O mundo conheceu-a como Luna Lovegood, uma das personagens de Harry Potter. Mas o que o público não sabia, era da relação que a atriz que a interpretou, Evanna Lynch, tinha com ela muito antes de pensar sequer em encarnar esta personagem no cinema. Luna aparece pela primeira vez em "Harry Potter e a Ordem da Fénix", no momento em que Evanna estava hospitalizada pela primeira vez por conta do seu avançado estado de anorexia. Foi um encontro de almas.

Mas foi um longo processo até Evanna, uma jovem irlandesa de uma cidade interior, chegar onde chegou. E agora está tudo no livro "O oposto da caça às borboletas", lançado em Portugal pela Casa das Letras. Foram várias as motivações da autora para escrever, onde quis contar a sua história pela sua perspectiva e não pela perceção que os outros tiveram sobre ela.

Pelo meio ficamos a conhecer os meandros de uma recuperação que não tem nada de bonito, com momentos pesados e descrições difícies de digerir. A prova de que, por vezes, não se olham a meios para se atingirem os fins.

Este é o relato de uma mulher que podemos considerar que teve um final feliz, mas que nos mostra que a vida não é perfeita e que mesmo uma estrela de cinema conhecida a nível mundial teve de passar pelos problemas que são comuns a milhões de adolescentes espalhados pelo mundo. De alguma forma, este livro é para aqueles que estão a passar por esses desafios e que precisam de palavras de alento.

Lançaste o livro “O oposto da caça às borboletas” (Casa das Letras) que é um relato de uma parte da tua vida. Já tinhas revelado anteriormente que querias escrever este livro, mas qual foi o momento que te fez decidir?

Para ser honesta, não houve um momento. Foi mais uma frustração que foi crescendo porque eu falei sobre esse período em entrevistas. Mas depois de ter contado a minha história, pela primeira vez, era tudo o que eu não queria falar. Eu entendo porque é um material profundo. É uma perspetiva profunda e sombria sobre a qual estamos todos muito curiosos. São coisas da vida real. Essa frustração foi crescendo por ver pessoas a escreverem a minha história, mas com suas palavras. E senti que, por mais brilhante que alguém possa ser, não vai conseguir entender a história de outra pessoa exatamente da maneira como ela a viveu. Eu sabia que queria fazer isto. Acho que era como se já estivesse delineado e planeado. Eu também sempre quis escrever, e sabia que este seria o livro mais fácil para começar. Porque já está escrito, basicamente. Já foi vivido. Já tinha começado antes da pandemia e, quando ela aconteceu, foi “Ok, agora não tenho desculpa”.

Foi um bom momento para isso.

Se eu não escrevesse o livro na pandemia, nunca iria escrevê-lo. Acho que todos ficámos sem desculpas. Houve pessoas que se despediram, outras que decidiram escrever romances, aprender outra língua. Para mim, foi o livro. E foi muito bom porque de repente, mesmo não tendo muito trabalho, estava muito ocupada e isso me dava-me estrutura todos os dias.

As manchetes podem ser frustrantes?

As pessoas não optam por clicar em outro tipo de coisas. E é isso que é tão frustrante. Não posso culpar os jornalistas, não posso culpar os editores. Eles estão apenas a tentar manter as suas publicações à superfície. E se é isso que vai vender, tudo bem. Mas acho que desejo um mundo em que as pessoas cliquem em manchetes com mais significado.

Como foi lidar com isso numa idade tão jovem?

Foi complicado por fazer o que eu faço. A minha imagem pública, a minha reputação, tem relevância, porque isso significa que as pessoas me vão dar uma oportunidade de trabalho ou não, de acordo com a perceção delas. E sempre que eu respondia a uma pergunta sobre isso, a manchete transformava-me numa vítima. A sensação que eu tive é que me estava a queixar o tempo todo. Parecia que era um caso perdido, parecia louca. Então eu quis conquistar a minha narrativa de volta, resgatar a minha história. Quem quiser pode ir mais a fundo e realmente saber. Quem preferir as manchetes de conto de fadas, tudo bem também. Mas pelo menos eu escrevi a minha história de uma forma que pareceu verdadeira para mim.

