Porto Santo é indescritível sem o recurso a adjetivos gastos. Todos os cantos e recantos já foram fotografados. O mar que envolve a ilha muda de tom todos os dias e os tons já foram catalogados no espectro do azul e talvez do verde. No entanto, todo o visitante se espanta com o calor moderado, a brisa refrescante, o areal quase infinito, a calma do mar com a sua água temperada. Os visitantes passam por cá com os dias contados e com a ansiedade justificada de verem tudo, tocarem tudo com os olhos ou as objetivas. Tarefa impossível, mas ninguém se atreve com a verdade e também seria mau para o negócio sazonal.
Os visitantes que arriscam mais dias, cedo dão conta das dificuldades de uma comunidade periférica, a dupla insularidade e os hábitos desfazem-se mais depressa do que as ondas ao baterem na areia fina. As pequenas coisas tornam-se obstáculos intransponíveis, os grandes impedimentos alteram a vidas das pessoas. Se o frigorífico avaria, necessita de um técnico que virá de outra ilha e a peça fundamental levará o seu tempo a chegar. E se não houver barco para sair da ilha, os lugares no avião podem não chegar para todos e os familiares não terão oportunidade para um último adeus a alguém. A quem vem para ficar, é recomendável a interação com a comunidade, por todos os meios ao dispor, para desenvolver um sentimento de pertença, o mais cedo possível. O espírito ilhéu impressiona pela sua tenacidade, boa disposição e derruba qualquer arrogância urbana ou outra.
O centro de saúde é o único equipamento da ilha, com serviço de urgência, cuidados assistenciais e camas para internamento e ou cuidados continuados. É reforçado com laboratórios de análises clínicas e radiologia. Existe uma viatura medicalizada e as evacuações são efetuadas pela Força Aérea Portuguesa, de helicóptero ou avião. Dá que pensar, não é?!
Cheguei a esta ilha no início do ano e já passaram cento e oitenta dias! Vim acompanhar o meu marido, deslocado em trabalho. Facilmente seduzidos pelo clima, pela imensidão do mar e pela pesca, não temos ainda os dias contados. Porém, esqueci-me completamente de equilibrar a minha ansiedade natural, o meu desassossego criativo. E após uma sucessão de acontecimentos adversos, adoeci. A minha teimosia ia-me tramando e cheguei ao serviço de urgência bastante desidratada. Os diagnósticos diferenciais não são difíceis, mas não interessam nada para a história. Fiquei por lá umas horitas, com análises, medicamentos, refeições e vista de mar. A recuperação foi mais lenta do que a minha vontade, o que permitiu uma reflexão mais adequada sobre os tais acontecimentos adversos.
Quando o esquecimento já alcançara a experiência, recebi uma carta do SESARAM (Serviço de Saúde da Região Autónoma da Madeira), a informar-me dos custos da minha passagem pelo serviço de urgência. Foi uma autêntica surpresa, mas boa! Que intenções estariam por trás desta missiva? Em primeiro lugar, esta tarefa tinha sido feita por uma pessoa e não um bot. Alguém foi contratado e recebe um ordenado para compilar as despesas e colocá-las numa carta. Assim, este investimento serve que propósito? A transparência, entre prestador e utente? A comparação de custos de serviços públicos e privados? A consciencialização dos utentes perante os reais custos dos procedimentos? Analisando todos os ângulos da questão não encontrei um ponto negativo. Pode haver, eu é que não vi. Sinceramente, considero o preço muito acessível, pensei que fosse mais caro. O SNS deveria replicar este ato, mas faltam recursos… Foi sem sombra de dúvida, uma nota muito positiva!
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