O mote da conversa é-nos dado pela própria obra e pelo curioso início de vida a dois do diretor artístico, o David, e da nutricionista, a Luise. Nove anos volvidos desde o início da relação, o vegetariano pouco convicto e a carnívora muito consciente da sua saúde tornaram-se verdadeiros especialistas na arte de cozinhar criativo, saudável e com sabor. Algo que os autores partilham nesta entrevista que não esquece, também, a responsabilidade de educar as crianças para uma alimentação equilibrada. David e Luise têm três filhos.

A vossa mudança de dieta é muito inspiradora e entronca na vida que partilham a dois. Querem contar-nos essa história?

David: Conhecemo-nos há nove anos em Roma e à época eu era vegetariano há quase duas décadas. Contudo, num país como Itália, é difícil fugir à massa e à comida mais pesada e, claro, aos gelados. Quando conheci a Luise, num local onde se ia dançar, a minha mulher não era vegetariana, mas comia carne e vegetais de uma forma muito equilibrada. No início do casamento, foi difícil conciliar estas duas dietas. Concluímos que tínhamos de aprender a cozinhar a dois. A Luise acabou por reduzir a carne e o peixe, aprendeu a cozinhar vegetariano muito bem e eu tive de aprender a cozinhar coisas mais leves. Aprendi tudo sobre cereais integrais, quinoa, adoçantes naturais.

Ou seja, mudou a vossa vida e, também, o conteúdo da despensa e frigorifico em vossa casa, certo?

Luise: Sim, a cozinha da nossa casa está repleta de vegetais, cereais integrais, fruta fresca e fruta seca, sementes. Vai encontrar gorduras boas, farinhas como por exemplo a de araruta, a de castanha, a de centeio, ou de espelta. Temos uma “coleção” com centenas de ingredientes.

Parece aliciante. Mas por vezes não basta pensar em começar, é preciso, efetivamente, arrancar com a dieta vegetariana. O que podem dizer a alguém que quer dar esse salto?

Luise: É simples, não devemos retirar logo os doces ou a carne da dieta. O que fazemos é acrescentar vegetais e fruta, entre outros alimentos saudáveis. Desta forma o corpo começa a habituar-se. Outra estratégia é começar um dia na semana dedicado apenas ao vegetariano ou, por exemplo, um fim-de-semana sem açúcar

David: Regra geral, a forma como as pessoas planeiam as suas refeições faz-se em função da carne e dos hidratos de carbono pesados, como a massa e o arroz. Deverá, antes, ser em função dos vegetais. Eles estão sempre ao lado da carne e do peixe. Devemos inverter esta lógica e ver a proteína animal como o acompanhamento, em pequenas quantidades, dos vegetais.

Todas estas abordagens que acabam de referir vamos encontrá-los no vosso livro, “Vegetariano Todos os Dias”. Como nasce esta obra?

Luise: Este é o nosso primeiro livro e decorre do blogue que gerimos há vários anos, o Green Kitchen Stories. O livro tem uma introdução à cozinha vegetariana, onde contamos a nossa história, tem inúmeras dicas e conselhos e, claro, muitas receitas, sendo que são simples e algumas transpostas do blogue.

David e Luise, o casal que inspira pessoas em todo o mundo a cozinhar saudável

David: Sim, este é um sonho que se concretizou. Tal como disse a Luise, introduzimos alguma informação básica, como, por exemplo, o que ter na despensa e no frigorífico. Isto no sentido de auxiliar quem começa.

Ao lermos o livro encontramos uma grande diversidade de alimentos e combinações entre eles. Estamos a falar de uma cozinha muito criativa, ao contrário do que se usou pensar no passado?

Luise: Exato e é uma cozinha muito sazonal. Os vegetais e fruta da época são, regra geral, mais baratos, mais saborosos e nutritivos e provenientes de produtores locais. A variedade também é muita. Logo aqui temos uma interessante base para começar a criar.

David: Se ao que a Luise acaba de dizer acrescentarmos aos poucos outros ingredientes vamos “construindo” a despensa para quando surge a oportunidade de produzir uma receita saudável. Se na sua despensa tiver mel em vez de açúcar está a usar algo mais natural para adoçar.