A leitura torna-se interessante porque não nos parece um livro de memórias, mas sim um romance, com personagens que não são necessariamente da vida real. Isso foi propositado?

Fico muito tão feliz por mencionares isso porque quando estava a escrever o livro, as pessoas perguntavam “É um livro de memórias?”. E eu sempre pensei, “Não, não é um livro de memórias”. E não é. Porque sinto que um livro de memórias seria sobre toda a minha vida, de forma cronológica. E o que abordo no livro é um tema e um determinado período da minha vida. Foi explorar o distúrbio alimentar e a mentalidade que o acompanha.

Era um livro demasiado pessoal para ser lançado?

Não sei. Acho que tive alguns sentimentos estranhos sobre ter 29 anos e escrever um livro de memórias. É como se eu fosse muito centrada e afirmasse que a minha vida é muito importante. O que eu quis foi passar uma mensagem ao escrever o livro, também para mim. Quis escrever uma história, quase de forma cinematográfica. Quero que as pessoas vivam os sentimentos, saibam como são as pessoas, possam sentir os cheiros, tudo. E esse é o estilo de um romance. Lembro-me quando a minha editora disse, “Já percebemos o título. Podemos escrever que é um livro de memórias?” E eu, “Ok pronto, tudo bem”. Tem que se encaixar apenas numa categoria. Mas pessoalmente não o vejo assim.

No livro contas que a Evanna em criança queria ser uma borboleta cor-de-rosa, mas ao crescer deixou de ser motivo de encanto por parte de quem perguntava. Que mensagem quiseste passar?

Há muitas mensagens no livro. É difícil destrinçá-lo. Mas queria pegar naquele impulso criativo natural que as crianças têm para fazer coisas e ver possibilidades e não apenas obstáculos. Por que não posso ser uma borboleta? É uma questão filosófica interessante. Não nos podemos transformar em borboletas, mas é acima de tudo uma maneira ilimitada de pensar. É acreditar em possibilidades, no potencial. Portanto, não podemos ser uma borboleta, mas não precisamos apenas de trabalhar na loja do pai, mesmo que seja aquilo que ele está à espera. Ou não precisamos ser médicos, o mesmo que os familiares faziam. Talvez possamos fazer outra coisa.

O processo de crescimento devia ser mais fluído, portanto?

Sim. O que é que há no nosso interior que nos deixa realmente entusiasmados e que nos enche de alegria? Suponho que seja um tema de apenas pensar e viver criativamente, em vez de estarmos a pensar que temos de crescer, descobrir o que queremos ser e sermos realistas. Eu apenas sinto que se eu fosse viver dessa maneira, chegaria ao meu leito de morte e pensaria: qual foi o objetivo disto tudo? Fazer check em todos os pontos socialmente aceites, corresponder a expectativas, conformarmo-nos? Para mim, seria como se eu tivesse vivido toda a minha vida de acordo com as ideias de outra pessoa.

Que outras mensagens quiseste passar?

Uma das minhas motivações para escrever este livro foi mostrar o que me aconteceu e como realmente me senti. Porque para quem estava de fora, era apenas um tratamento, que eu estava a curar-me, estava a ser acompanhada. A verdade é que isto prejudica psicologicamente muitas pessoas. Sim, algumas recuperam fisicamente. Mas faço uma pergunta com este livro. Será que não existe uma maneira mais consciente de fazer as coisas? Uma forma mais empática e eficaz, que não seja tão traumatizante?

A sensação que se tem é que tu tinhas um problema que tinha de ser resolvido. O caminho para chegar à cura não era importante. Notas que a pandemia teve um papel importante para trazer para debate temas como a saúde mental?

Todas as pessoas conhecem alguém que tem estes distúrbios mentais. Estamos a falar de um ser humano, mas há muito essa ideia de que as pessoas ou estão doentes ou são saudáveis. A linha que separa estas condições é muito fina. E a minha terapeuta, Natasha, que aparece no livro, sempre disse que um distúrbio alimentar, na verdade, cria raízes seis anos antes de se tornar visível, o que para mim é chocante. Realmente não sei onde encontrou esta informação, mas ela fez pesquisa e eu acredito nela. Então as pessoas até podem achar que está tudo bem connosco, mas na verdade há coisas a acontecer. E só percebem que há um problema quando ele é visível. Na pandemia começamos a falar de saúde mental e bem-estar. É como um relacionamento que temos de ir cultivando assim como a saúde física é algo que temos de monitorizar constantemente. Se mudamos radicalmente vai ter um impacto.

