Finalmente o dia chegou. A OMS declarou o fim da emergência mundial de saúde pública, provocada pela Covid-19. Em Portugal, estes três exigentes anos significaram 5.6 milhões de casos confirmados e 26.575 mortes.

Estes números não capturam toda a realidade, sofrimento e dificuldade que coletivamente passámos. Tivemos uma pressão sem precedentes nos hospitais, chegamos a ter, só por uma doença, praticamente mil pessoas internadas em cuidados intensivos. Mais do que a nossa capacidade total pré-pandémica! Foi preciso uma enorme mobilização de recursos, de infraestrutura, material de consumo e profissionais, para manter a resposta assistencial a funcionar.

A nível mundial, a Covid-19 foi a terceira maior causa de morte. Por toda a Europa, com as notáveis exceções da Noruega e Islândia, a doença causada pelo Sars-Cov-2 esteve sempre nas cinco maiores causas de morte. No Brasil, Peru ou em alguns estados dos EUA, as contas finais revelam que a Covid-19 foi mesmo a maior causa de morte. A rápida evolução viral não ajudou a melhorar estas contas. O terrível mês de janeiro 2021, causado essencialmente por má liderança alimentada pelo excesso de confiança, foi consequência direta da primeira variante, a agora longínqua e extinta alfa.

Fomos um exemplo mundial na forma como executamos o nosso plano de vacinação. Os profissionais e a população foram extraordinários na forma como desempenharam o seu papel, garantido que a situação epidemiológica em Portugal rapidamente apresentasse melhorias. Portugal doou cerca de 7 milhões de doses, dando um contributo para a saúde global superior ao seu peso.

Este capítulo terminou. Está na hora de o reler criticamente. Muitas das nossas ações foram bem decididas, à luz do conhecimento que se sabia na altura. Outras vieram a comprovar-se que não foram tão felizes. Precisamos desta análise aprofundada, de um verdadeiro relatório independente sobre o nosso desempenho durante a pandemia. Teremos mais problemas de saúde pública no futuro, pelo que será essencial produzir uma reflexão séria com as lições que retiramos da resposta à Covid-19. De uma forma simples, este relatório deve responder a estas duas questões: O que correu bem e deve ser mantido? O que não correu bem e deve ser alterado?

Podemos ir mais longe na reflexão, pensando na forma como a preparação pandémica é efetuada e planeada. O problema não é exclusivo nacional, mas a Covid-19 expôs as grandes lacunas que existem na preparação para emergências de saúde pública. Ao ritmo que o mundo investia na preparação pandémica, seriam precisos 500 anos para cobrir o custo que tivemos com a pandemia. Podemos certamente fazer melhor. Desde melhores programas de vigilância epidemiológica, aumentar as reservas de materiais de consumo clínico, investir em sistemas informáticos capazes de processar a enorme quantidade de informação que é necessária, e garantir o acesso equitativo a tecnologias, medicação e vacinas necessárias para combater a pandemia. Sem esquecer a necessidade urgente de formar e reter os profissionais de saúde. Os vírus não conhecem fronteiras e aproveitam-se das fragilidades que as sociedades criam. Num mundo onde a maior fragilidade é a ausência de solidariedade, será sem dúvida esta a porta de entrada de futuras ameaças microbiológicas.

Foi com enorme esforço e sofrimento que ultrapassámos esta ameaça, vamos retirar as lições necessárias para que não tenhamos de passar pelo mesmo no futuro.