É com enorme alegria que me associo às comemorações do aniversário do Serviço Nacional de Saúde e do Dia Internacional da Democracia e que felicito as entidades promotoras desta reflexão, sempre activas na defesa dos valores essenciais da sociedade.
Nasci em tempos em que a cobertura sanitária do país era quase inexistente. Nasci em casa com a ajuda de uma parteira o que, se é certo que dava um ar de encanto arcaico, não pode fazer esquecer que muitos dos bebés que então nasciam nem esse apoio tinham e, ainda menos, a possibilidade de recurso a equipamento médico moderno.
Quando nasci, vivia-se em ditadura, com proibição dos partidos políticos e da liberdade de expressão, a falsificação das eleições e o espectáculo das cadeias para os presos políticos com o cortejo de horrores bem espelhado nos longos períodos de detenção e de tortura.
Apesar de algum conformismo social, muitos foram os que se opuseram a esse estado de coisas e muitos os que viveram o 25 de Abril que lhes pôs cabo. Dificilmente alguém poderá considerar que vivemos hoje numa democracia perfeita e que todos os problemas da saúde estão resolvidos mas, ainda assim e recusando o conformismo, há que admitir que muito se progrediu nesse campo, como no da escolaridade ou da segurança social.
Por nós, por aqueles que derrubaram a ditadura, pelas gerações que nos vão seguir há que continuar a lutar. A amargura que nos assalta os corações a cada acto eleitoral em que a extrema-direita triunfa ou mostra uma força que não se pensaria possível não pode ser paralisante, mas antes dar-nos energia para o combate necessário para seguir viagem sem permitir que a noite venha.
A íntima ligação entre a democracia e a resolução do problemas sociais era, aliás, assinalada logo no Programa do Movimento das Forças Armadas que se não ficava pela afirmação dos direitos políticos, mas antes apontava para uma nova política social que, em todos os domínios, terá essencialmente como objectivo a defesa dos interesses das classes trabalhadoras e o aumento progressivo, mas acelerado, da qualidade da vida de todos os Portugueses” (n.º 6, alínea b).
Sem ser uma Constituição, cuja aprovação os militares de Abril remeteram para uma Assembleia Constituinte a ser eleita por sufrágio universal, o Programa fixava directivas a seguir imediatamente que se colocavam no plano oposto ao da Constituição de 1933.
Poderá pensar-se que se, na sua execução não se foi tão longe quanto se devia ter ido nesse domínio e que um objectivo de consenso acomodatício prevaleceu, mas importa sublinhar que foram muito significativas diversas alterações, ainda que, por vezes a mudança não tivesse prevalecido tanto quanto devido. É este o caso do apoio à habitação, da segurança social, do combate ao analfabetismo e da saúde.
Em matéria de segurança social, o incipiente e insuficiente sistema de protecção que, conhecera alguns passos a partir de 1970, só progrediu no póst 25 de Abril e foi preciso esperar por 1984 para a aprovação da primeira lei de bases.
O combate ao analfabetismo assentou no esforço conjugado de diversas forças, tais como o Movimento das Forças Armadas, grupos católicos, organizações populares,. Nalguns casos notou-se uma conjugação dos objetivos educacionais com objectivos políticos.
Do mesmo modo, o apoio à habitação centrado no SAAL resultou em grande medida de uma acção voluntária que juntou populares e muitos dos melhores arquitectos portugueses.
Mas foi provavelmente no domínio da saúde que se verificou o movimento mais impactante com o lançamento do programa do serviço médico à periferia, graças ao qual muitas populações tiveram o seu primeiro contacto com profissionais de saúde, abrindo-se o caminho para o Serviço Nacional de Saúde. A generalidade dos médicos dessa geração considera que se tratou de uma experiência humana e profissional única. Estávamos bem longe dos dias de hoje em que dirigentes de movimentos estudantis de medicina protestam com o Governo por criar mais vagas para estudo da medicina.
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