Sentes que o sistema falhou contigo?

O sistema falha, connosco e com as pessoas que não se encaixam. O livro relata uma coisa maior, sobre a forma como olhamos para alguém com doenças mentais. Esta é a minha experiência. Eu não escrevo enquanto especialista. Não sou médica, não tenho qualquer tipo de qualificação. Mas a minha experiência foi muito desumana. Eu tive um problema que era fisicamente muito óbvio, mas no fundo não era um problema físico. Em termos motores, eu era capaz de me alimentar. Um problema mental quando se torna óbvio, as pessoas só veem a doença, não se preocupavam em falar com quem está a passar por ela. E há que tratar essa pessoa porque ela só está a tentar ultrapassar o que está a acontecer. Assim que eu me comecei a alimentar mais e a ter um peso saudável novamente, as pessoas começaram a tratar-me novamente como um ser humano. E isso faz-me muita confusão. O que gostava de dizer apenas é que desejava que o sistema de saúde pensasse de forma diferente, que olhassem para o ser humano e não apenas para a patologia. Há uma passagem muito interessante de um audiolivro que estava a ouvir hoje da Louise Hay, que citava outro autor que agora não me recordo, mas ele dizia que os pacientes deveriam ser reconfortados pela sua doença porque estão a sofrer, estão a lutar e devem ser encorajados para ficarem bem.

Sentiste falta dessas palavras de encorajamento?

Na verdade, é bastante complicado, especialmente quando estava a lidar com o distúrbio alimentar. Nesta doença, muitas vezes são crianças e adolescentes que estão a sofrer tanto e ninguém sabe como ajudá-los. Ninguém sabe o que eles estão a sofrer, e eles encontram uma forma de lidar com a situação. Então, acredito que o caminho para a cura é aquela filosofia de palmadinhas nas costas, de “muito bem, estás a tentar ultrapassar à tua maneira, mas não está a funcionar. Na verdade, o que estás a fazer é realmente destrutivo que está a comprometer a tua saúde mental e física. Então, como podemos encontrar uma maneira melhor? O que estás a fazer funcionou por um tempo, mas já não está a resultar. Vamos encontrar outro caminho”. Eu penso desta forma: se apenas olhamos a doença mental e a demonizamos, nunca vamos conseguir chegar à pessoa. Apenas se vai fechar ainda mais sobre si mesma.

Podemos considerar que a tua história teve um final feliz. Mas não sabemos qual foi o final das pessoas com quem te cruzaste. O que é que lhes poderá ter faltado?

Eu tive muita sorte. Muita sorte de ter uma família realmente boa, compreensiva e solidária, e muita sorte de ter realizado um grande sonho que me deu um novo foco. Mas eu vi muitos daqueles jovens com quem eu estava naquele centro de tratamento que simplesmente entravam e saíam. Eles nunca chegaram realmente à raiz dos seus problemas. E de certa forma o tratamento piorou a situação porque de repente são adolescentes que passaram a vida internados. E isso traz uma série de outros problemas e traumas. Eu acho que é isso que a medicina precisa reequacionar, que não se aumente esses problemas, que os ajude, em vez de apenas contribuir com mais traumas e mais feridas para curar.

O que se nota é que a tua terapeuta, a Natasha, que ainda te acompanha, foi um raio de sol na tua vida, sendo o exemplo de antissistema.

Sim, todo um escaldão. Curiosamente, ela está agora em Portugal porque a sua atividade agora é explorar plantas medicinais. Ela está a explorar coisas mais alternativas. Então está a fazer isso em Portugal. A Natasha está a tentar criar um centro de tratamento para ajudar outras pessoas.

Pré-publicação de

Imaginas-te a ler o livro daqui a um tempo e a ter outra perspetiva?

