As dúvidas, apesar do excesso de informação dos dias de hoje, são muitas. Afinal de contas, o que é um ensaio clínico? Como se processa? E, em vez de ratos de laboratório, utilizam-se os humanos como cobaias? Participar nestes estudos envolve riscos? Resolvemos regressar à fase inicial da conceção e do desenvolvimento dos medicamentos, para que possamos saber como é feita a sua entrada no mundo dos fármacos maiores de 18 anos.

Os ensaios clínicos são, em termos científicos, investigações em que se testa, em seres humanos, a eficácia e reacção a novos medicamentos ou novas opções de tratamento de determinadas patologias, como é o caso das vacinas, dos aparelhos, das terapias genéticas e por aí fora... Apesar do exemplo nacional que demos atrás, o objetivo maior de um ensaio clínico não é tratar os intervenientes.

Mas, sim, recolher dados que contribuam para o avanço científico e que permitam avaliar se o medicamento ou tratamento tem pernas para andar, como se diz na linguagem popular, para avaliar se o seu desenvolvimento, a sua produção e, posteriormente a sua comercialização, são opções válidas e seguras. Uma situação que, para desanimo dos especialistas envolvidos no processo, nem sempre se confirma.

Os requisitos necessários para a validação de um fármaco

Para que estes estudos possam ser postos em prática é necessária a existência de voluntários, de várias raças e de ambos os sexos, assim como dos chamados patrocinadores. Em Portugal, a maior parte dos ensaios clínicos é promovida pela indústria farmacêutica e, pelo número elevado de doentes que é necessário, estes estudos são geralmente realizados a nível mundial, enquadrando-se nos planos internacionais de desenvolvimento de novos medicamentos.

Regra geral, como à partida seria de esperar, os exames realizados, assim como os tratamentos, não têm custos para os participantes e, por vezes, nalguns países, uma situação cada vez mais comum, os voluntários recebem uma remuneração pela sua intervenção. Todos aqueles que participam num ensaio clínico devem estar, a priori, a par do objetivo, dos riscos e das várias fases que a investigação vai atravessar.

Esta é levada a cabo de acordo com regras estabelecidas por instituições próprias, como o Infarmed, Autoridade Nacional do Medicamento e Produtos de Saúde, em Portugal ou o Food and Drug Administration (FDA), o regulador de saúde norte-americano. Só depois de esclarecidos é que os voluntários devem tomar a sua decisão. Em caso afirmativo, devem assinar uma declaração que reforça a sua livre vontade em participar no estudo.

Cabe ao responsável pelo ensaio clínico assegurar que os voluntários têm consciência que, apesar de estarem a contribuir, indiretamente, para ajudar pessoas que estão ou que ficarão doentes, é incontornável que irão, de facto, experimentar um fármaco ou tratamento que ainda coloca dúvidas ao nível da eficácia e da segurança. Na maioria dos casos, os efeitos secundários provocados pela toma do fármaco são temporários.

Muitos deles tendem a desaparecer quando o ensaio clínico termina, mas é de salientar que algumas reações podem surgir apenas a posteriori, pelo que é fulcral que o voluntário esteja a par dos riscos que corre, o que depende muito do tipo de patologia e do fármaco ou tratamento que está a ser testado. Um pouco por todo o mundo, realizam-se anualmente milhares de ensaios clínicos.

O que se passa num ensaio cego

Nalguns ensaios clínicos os participantes são divididos em dois grupos, sendo que a um deles é administrado o fármaco experimental e ao outro é dado um medicamento placebo, uma substância inativa e absolutamente inócua mas que, em termos de aspeto, é semelhante ao do fármaco em causa. Saliente-se que o suposto doente não sabe, à partida, se está a tomar o medicamento verdadeiro ou uma imitação.

Muitas das vezes nem mesmo os investigadores estão a par dessa informação. O intuito deste secretismo mútuo é assegurar que as reações manifestadas são genuínas e que a eficácia do medicamento é analisada e comparada de forma objetiva. Conheça, de seguida o ciclo de vida de um medicamento. São quatro as fases de um ensaio clínico, para que não hajam surpresas:

Fase I

Depois de ser testado em laboratório, um novo fármaco ou um novo tratamento, pode ser testado em humanos. A primeira etapa consiste em administrá-lo a um pequeno grupo de pessoas, o mais comum é selecionar uma amostra que integre entre 20 a 80, para averiguar que é seguro, para que se possam identificar as doses máximas toleradas e apurar os efeitos secundários.

Fase II

O fármaco ou tratamento é então administrado a um grupo maior, aqui já entre 100 a 300 pessoas, para que se avalie se é eficaz e se obtenham mais dados relativos à sua segurança, às possíveis reações adversas e à dose média recomendada.

Fase III

Nesta etapa, entre 1.000 a 3.000 pessoas vão experimentar o novo medicamento ou tratamento, com o intuito de comprovar a eficácia deste, comparando-o com outros já existentes, assim como monitorizar e tentar minorar os efeitos secundários verificados.

Fase IV

São procuradas informações adicionais, incluindo os riscos que o fármaco ou tratamento coloca, os benefícios e as condições óptimas para que seja eficaz. Este tipo de ensaio clínico pode ter lugar depois do fármaco ou do tratamento ser aprovado pela instituição que o regula, como por exemplo a FDA e o Infarmed. Pode igualmente acontecer que o objetivo desta investigação seja alcançar as dosagens ideais ou ainda identificar novas fórmulas e/ou indicações.

Texto: Teresa d'Ornellas