Marina Caldas é jornalista de saúde há mais de uma década. Mas há 15 anos, quando lhe foi diagnosticada colite ulcerosa, ainda não fazia a mínima ideia do que era a Doença Inflamatória Intestinal (DII), da qual fazem parte a colite ulcerosa e a doença de Chron.

Quando surgiram os primeiros sintomas – «diarreias que não paravam com nenhum dos medicamentos normais, hemorragias que davam medo, cólicas, cansaço, emagrecimento…» –, não esconde que pensou no pior: «Pensei logo que tinha cancro ou VIH/Sida, porque dois anos antes tinha recebido transfusões de sangue, altura que coincidiu com a situação dos lotes de sangue comprados no exterior em condições pouco esclarecidas», refere.

No entanto, felizmente, no seu caso, o diagnóstico foi outro. «Lembro-me que fui ter com o Dr. Jorge Fonseca, gastrenterologista no Hospital Garcia de Orta, em Almada, numa manhã em que já não aguentava mais e percebi que precisava urgentemente de ajuda. Ele não perdeu tempo. Disse-me para voltar para casa e fazer, de imediato, a preparação para a colonoscopia e para voltar ao hospital à tarde. Feito este exame, disse-me imediatamente que tinha doença inflamatória intestinal, e que era uma colite ulcerosa. Suspirei fundo, pensando «boa, não é cancro nem VIH/Sida, mas sem noção nenhuma do que me esperava», admite.

Na verdade, Marina Caldas não tinha qualquer ideia de como uma doença, que é crónica, podia interferir no seu dia-a-dia e condicionar a sua vida. Por isso mesmo, passou por várias fases. «De início pensei que tudo ia ser muito simples e não me capacitei que tinha uma doença crónica, que ia acompanhar-me sempre até ao final da minha vida. É que quando as crises passam até parece que está tudo normal, que não estamos doentes. Mas depois, com o passar do tempo, vamos percebendo que não é bem assim», reconhece a jornalista.

«Por exemplo, sempre fiz desporto. Fui atleta federada de Atletismo no Sporting Clube de Portugal e, antes da doença aparecer, passava uma a duas horas por dia no ginásio e fazia cerca de 300/400 abdominais. Hoje, isso é completamente impossível. Tenho de ter cuidado com tudo o que exercite muito a zona abdominal, por exemplo. Quando me capacitei que não havia nada a fazer e, ciclicamente, a crise ia aparecer – quando menos esperava, estragando muitas vezes projectos em que estava envolvida –, comecei a estar atenta aos sinais para, de alguma forma, dar a volta à situação», conta.

Marina Caldas reconhece que foi um período complicado. «Tomava
corticóides em altas dosagens porque as crises eram intensas e ficava
muito irritada, desconfortável, inchada e sem paciência para nada»,
admite.

Foi por esta altura que decidiu deixar de comer
carne. «Fui percebendo que as crises iam diminuindo e
que, mesmo quando apareciam, eram mais fracas. Foi uma descoberta
incrível, a de perceber que, embora condicionada, podia voltar a fazer
coisas que pensava nunca mais ser possível. Hoje, não tomo medicação no dia-a-dia e as crises são tratadas
com os fármacos mais simples, nada de corticóides ou biológicos, apesar de saber que esta realidade pode mudar», explica.

A importância de aceitar

«Aceitei a doença com naturalidade porque não sabia o que tinha pela frente. A angústia e a revolta vieram depois, quando fui percebendo que a minha vida tinha mudado para sempre. Mas como sou 100 por cento positiva, rapidamente arranjei mecanismos para alterar essa postura. Não tenho muito tempo na vida para ficar angustiada ou revoltada. Se a realidade é essa, então temos de aceitar e de fazer da doença não uma inimiga mas algo que faz parte de nós e com a qual temos de conviver. É uma questão de adaptação», confessa.

E, ao longo dessa aprendizagem, Marina Caldas foi conquistando os seus próprios mecanismos de defesa: «Fui ganhando qualidade de vida conforme fui conhecendo a doença e percebendo de que forma ela actuava em mim. Porque, segundo sei, ela é diferente de pessoa para pessoa. Além disso, o facto de ter criado uma relação óptima com o meu médico ajudou-me muito a entender o que posso ter pela frente e de que forma posso apoiar-me nas estruturas que me defendem. E sei também que tenho de estar muito vigiada, porque se algo acontecer a intervenção tem de ser rápida», explica.