Eu não vou voltar a lê-lo outra vez. Eu estive muito obcecada com o processo de edição e por isso li-o muitas vezes. Mas uma vez que foi lançado, senti realmente que fechei um ciclo. Senti como se tivesse acabado de encerrar um capítulo, tanto no sentido literal como metaforicamente, daquela fase da minha vida. Sinto-me muito feliz e sinto que o livro me libertou.

Quais foram os principais desafios de escrever este livro?

Foram muitos os desafios. Sobretudo aqueles que todo o escritor tem, a autocrítica, o sentimento de: qual é o objetivo? Quem vai ler esta história? Qual é o ponto? Eu também estava muito ciente, enquanto o escrevia, de que este não é um livro bom e feliz. Eu queria que fosse uma cura, e acredito que seja. Acho que é um livro que vai mesmo ao fundo. Eu sabia que havia muitas pessoas que o queriam ler, por ter uma base de fãs de Harry Potter, muitos jovens que me seguem. Mas eu sabia que as pessoas queriam algo doce, fofo e animado. E eu tive que ir contra isso. Eu não sou assim. Pode ser essa a perceção que as pessoas têm sobre mim, mas lamento, tenho de escrever um livro sombrio e desconfortável.

Podemos considerar que ao escreveres este livro fizeste uma catarse?

Acho que lutei para o escrever porque a escrita de um livro é um processo que leva tempo. Havia dias em que simplesmente odiava escrever a maior parte do tempo. Tive de manter essa prática quando nunca fui escritora e convencer-me de que valia a pena continuar. Sim, foi difícil. E também percebi que havia falhas na minha memória. A razão pela qual escolhi escrever na voz de uma menina de 11 anos foi porque senti que ela ainda era uma grande parte de mim. E muitas dessas memórias são tão vívidas e viscerais que ainda me fazem chorar. Mas houve partes em que tive de juntar os pontos porque simplesmente esqueci. Tive de cruzar referências e falar com a minha mãe, com o meu pai. Essa parte foi difícil porque não falávamos sobre isso desde os meus 13 anos. A partir do momento em que me recuperei, todos só queriam seguir em frente. Foi tão mau, e eu estava em conflito, fiquei com vergonha de me recuperar. Eu era o elemento estranho. Então, quando acabou, nunca mais falámos sobre isso.

Imagino que tenham sido conversas difíceis.

Tive que abrir essas feridas novamente e fazer perguntas difíceis. Li um monte de cartas e diários do passado para ligar os pontos. E o que é tão interessante, e só quem já escreveu um livro de memórias percebe, é descobrir como nos lembramos das coisas de maneira diferente e como realmente cometemos erros. É por isso que verificar com outras pessoas é importante. Porque podemos estar muito convencidos de que as coisas aconteceram numa determinada sequência de eventos e afinal não foi assim.

Como foi a reação dos teus pais quando leram o livro, especialmente da tua mãe, que é uma figura tão presente na história?

A minha mãe foi a pessoa que mais me preocupou que lesse o livro pelo facto de ela estar tão presente. Quando escrevemos um livro de memórias, se alguém aparece nele e essa pessoa é facilmente reconhecível, como no caso da minha mãe, claro que, legalmente, ela tem de o ler e assinar um papel a dizer: "Não te vou processar, podes deixar como está”. Estava muito nervosa por lhe dar o livro, porque também estou a revelar muitas coisas pessoais, dolorosas e vulneráveis sobre ela. Eu sabia que se ela não estivesse de acordo com o que estava escrito, seria muito difícil contar esta história, tão difícil que não sei como o conseguiria fazer. Teria de fingir muita coisa, editar muito. Por isso, lembro-me de lhe ter dado e ela teve três dias para me responder. Devia ter-lhe dado seis meses, mas adiei. E estava tão preocupada. Enviei-lho e pensei: "Ao fazê-lo, vamos ter todas estas conversas. Ela vai ficar tão chateada, vai ficar magoada”. E ela leu-o. Estava muito calma e eu perguntei-lhe: "Tens algum comentário?

E qual foi a resposta?

