Notícias sobre níveis elevados de arsénio presentes no arroz levaram o programa «Trust Me I’m A Doctor», da BBC, a querer apurar certezas científicas sobre o tema e o que podemos fazer para reduzir o risco de ingestão de quantidades elevadas deste metal potencialmente tóxico, que é considerado fator de risco de doenças como o cancro. O programa, conduzido pelo médico Michael Mosley, apurou junto de Andy Meharg, professor de biologia da Universidade de Queen’s e um estudioso do problema, que «o arroz basmati contém índices mais baixos de arsénio do que o arroz branco, devido à casca».

As revelações não se ficam, contudo, por aqui. «O arroz integral tem mais arsénio que o arroz branco devido à casca e o facto de o arroz ser cultivado de forma biológica não interfere nos níveis de arsénio. Os bolos e as bolachas de arroz podem conter níveis mais elevados de arsénio do que o arroz cozinhado e os níveis de arsénio identificados no leite de arroz excedem, em muito, as quantidades permitidas na água potável», refere.

O tema tem especial interesse para nós, portugueses, os campeões da Europa no consumo deste cereal. Em média, registamos um consumo de cerca de 15,8 quilos per capita por ano. Se, além do arroz, é apreciador de outros cereais, veja também a galeria de imagens com os melhores cereais para o pequeno-almoço.

O que é o arsénio?

A pergunta impõe-se. «É um elemento que existe naturalmente no ambiente (sobretudo, no solo e na água), e algumas atividades humanas, como a mineração, têm contribuído para aumentar a quantidade em circulação», esclarece Margarida Silva, professora da Escola Superior de Biotecnologia da Universidade Católica Portuguesa. Existem dois tipos de arsénio, explica a especialista.

«Diz-se orgânico quando está associado a átomos de carbono. Se não estiver, chama-se inorgânico, e é esta versão que tem sido mais diretamente relacionada com problemas de saúde e, como tal, deve ser a mais evitada. De acordo com a Organização Mundial da Saúde, a exposição de longo prazo ao arsénio pode provocar cancro, diabetes e outras patologias, existindo também algumas evidências de que possa estar associado à falência renal», esclarece.

Porquê o arroz?

A resposta não tarda. «Pensa-se que o facto de este cereal ser cultivado em terrenos alagados lhe permite absorver arsénio da água durante mais tempo e num formato químico mais tóxico. No entanto, pode existir igualmente no arroz uma apetência natural para a acumulação do arsénio superior à maioria dos outros alimentos. De qualquer forma, se o ambiente agrícola contiver arsénio, todas as produções ficam (mais ou menos, consoante a planta) contaminadas», esclarece a especialista em biotecnologia.

«O arroz fica ou não contaminado pelo arsénio consoante o estado do solo e da água onde estiver a ser cultivado. Além disso, certos fertilizantes e pesticidas (alguns já proibidos, mas ainda presentes no solo) contêm ou estão contaminados por arsénio e, onde tiverem sido aplicados, vão contribuir para aumentar a presença desta toxina no arroz», afirma Margarida Silva.

«Quanto maior a proporção de arroz num alimento, maior o risco de exposição ao arsénio, nunca esquecendo que, no limite, se o solo e a água não estiverem contaminados, também pode haver arroz sem arsénio. Por outro lado, pode haver arsénio noutros alimentos sem arroz, simplesmente por causa do local onde foram cultivados», acrescenta ainda a especialista.

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Como escolher o arroz?

A Comissão Europeia definiu os valores máximos permitidos para o arsénio inorgânico no arroz e alimentos derivados dele (entre 0,2 e 0,3 mg/kg).  «No caso de arroz para bebés, o limite é mais apertado (0,1 mg/kg)», conta Margarida Silva. Ora, para que o consumidor possa fazer uma escolha mais criteriosa, «as empresas que comercializam este cereal deviam incluir a informação na embalagem», o que na prática não acontece.

Face à informação disponível, a especialista em biotecnologia considera que «o mais importante é escolher arroz cultivado em zonas com baixo teor de arsénio no solo e na água». «Algumas variedades de arroz estão associadas a uma menor contaminação por arsénio, o que pode mudar a qualquer momento. Tudo depende do local onde forem produzidas e dos químicos aplicados (no passado e na atualidade)», refere.

Face aos dados atualmente disponíveis, segundo Margarida Silva, «a produção portuguesa não parece ser das mais preocupantes». Na opinião de Carmo Cabral, nutricionista, «se consumido de forma moderada, a eventual presença de arsénio no arroz não coloca a saúde em causa, mas é importante escolher um arroz de origem conhecida, evitando zonas cujo ambiente está poluído por metais pesados, como é o caso da Índia ou o Bangladesh».

O arroz biológico é mais seguro?

