autocarros dezenas de turistas. Desta feita, são sul-coreanos (sabemo-lo mais tarde), de máquina fotográfica ao peito e olhar curioso. Mas à vila chegam turistas, muitos, de todo o país e do mundo. Um turismo crescente, que ganhou força na última década.

O percurso é quase sempre o mesmo: passada a Porta da Vila, caminha-se sinuosamente pela rua principal, a denominada Rua Direita, conhecida pelas lojas de artesanato e da famosa relíquia da região: a ginja. No final, está o castelo – do tempo dos mouros, conquistado por D. Afonso Henriques a 10 de Janeiro de 1148 – com as suas muralhas e vista panorâmica para as aldeias limítrofes.

Mas não é isto o principal que Óbidos tem para oferecer, apesar da beleza do passeio. Uma descoberta fácil de fazer quando somos acompanhados por Fernando Correia, médico de Medicina Geral e Familiar e director do Centro de Saúde de Óbidos.

Começamos a caminhada pelo Espaço Ó, antes mesmo de entrar no centro histórico. «Esta era a antiga casa de um paciente meu. Entretanto, ele faleceu e a Câmara aproveitou o lugar para criar um espaço cultural», diz Fernando Correia.

É o Espaço de Activação Comunitária, um grande edifício com um jardim nas traseiras onde há oficinas de trabalho, uma horta, um restaurante e uma livraria, das três na posse da autarquia e da Ler Devagar. Há a livraria do antigo mercado biológico, na Rua Direita, e a de Santiago, uma igreja recuperada, paredes-meias com o castelo com o qual - dizem – em tempos esteve ligada. As três livrarias fazem parte do projecto público-privado “Vila Literária de Óbidos”, que inclui também o Folio – Festival Literário Internacional de Óbidos, «o melhor da região», na opinião do nosso guia.

O coração da vila

Avançamos, então, para o coração da vila. À entrada, um músico vestido à época medieval cria o ambiente perfeito para passar a Porta da Vila, construída por volta de 1380. Lá, encontramos o varandim barroco com azulejos azuis e brancos, datados de 1740-1745, com motivos alegóricos à Paixão de Cristo, e o oratório principal, dedicado à padroeira da região, Nossa Senhora da Piedade.

À esquerda, a Casa da Música, local de ensaios regulares da Filarmónica de Óbidos, cujo marco histórico data de Dezembro de 1973, quando ali se fez uma reunião clandestina do Movimento Capitães.

Entramos pela Rua Direita, para caminhar apenas alguns passos e, rapidamente, virar à esquerda para subir até ao miradouro. De frente, a Várzea da Rainha, onde «há muitos anos era tudo água». Depois, Fernando Correira vira-se e aponta para o local onde todos os anos, a 17 de Janeiro, se cumpre a Festa da Ermida de Santo Antão, «festa semipagã, semi-religiosa, a que ninguém gosta
de faltar». Do outro lado do miradouro, Óbidos com as suas fontes, antigamente abastecidas pela água de Usseira, através do extenso aqueduto.

Descemos pela Calçada do Lidador, alcunha de Gonçalo Mendes da Maia, líder dos cavaleiros que participaram na derradeira noite da conquista do castelo. Ali perto, «o primeiro e mais emblemático bar da vila», com um nome peculiar: Ibn Errik Rex, ou seja, Filho de Henrique, o Rei. O dono, o «senhor Montez», ainda hoje é lembrado com admiração, pelo carisma de bom contador de histórias. O bar começou por ser um antiquário, «para conquistar a D. Corália, que trabalhava num outro antiquário da vila», mas Montez rapidamente percebeu que ganhava mais dinheiro a cobrar pela ginja que, normalmente, oferecia aos clientes. Contam-se às dezenas as espadas comuns que vendeu por dizer que foram de D. Afonso Henriques.

Do castelo à Loja do Arménio

Seguimos então até ao castelo, passando pela Casa das Recordações, do «senhor Albino», pintor autodidacta que abriu ali a loja de artesanato em 1961. Do lado oposto, a mouraria, onde, em tempos, viveu Fernando Correia.

De ruela em ruela, chegamos ao largo da Igreja de Santa Maria e, de frente, na Rua Direita, vemos o pelourinho. De um lado, a casa da família Botelho, ainda hoje ponto de encontro dos habitantes da vila e, do outro, a Loja do Lagar, de João Ramos, conhecido como o «João das Mantas». Ali, houve em tempos dois teares do pai de João, oferecidos depois a Seia.

Hora do almoço e Fernando Correia leva-nos ao Alcaide, onde encontramos o grupo de sul-coreanos do início do passeio e ficamos a saber, pelo dono do restaurante, que são muitos os que ali chegam, «pedem sempre peixe, mas a maioria não come até ao fim».

Tempo ainda para visitar o Museu Municipal de Óbidos – Eduardo Malta e, em frente, ver como a artesã Luísa Duarte faz a típica verguinha, com barro branco, na Oficina do Barro.

Última paragem: Loja do Arménio, onde a tímida entrada não faz adivinhar o bar que se esconde nas traseiras, refúgio de escritores e artistas que ali convivem até altas horas durante o Folio e onde se pode degustar uma deliciosa ginjinha artesanal.

Texto de Rita Leça

Fotografia de Pedro Azevedo

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