Ela disse: "Sim, tenho alguns. Vou enviar tudo por e-mail. E fiquei tão espantada porque não era nada sobre ela. Deixou tudo o que eu disse sobre ela completamente intocado. Nem sequer fez referência a isso. A preocupação dela era com os meus irmãos. Achei tão bonito que, como mãe, ela estar a olhar por eles. Ela disse-me "Não sei se queres esse pormenor sobre a Máiréad. Não sei se o Patrick não se importaria que revelasses isto”. Ela era apenas uma mãe a proteger os filhos. Do lado dela não há ego sequer, porque eu mostro muitos lados desagradáveis de mim e dela, na nossa relação. Ela não disse nada. Foi bom porque não tivemos de voltar a falar sobre o assunto. Mas é espantoso pensar: "Ena, ela conhece todos os sentimentos que eu tinha. Ela conhece literalmente aqueles pontos do livro em que eu digo o quanto a odeio”. E ela viveu com isso e aceitou-o. É uma verdadeira dádiva.

Fortaleceu a vossa relação?

Sim. É assim que ela se sente em relação a isso. Com o meu pai foi diferente porque não participou tanto. O meu pai achou o livro muito engraçado. E é suposto ser engraçado, há humor nele. Mas foi essa a reação dele, do género "Meu Deus, não me tinha apercebido da pessoa engraçada que és, de como sabes escrever". E deu o livro, a muitas pessoas, o que foi estranho porque eu disse no livro que ele era católico. Ele formou-se para ser padre católico, o que significa que muitos dos seus amigos e colegas ainda são padres e freiras. Ele deu o meu livro aos padres e às freiras e eu senti-me muito desconfortável com isso.

Posso imaginar. Qual foi a parte mais gratificante de escrever este livro?

Foi provar a mim própria que era capaz e que podia escrever, porque sempre senti isso. Todas as pessoas têm estes pequenos talentos e seriam boas neles se tentassem. Eu tinha esta estranha confiança de que conseguia escrever. Mas uma coisa é sentir isso e pensar nisso, outra é fazê-lo de facto, o que é muito difícil. Por isso, tive de toda a disciplina de escritor, não se pode ficar sentado à espera de um golpe de inspiração. Temos de ir para a secretária todos os dias e escrever, mesmo quando a sensação é horrível. Por isso, acho que isso foi o melhor. A coisa mais gratificante foi provar a mim própria que era capaz de o fazer agora. Quero escrever outro livro e questiono-me como é que o faço. Não sei. Mas só o facto de pensar: "Oh, já escrevi um, por isso posso fazê-lo outra vez”. O primeiro serviu para ultrapassar dúvidas e medos. Acho que foi o pior. Por isso, sim, é muito fixe pensar: "Escrevi um livro. Posso fazer coisas difíceis e posso voltar a fazê-lo.

Precisamos de falar sobre a Luna. A sensação que me passou ao ler o livro foi que a JK Rowling te inspirou de alguma forma. Porque é que a Luna foi tão importante para ti?

Ela acordou-me. Sim, com toda a certeza. Eu estava a viver de uma forma que não era a minha. Acho que a minha natureza, a minha maneira natural de ser, costumava ser criativa, alegre e literalmente entusiasmada com todas as coisas que podia ler, fazer e criar todos os dias. Era assim que eu era em criança. Só queria acordar e fazer coisas.

Depois, com o distúrbio alimentar, essa minha faceta desvaneceu-se. Não tinha tempo para atividades criativas, para a expressão criativa. Por isso, estava a viver de uma forma que não era a minha, que era como uma traição à minha natureza. E depois deparei-me com ela no livro e isso despertou-me. Fez-me pensar, “eu sinto-me assim”. Sinto-me tão ligada a ela. Sinto-me como ela. E, no entanto, o que estou a fazer é tão diferente dela. Sinto que estou a agir de uma forma que é completamente oposta a esta personagem. Eu li o livro. Lia para me divertir. Mas depois fechava o livro e ficava ali sentada.

Isso aconteceu num momento muito difícil da tua vida, no teu primeiro internamento.

