A convivência concorrencial versus complementar entre hospitais públicos versus privados é uma daquelas questões, entre muitas, que fazem parte do universo de temas polémicos e recorrentes que gravitam em torno da prática da medicina, da política e da economia e que está longe de receber uma abordagem consensual.

Do ponto de vista do “utente” o hospital público é geral, tem uma acessibilidade universal e equinânime, sem restrições de qualquer natureza, mas a resposta às solicitações é muitas vezes lenta e ultrapassa frequentemente os limites do razoável, quando não do desesperante e do clinicamente recomendado.

Pelo contrário, no hospital privado a acessibilidade é restrita e seletiva, mas a resposta é geralmente rápida ou imediata. O “cliente” tem ainda o privilégio da escolha livre do médico, da equipa ou da instituição, baseada nesse sentimento inestimável que é a confiança (um valor hipocrático).
Aparentemente, e numa matriz SWOT, a análise das fraquezas do hospital público parece facilmente inteligível, dada a fraca competitividade e ausência de adaptação às demandas do mercado, visão clara adotada pelo modelo de negócio do hospital privado.

Porém, as forças do hospital público, vivenciadas e valorizadas noutros tempos, assentam no vínculo profissional à instituição com uma remuneração digna, na possibilidade da progressão e ascensão aos graus mais elevados da carreira médica e na disponibilidade para o exercício de outras atividades correlativas, como é o caso do ensino ou da investigação.

Estas são as fundações de um hospital com evidentes repercussões na qualidade da assistência, no envolvimento e disponibilidade para a instituição e, porque não, na sua eficiente governabilidade e gestão. O regresso ao passado restituirá a confiança no hospital público, onde se formaram, desenvolveram e notoriamente se legitimaram os mais distintos professores clínicos nacionais.

Temos que reconhecer que os hospitais públicos são ainda, na atualidade e no nosso país, as grandes escolas de formação e só depois de adquirida experiência e maturidade, se encontram os seus profissionais em condições de ser recrutados para trabalhar nos hospitais privados que usufruem do privilégio (porventura, injusto) de selecionar discricionariamente os mais qualificados, sem que tenham contribuído de algum modo para a sua longa e dispendiosa educação e formação profissionais.

A moderna medicina hospitalar exige um novo modelo organizativo. Os constantes progressos da medicina exigem uma abordagem simultânea e
multidisciplinar para a grande maioria das patologias complexas de vários órgãos ou sistemas. O tempo de todos fazerem tudo com qualidade e
competência, sem volume de casuística que permita adquirir experiência e capacidade formativa acabou.

E, por isso, em defesa do hospital público elejamos uma gestão ímpar clínicoacadémica, que integre uma equipa multidisciplinar e que seja responsabilizada pelos resultados em saúde, pelos méritos académicos, pelo envolvimento da sociedade civil, pelo desenvolvimento de políticas de saúde pública e pela melhor governança dos recursos disponíveis.

Em defesa do hospital público, procuremos lideranças aguçadas que cativem os mais capazes com uma cultura organizacional apoiada em conhecimentos científico-académicos, capacidades humanistas e aptidões em formação e gestão, mas também com experiência e resultados clínicos reconhecidos pelos pares e publicados nas melhores revistas científicas e indexadas.

Em defesa do hospital público, distingamo-nos no trato humano, na eficiência diagnóstico-terapêutica, na preocupação e eficácia da prevenção, da
diferenciação de serviços-escola, na formação e preparação de equipas multidiferenciadas e no desenvolvimento e divulgação das ciências médicas.
Em defesa do hospital público, a defesa de uma instituição que valoriza os seus profissionais; Em defesa do hospital público, a defesa de uma escola que cativa e retém os seus melhores valores; Em defesa do hospital-público, a defesa da saúde, da formação e da investigação; Em defesa do hospital público, a defesa da diferenciação e da dignidade do médico-académico!