O arroz cultivado com métodos biológicos, sem recurso aos tradicionais pesticidas, também contém arsénio. Dado que este elemento se «encontra naturalmente presente na terra e na água, as plantas absorvem-no independentemente de serem cultivadas de forma convencional ou biológica», indica o site da Food and Drug Administration (FDA). Segundo Margarida Silva, começam, contudo, a surgir dados que revelam uma ligação entre o arsénio e o uso de glifosato, «o herbicida mais usado em Portugal e no mundo».

«É possível que este químico dissolva o arsénio estabilizado no solo e, assim, aumente a quantidade que passa para as plantas. Evidências preliminares apontam para um triângulo preocupante entre o glifosato/ arsénio/colapso da função renal em agricultores e não só», acrescenta ainda.

Quem está mais exposto?

Segundo um estudo publicado no jornal Epidemiology, divulgado pelo Science Daily, «pessoas que seguem uma dieta sem glúten [cujos produtos alimentares contêm frequentemente farinha de arroz em substituição da farinha de trigo] podem estar em risco de uma maior exposição  ao arsénio e mercúrio». O estudo da UIC School of Public Health analisou 73 participantes, entre os seis e os 80 anos, que seguiam este tipo de alimentação.

A análise dos investigadores constatou que tinham na urina «quase o dobro dos níveis de arsénio e que os níveis de mercúrio eram 70 por cento mais elevados». Carmo Cabral considera, contudo, que «dietas sem glúten bem feitas», em que, entre outras características, o arroz não é um elemento central, «não serão necessariamente mais ricas em arsénio».

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O caso das crianças

De acordo com a nutricionista, «pessoas com problemas hepáticos, renais ou com alterações no metabolismo» são mais vulneráveis ao risco da presença de arsénio no arroz. Em relação às crianças, a nutricionista não concorda «com a inclusão de papas de arroz na sua dieta. Existem outras fontes de nutrientes mais recomendadas, ricas em zinco e ferro, que podem ser incluídas na dieta das crianças, nomeadamente sopas com carne».

Como explica a FDA, tem-se usado «o arroz para bebés durante muitos anos porque é isento de glúten e raramente causa reações alérgicas», mas, «segundo a Academia Americana de Pediatria, não há evidência clínica de que o arroz tenha alguma vantagem sobre outros cereais enquanto primeira comida sólida, e os bebés provavelmente beneficiariam de uma maior variedade de grãos de cereais».

Variar a alimentação

A rotina é inimiga da sua saúde. «O elevado índice glicémico do arroz, o facto de ser pobre em nutrientes, de sermos uma população sedentária e de não necessitarmos de ingerir quantidades elevadas de hidratos de carbono são razões mais pertinentes para se restringir o consumo deste cereal do que a presença de arsénio, ainda que essa possa ser uma das razões para não incentivar o seu consumo», considera Carmo Cabral.

A nutricionista lembra que, na verdade, «toda a nossa dieta tem contaminantes». «O peixe tem mercúrio, o salmão tem bifenilos policlorados (PCB), as aves têm dioxinas, os legumes têm pesticidas. Temos de aprender a escolher e a identificar a origem dos nossos alimentos, mas uma refeição diária que inclua arroz não colocará em causa a saúde, sobretudo se for enriquecido com outros ingredientes, como carne, peixe e legumes», enumera.

«O segredo é seguir uma dieta variada e nutritiva, e, se assim for, o teor de arsénio do arroz não será um problema», assegura a especialista. Ao fazer essa variação, reduzimos a exposição a focos de eventual intoxicação», acrescenta Carmo Cabral.

Como cozinhar o arroz para reduzir a ingestão de arsénio:

- Os cuidados a ter antes de o cozinhar

«Aconselha-se que o arroz seja demolhado cerca de 12 horas (de um dia para o outro)  e depois lavado sob água corrente», indica Carmo Cabral. Testes divulgados pelo programa «Trust Me I’m A Doctor», da BBC, revelaram que, ao usar-se «cinco porções de água para uma de arroz durante a cozedura, apenas 43 por cento de arsénio se mantém». «Se o arroz tiver sido demolhado durante a noite, esses valores reduzem-se até aos 18 por cento», afirmam os especialistas.

- As precauções a ter depois de o cozer

Carmo Cabral esclarece que «a temperatura de cozedura não elimina o arsénio, pois os metais pesados não são sensíveis ao calor». Durante a cozedura, o arsénio liberta-se do arroz e dissolve-se na água. É aconselhável deitar fora a água em que o arroz foi demolhado «e depois cozê-lo como quem coze esparguete. Em muita água e, no fim, escorrer», recomenda Margarida Silva.

Texto: Carlos Eugénio Augusto e Nazaré Tocha com Margarida Silva (professora da Escola Superior de Biotecnologia da Universidade Católica Portuguesa) e Carmo Cabral (nutricionista  da NutriScience)