Foi no hospital que a conheci. Quando digo conheci quer dizer que tive um encontro com esta personagem. Sentava-me e ficava acordada na cama do hospital a pensar: "Porque é que esta personagem me está a incomodar tanto? Acho que é um sentimento semelhante ao de se apaixonar, em que pensamos: "O que é que esta pessoa tem”? Ou até mesmo o lado oposto disso, quando odiamos alguém, quando nos está a irritar. A pessoa está a tentar dizer-nos alguma coisa. Despertou algo em nós e temos de descobrir o que é. E para mim, é isso que eu quero ser. Eu quero ser assim, esta não sou eu, tenho outros lados. Mas a sua luz, a sua estranheza, a sua aceitação da diversidade, a sua natureza bela e acolhedora e a sua perspetiva da vida, era isso que eu queria. Eu sabia que isso estava em mim e queria-o de volta. Por isso, ela despertou-me.

Já tinhas uma relação com a JK Rowling, mesmo antes dos filmes. Foi uma surpresa para ti o facto de ela responder às tuas cartas?

Claro que sim. Quer dizer, é engraçado porque, em criança, quase esperamos que nos respondam. Não temos a noção de que, "Meu Deus, esta pessoa, as hipóteses de ela receber a nossa carta, ler e depois ter tempo para responder são poucas”. Mas em criança, pensamos: "Ela pode receber e gostar”. Acho que foi o que esperei durante algumas semanas, estava à espera de uma resposta. Antes tinha recebido uma carta da editora, um tipo de carta normal, que claramente não tinha sido ela a escrever, mas alguém o tinha feito. Acho que lhe enviei uma carta que era muito honesta e partilhava tudo o que se estava a passar comigo. E ela escreveu-me de volta. Foi estranho. Quer dizer, foi uma experiência fora do corpo segurar aquele papel de alguém a quem me sentia tão ligada, mas que estava tão longe, a mundos de distância de mim. Mas ela tinha escrito e relacionava-se e envolvia-se comigo. Foi muito surreal.

A JK Rowling leu o livro?

Eu mandei para ela, mas não sei. Eu sei que ela é uma ávida leitora. Para ser honesta, acho que ela está a ler coisas diferentes. Sou muito grata pela influência e pela orientação que ela me deu. Mas os assuntos sobre os quais ela fala agora, que são bem divulgados, não são as coisas sobre as quais escrevo, falo e tenho mais curiosidade. E penso que, da mesma forma, ela provavelmente não está interessada nas causas que mais me interessam. Enviei o livro para ela, mas não espero que ela esteja nesse caminho. Ela ajudou-me.

Foi uma pessoa importante na tua vida.

Sim, e sempre será. Mas já não é como costumava ser. Ela era como uma... não vou dizer uma mãe, mais uma boa madrinha. Uma pessoa de quem queria ouvir conselho. Saber a opinião. Foi muito isso.

E como foi a experiência de entrar numa das sagas mais épicas do cinema? Porque estávamos na época em que o mundo queria ler os livros e ver os filmes de Harry Potter. Além de que entraste a meio da saga.

É terrivelmente excitante para uma rapariga do campo viver esta experiência. Mas é avassalador. Suponho que mudou a minha perspetiva sobre a fama de forma drástica. Eu era mais uma fã que olhava para eles [os atores dos filmes] e pensava: "Eles são especiais. Têm um dom qualquer”. Depois estive nessa posição e as pessoas fizeram-me o mesmo e apercebi-me de como tudo isso é falso e tolo. Apercebi-me que a fama, o sucesso das celebridades, é tudo uma construção e que o que interessa é ganhar dinheiro. Os estúdios, os filmes, o que quer que seja, constroem um hype à volta de uma pessoa para que as outras as adorem e pensem nela como se fossem Deus. E depois gastam o dinheiro e vão ver os filmes, compram os livros, etc, etc, etc. E foi como se tivesse visto o Matrix. É falso e continuamos a ser apenas um ser humano normal, como toda a gente, que continua a ter um trabalho. Mas é quase uma bênção divina, que eu acho que muitos fãs mais jovens têm, sobretudo crianças.

Foi uma desconstrução daquilo que sentias?

Há uma cultura de fãs que pode ir longe demais por pessoas que realmente adoram. Comecei a ver isso como algo incapacitante, suponho. Eu realmente acredito que posso expressar admiração por outras pessoas. Sou fã de pessoas, mas nunca vou colocá-las acima de mim, como costumava fazer. Nunca foi minha prioridade apoiá-las em vez de perseguir meus próprios projetos e paixões e me desenvolver. Acho que esse é o lado sombrio da cultura dos fãs, pois às vezes pode acontecer quando as pessoas estão a passar por alguma batalha. E eu entendo isso porque também fiz isso. As pessoas estão a lutar tanto por elas próprias que simplesmente se tornam apenas adoradoras de outrem. Eu acho que isso é triste, é um potencial tão desperdiçado. Nós vemos. Eles fazem uns vídeos incríveis e edições de fãs e colocam toda a sua criatividade para adorar alguém. Somos apenas pessoas.

