Com matizes aromáticas notoriamente especiais, existe um ingrediente com um nome e um lugar muito próprio na gastronomia: o “ouro líquido” de Homero, que constitui hoje, numa selecção ordenada de regiões e em diferentes tipos, o começo da refeição nalguns dos melhores restaurantes do País.

Trata-se de uma apropriadíssima designação, “ouro líquido”, ou não tivesse servido o azeite, durante séculos, como real moeda de troca nas mais variadas sociedades – desde logo na nossa península, onde já com os visigodos, pensando precisamente na produção de azeite, foram criadas normas que penalizavam a destruição das oliveiras.

Vale mesmo a pena deixar-se envolver na redescoberta deste alimento extraído do fruto da “olea europaea”, numa verdadeira prova cega. Distribua os vários azeites por pequenos copos de vidro, aconselhavelmente escuros, assim evitando que a cor dos azeites influencie a sua percepção sensorial. Vá dando pequenos goles, alternadamente, deixando que o azeite em prova se espalhe por todo o interior da sua boca. E descortine a sua acidez, a doçura, o sal que contém e a suave gordura, o eventual sabor frutado, se é mais ou menos maduro, o oxigénio que entretanto adquiriu, e quase adivinhando as suas tonalidades… qual prova de vinho! Permita-se entender como os azeites mais verdes têm aromas mais frutados. Ou saber por que é que os sabores metálicos ou avinagrados são detalhes de qualidade negativos. Ou, ainda, a razão pela qual o picante ou o gosto amargo indiciam a presença de polifenois, tal como no vinho, que no azeite também pode desfrutar, com o acompanhamento adequado. Faça uma viagem pelos azeites portugueses, de região em região, e descubra por si mesmo que os transmontanos evidenciam frutos secos no aroma, embora picantes; que os ribatejanos – sendo colhidos com as azeitonas já bem maduras, como vi correctamente sublinhado pelo chefe Vítor Sobral – são encorpados e de sabor a fruta doce; que os beirões são moderados e tranquilos; e que os alentejanos são frutados, embora os encontre também picantes, mais na parte norte do Alentejo – tal como em Moura, cujos azeites evocam maçã, mas têm um amargo distintivo.

Pode ir um pouco mais longe, prosseguindo viagem por Espanha, para reconhecer “castas” olivais distintas e mimadas, como por exemplo a apreciada Arbequina (mais fácil de encontrar na zona de Lerida e em Tarragona, na Catalunha), cujas pequeninas azeitonas dão origem a azeites com matizes fortes e equilibradas, azeites amendoados que lembram vegetais da horta e permanecem longamente na boca. Não vai esquecê-los!

Continue esta deliciosa viagem por Itália, cujos azeites, intensamente verdes na cor e grossos no cair – porque feitos com azeitona muito madura, o que lhes confere uma textura frutada e mais redonda –, revelando maior ou menor acidez, são fantásticos para usar, por exemplo, em cozinhados quentes. Dê agora um salto ao outro lado do globo, à Austrália. Trata-se de um enorme e variado produtor de azeites que se caracterizam, fundamentalmente, pela sua leveza e doçura – o que pode chocar o consumidor português, mais habituado a azeites fortes e encorpados. Mas não deixe de provar, se puder, azeites produzidos na América do Sul, sobejamente apreciados e com características similares aos azeites portugueses, e escolha o vinho adequado ao azeite utilizado na concepção gastronómica, considerando que os vinhos tintos de taninos francos e abertos – bem como a generalidade dos vinhos jovens – solicitam pratos confeccionados com azeites mais leves, frutados e doces.

Como usar azeite …com todo o prazer:

Para além do grau de acidez do azeite, no momento da compra verifique qual é a sua região de proveniência, com o objectivo de percepcionar as diferenças de sabores e aromas, e nunca se esqueça de verificar o prazo de validade, que deve ser de 12 meses, no máximo. Se puder, escolha garrafas mais escuras, que evitem que a luz deteriore o produto. Fuja também das latas cujos pontos de solda possam provocar oxidação interior.

Armazene este “ouro líquido” com todo o cuidado – num local escuro e seco –, preferencialmente em recipientes hermeticamente fechados de vidro ou de aço inoxidável. Quando utilizar o recipiente, abra-o e feche-o rapidamente, evitando ter o azeite em contacto com o ar demasiado tempo, pois o oxigénio destrói algumas das suas qualidades – além de que o azeite é, por si próprio, muito “influenciável” pelo meio ambiente, assimilando facilmente sabores e aromas de outros alimentos.

No uso doméstico, evite depositar azeite em galheteiros que ainda contenham azeite mais antigo. Será um desperdício e, definitivamente, um prejuízo para a qualidade do novo azeite. Procure galheteiros tão pequenos quanto possível, e lave-os muito bem antes de novo depósito.

Pelas suas benéficas características organolépticas, experimente usar o azeite de novas formas, por exemplo nas receitas que habitualmente faz com outra gordura (bolos, fritos, bolachas e biscoitos).

Não são completa novidade as receitas de doces que utilizam azeite, mas ouse experimentar, por exemplo, pôr uma colherzinha de azeite num delicioso bolo de chocolate quente… e verá que ficará ainda mais delicioso.

Utilize azeites mais claros, menos encorpados e doces para acompanhar saladas frias, por exemplo, ou pratos de carnes brancas e peixes. Do mesmo modo, prefira os mais grossos, aromáticos e picantes para confeccionar pratos de carnes vermelhas (por exemplo, o cozido à portuguesa) ou peixes mais carnudos, como o bacalhau. Um azeite infusionado pode ser uma excelente solução de tempero ou, simplesmente, servir de aperitivo para molhar fatias de pão rústico. Se forem de efectiva qualidade, os azeites infusionados obtêm-se pela adição de um determinado ingrediente que irá macerar, durante todo o resto do seu tempo de vida, até ao momento do consumo.

E encontram-se no mercado excelentes marcas de azeites infusionados: com trufa, malagueta, casca de tangerina, limão, ervas silvestres, frutas, especiarias… mas tenha cuidado: os azeites infusionados são diferentes dos azeites aromatizados, que não se obtêm necessariamente com o produto natural, o que faz toda a diferença.

  • DICAS PARA ESCOLHER O MELHOR:

Na escolha do azeite, não considere a cor, pois a escala cromática não é relevante para pautar a qualidade do azeite, embora possa indiciar determinados tipos de aromas ou sabores. Em termos aromáticos, nunca um azeite deve estar avinagrado ou metálico, apresentar borras – ainda que pequenas – ou ter sabor a mofo (sinal de que apanhou humidade) e a ranço. O melhor azeite sabe a azeitonas… e a fruta – revela maçã, ervas frescas e folhas verdes – e deve ter um gosto limpo e fresco. Pode até ser um pouco amargo (desde que seja equilibrado), mas também adocicado, lembrando doce de fruta ou frutos secos, principalmente amêndoa. Na sua consistência, os azeites de qualidade podem situar-se num espectro muito largo, do quase pastoso ao muito liquefeito e leve, pelo que a escolha final é sempre do “gourmet” que existe em cada um de nós…

Revista Wine/Texto: Isabel Sottomayor: Fotos: IMATEXTO/IMTX