«Hoje, tenho uma crise por ano, não tomo medicação, e faço uma alimentação super saudável à base de legumes, frutas, cereais, peixe, marisco, etc. Há, no entanto, alimentos que não ingiro: carne, leite (substituí por leite de soja), cerveja (mas não dispenso um copo de vinho tinto a cada refeição), bolos e doces (é muito raro). Por outro lado, tenho de ter muito cuidado com os alimentos ácidos como laranja, limão e mesmo alguns legumes», conta.

Pensar de forma positiva

O factor psicológico é, na sua opinião, muito importante. «No meu caso, o
factor psicológico é que determina, em grande parte, o aparecimento das
crises. Basta estar com demasiado trabalho e stress (que estou sempre)
para que a doença, mais

dia, menos dia, apareça. Nunca tive uma crise em férias, por exemplo, nunca tive uma crise sempre que me sinto muito feliz...

As
crises aparecem quando não estou bem, disso não tenho dúvidas. Por
isso, procuro estar sempre bem, o que é difícil, tendo em consideração a
vida que tenho, mas a verdade é que se consegue. Tenho uma coisa a meu
favor: deito sempre tudo para fora! Não guardo nada. Nem ideias, nem
rancores, nem ódios. Isso ajuda! Por outro lado, tenho a sorte de poder
não ir trabalhar se não me sentir bem. Mas sei que nem todas as pessoas
têm essa possibilidade e muitas não podem deixar de trabalhar quando
entram em crise, ou ir de férias para o estrangeiro para descontraírem,
ou mesmo tirar um sábado e ir para a talassoterapia para relaxar…

E
é por isso que defendo que os doentes crónicos necessitam de um
acompanhamento especial e de um plano de acção para a sua própria
doença. É aquilo de que se começa a falar muito e se denomina por Gestão
da Doença Crónica. Muito pode ser feito pelo doente e pelas associações
que o representam, mas há uma parte da intervenção que cabe ao
Governo», defende. Marina Caldas – que a brincar diz ter mais de 40 e
menos de 55 anos –  assume que é extremamente reconfortante sentir a
compreensão dos que estão à sua volta.

«Sempre tive apoio de toda a gente com quem me relacionei –
família, amigos e mesmo no trabalho – porque nunca escondi a realidade.
Acho que isso é meio caminho andado». Contudo, fora desse círculo mais
restrito, isso nem sempre acontece. «Às vezes sinto que as pessoas se
estão nas tintas para o facto de eu estar ou não doente. Nem sequer
imaginam o mal-estar que se sente, física e psicologicamente, quando
estamos em crise. E, ou ficamos em casa, isolados e a sofrer, ou vamos
trabalhar porque às vezes até se consegue – já cheguei a gravar quatro
programas seguidos com uma crise brutal – e tentamos ultrapassar, nós
próprios, a situação. Socialmente é mais complicado».

«A nossa
vida fica muito condicionada pela localização da casa de banho, porque o
problema principal da doença é a diarreia constante. Já anulei muitos
compromissos porque estava em crise», reconhece. O segredo parece ser
pensar um dia de cada vez e tentar, com calma e paciência, ultrapassar
pequenos obstáculos diariamente: «Tento viver normalmente», afirma com
um sorriso.

Os conselhos de Marina Caldas

1. Pensar positivo

«Vejam a doença como algo menos bom com que temos de viver, mas não se centrem na tristeza e na angústia, nem façam do “não posso fazer isso porque a doença não deixa” a vossa mensagem diária. Pelo contrário, assumam que têm a doença, expliquem a todos os que estão à vossa volta os problemas que têm de enfrentar e dêem a volta por cima. A doença é crónica mas só nos mata se nós deixarmos.»

2. Partilhar experiências

«Conhecer pessoas com o mesmo problema que nós é positivo. Claro que é óptimo saber que não somos só nós. No entanto, também é mau perceber que a doença tem vindo a aumentar e que atinge cada vez pessoas mais novas e que vão ter problemas para o resto das vidas.»

3. Controlar a alimentação

«Saiba escolher os alimentos que lhe são benéficos e eliminar os que lhe são prejudiciais».

4. Procurar ajuda médica

«Sei que há casos complicadíssimos em que os doentes passam anos à espera do diagnóstico correcto. Quanto mais depressa for diagnosticada a doença, mais cedo começa a saber enfrentá-la. É muito importante estabelecer uma relação de confiança com o seu médico e estar o mais informada possível.»

Texto: Joana Martinho com Marina Caldas (jornalista)
Fotografia: António Homem Cardoso