Certo, mas falem-nos na combinação de ingredientes.

David: Nas nossas receitas aplicamos criatividade, mas respeitamos princípios nutricionais, ou seja, vai encontrar as proteínas vegetais, os hidratos de carbono [ex. feijão, grão]. Também jogamos com a textura que pode ser suave, crocante. Ainda com os contrastes, por exemplo entre o doce e o amargo.

Luise: Sim, pode criar uma receita partindo da lentilha, tem os ai os hidratos de carbono e associá-la a vegetais assados. A partir de determinados elementos é fácil escolher a composição do prato. E, claro, com a ajuda de um livro este processo torna-se mais fácil.

Quais os ingredientes imprescindíveis na vossa cozinha?

Luise: Uma pergunta difícil [risos]. Diria, as lentilhas, nozes, sementes, tubérculos, vegetais frescos, ovos, queijo, leites vegetais…

David: … bagas congeladas, para fazer smoothies bebidos ao pequeno-almoço.

As receitas que encontramos em “Vegetariano Todos os Dias” obrigam-nos a passar muito tempo na cozinha?

Luise: Há atalhos, as lentilhas e os feijões podem ser pré-cozinhados. Um dos problemas que temos hoje em dia é a falta de tempo e, dai, decorrem muitos erros, como por exemplo a procura de comida fácil, como o fast food. As pessoas têm de perceber que se querem comer melhor têm de passar mais tempo na cozinha. Não é tempo perdido. Estão a contribuir para uma vida mais saudável, mais longa e a prevenir problemas futuros.

David: Repare, demora o mesmo tempo a fazer uma dose para dois como para quatro. A restante comida pode ser conservada no frigorífico ou congelada. Estamos com isso a rentabilizar o nosso tempo. Por exemplo, o molho de tomate pode ser congelado.

Já viajaram um pouco por todo o mundo. Qual o país onde se identificaram de forma mais profunda com a alimentação?

David: No sul da Europa os produtos são muito frescos, o sabor excelente e com poucos ingredientes fazem-se excelentes pratos. A cozinha mediterrânica tem excelente azeite e vegetais.

Luise: Na Tailândia a população cozinha os vegetais e depois adiciona-lhes o tofu, ou o peixe e carne de galinha. Ou seja, estamos perante um caso de proteína animal a acompanhar os vegetais.

David e Luise, o casal que inspira pessoas em todo o mundo a cozinhar saudável

A Luise e o David são pais. É natural que em vossa casa as crianças pratiquem uma alimentação semelhante à vossa. Sabemos como é difícil pôr os pequeninos a comer vegetais. Que estratégias podemos utilizar?

Luise: De facto é um tema de abordagem complexa porque estamos rodeados de muitas opções pouco saudáveis. Basta olhar para os lineares dos supermercados, para a oferta nos centros comerciais. No nosso caso, os nossos filhos, desde muito pequenos, foram habituados à cozinha que praticamos em casa. Os pais têm de estar de acordo e encontrar um equilíbrio entre a alimentação que praticam e a dos filhos.

David: É claro que nem toda a gente consegue introduzir os vegetais e cereais integrais na alimentação da criança desde o início. Mas podemos evitar os açúcares processados. Um conselho que costumo dar é recorrer a um misturador ou liquidificador. Pode, por exemplo, misturar espinafres ou brócolos na massa das panquecas. A banana é sempre boa para disfarçar estes sabores.

Já provaram a cozinha portuguesa. Qual é a vossa opinião?

Luise: Adoramos a cozinha portuguesa, tem muitos vegetais de qualidade, queijos e um excelente peixe. As sopas tradicionais com vegetais são muito boas e encontramo-las em todo o lado e a um preço muito acessível.

David: Gostamos da forma como os portugueses cozinham e partilham a comida.

Prepare duas receitas propostas por David e Luise, uns Rolinhos de omelete com maçã e requeijão e um Bolo de panquecas de frutos de verão.

Fotos: Casa das Letras

Texto: Alexandra Rebelo Costa