Apesar do amolecimento estival, quem frequente os media recolhe a sensação de o nosso SNS se encontrar em estado calamitoso. E, todavia, hospitais e centros de saúde continuam a tratar cada vez mais e melhor os doentes que os procuram. Na verdade, para 75% da população este é o seu serviço de saúde, no qual se habituaram a confiar. E confiam.

As notícias sobre greves constantes, declarações de desresponsabilização, concentrações temporárias de serviços de atendimento permanente, reação à vinda de médicos estrangeiros (esquecendo que mais de mil e quinhentos já hoje nos servem), exigências rigorosas de pessoal no SNS sem paralelo em análogas exigências no privado, centenas de milhares de portugueses sem médico de família (esquecendo que mais de um milhão jamais o procuraram, servem-se no privado). Deixam no ar a sensação de que tudo vai mal entre nós. E não é verdade: pelo contrário, a quase totalidade do SNS está intacta e funciona bem.

Usei a palavra “quase”, por saber que muita coisa não corre como devia: médicos, enfermeiros e demais pessoal parecem desmoralizados, por vezes com chefias deprimidas ou até inexistentes, como acontece com a DG da Saúde desde há meses; que muitos hospitais, ACES e centros de saúde têm responsáveis a aguardar confirmação ou substituição; que a articulação da velha com a nova orgânica tarda em surgir; que a informação sobre o que se pretende é escassa; que é quase geral o desconhecimento do futuro próximo, pois apesar de esforços negociais intensos, a paz social no setor parece ainda longínqua; que na ausência de bodes expiatórios mais próximos, o Ministério das Finanças continua a carregar culpas merecidas e imerecidas; que os gestores de proximidade do SNS silenciosamente se queixam, como sempre, de falta de autonomia; que os responsáveis continuam a prometer mais do que provavelmente possam cumprir.

Todos sabemos que o principal são as pessoas, os recursos humanos, os profissionais. Sem eles ou contra eles dificilmente se serve o povo, os utilizadores do SNS, aqueles para quem ele se destina. E as pessoas que serviram bem durante décadas estão cansadas, doridas por verem felizes, folgados e anafados os que abandonaram o barco. Cansados e já descrentes das palmas do COVID, apesar da tranquilidade das suas consciências. Resignados por verem entrar nos serviços os mais pobres, os mais idosos e os mais abandonados dos seus concidadãos. Mantêm todas as reservas morais e fazem das fraquezas forças, quando os casos são graves, pois sabem que só eles e o seu SNS estão em condições de lhes deitar a mão amiga. Estranho paradoxo este, entre a desilusão e a teimosia na luta!

Sim, será sempre e tudo uma questão de prioridades. Haverá dinheiro para remir a banca, salvar a TAP, pagar honradamente a dívida, encolher o défice, tentar mesmo tímidas reformas, porventura na habitação, com sorte talvez na educação e na cultura. Dir-me-ão: e também no SNS. Pois sim, mas não se vê. Sobretudo, não se sente.