Tu és a prova de que a vida nem sempre é feliz e regular. Olhando para trás, há a sensação de que Luna tinha mesmo de acontecer na tua vida?

Acredito que sim. Podia ter sido diferente. O meu pai poderia ter dito: “Não, não tenho dinheiro para te levar a Londres para o casting”. Encontravam outra rapariga, e tenho certeza de que ela seria ótima. Mas, definitivamente, havia uma energia e as coisas simplesmente se encaixaram. Acredito nisso, mas também estando pronta e agindo para atendê-los. Eu não acho que foi apenas um dado adquirido. Eu tive que ir à audição, tive de me colocar na energia certa para estar ali. Foi uma colaboração, suponho.

Estás de passagem por Portugal porque tens a apresentação do teu livro na Feira do Livro, que é um evento de referência em Lisboa. Tens espectativas?

Não sei. Esta é a minha primeira vez em Portugal, não sei o que esperar, mas esta é a minha terceira entrevista hoje. E as perguntas foram muito profundas e ponderadas. Têm sido conversas adoráveis e profundas. Considerando as experiências que tive antes, em Inglaterra, a minha relação com os jornalistas e a imprensa sempre foi defensiva. Eu tenho que estar constantemente em guarda. Mas esta sou eu. Acho os eventos públicos bastante impressionantes, mas quero conexões com significado. Eu realmente não quero apenas tirar uma selfie e seguir em frente. Vou tirar selfies quando estiver bem com isso. Mas eu gosto disto, de profundidade, de curiosidade.

E queres que as outras pessoas sintam o mesmo.

Sim. Eu quero conectar-me, realmente. Então, sim, estou ansiosa por isso. O que posso esperar?

Provavelmente muitos fãs de Harry Potter.

Sim, espero isso. Já fiz apresentações em muitos países da Europa, e a base de fãs de Harry Potter é enorme. Então, estou definitivamente preparada e feliz em conhecê-los. Estou muito feliz e orgulhosa por fazer parte desses filmes. A luta é o facto de às vezes serem pessoas muito jovens aquelas que compram o meu livro e penso: “Acho que é um pouco maduro demais para crianças”. É definitivamente muito maduro para crianças. Provavelmente só a partir dos 15, 16. É uma ponte complicada de atravessar.

O nome do livro é “O oposto da caça às borboletas” um nome diferente para um livro de memórias. O que significa?

É uma metáfora sobre não ceder a essa necessidade constante de aperfeiçoar e possuir a perfeição. Vem de uma necessidade de estar segura. Sinto que se as coisas forem perfeitas, então estarei resolvida e não tenho de me preocupar em ser abandonada ou ser amada ou ser rejeitada, todas essas coisas. Durante toda a minha vida, procurei segurança na busca pela perfeição. No entanto, acredito que se sacrifica demasiado quando se dedica a vida à busca da perfeição. Creio que se sacrifica a beleza da mudança, da imprevisibilidade, da espontaneidade. Assim a vida é demasiado controlada e é-lhe sugada toda a alegria.

A borboleta é uma metáfora que diz que quando se coloca uma borboleta num quadro, ela é linda. Preserva a sua perfeição para sempre, mas tiraste-lhe a vida. O custo foi “Mataste esta criatura só para preservar a sua beleza”. E eu acredito este é o mesmo destino é das pessoas que continuam a alimentar os seus distúrbios alimentares. Pessoas que decidem manter a sua anorexia. Acho que pagarão um preço semelhante. Sem querer ser fatalista, mas acho que o custo é demasiado elevado. E sim, é uma coisa que tenho de me lembrar constantemente. E visualizo que estou a segurar a borboleta e a deixá-la ir e a lembrar-me que isso é muito mais bonito do que estar presa a um quadro.