Ana Garcia Martins, Mónica Lice, Fernanda Velez e José Cabral contam como é que blogar lhes mudou a vida. Afinal, é possível ser problogger em Portugal? Atualidade, moda, cozinha ou lifestyle. É possível escrever sobre quase tudo num blogue. Liga-se o computador, acede-se à Internet e
escolhe-se um sistema de gestão de conteúdos online, como o Blogspot, o Wordpress ou o Tumblr.

A partir daí, o espaço é seu e só você dita as regras. Tentador? Sim, sobretudo, quando hoje já há quem viva disso. Quando John Barger utilizou pela primeira vez o termo weblog, em 1997, estava longe de imaginar que, dez anos depois, existiriam mais de 100 milhões ativos no mundo, segundo dados da Technorati, diretório de blogues na internet. Justin Hall, jornalista norte-americano, foi um dos primeiros a criar um diário online, em 1994, o Justin’s Notes from the Underground.

Em dezembro de 2004, foi considerado pela New York Times Magazine como «o pai dos blogues pessoais» e, cerca de 20 anos depois, continua ativo. Para Albertino Gonçalves, sociólogo e investigador no Centro de Estudos de Comunicação e Sociedade, a necessidade individual de ser visto, público e avaliado tem séculos, não é de agora. «A maneira como isso é feito é que tem vindo a mudar. Se, no século XIX, a conversa era um momento importante, na qual as pessoas se mostravam e avaliavam umas às outras, agora talvez seja a Internet», explica.

Com a chegada de ferramentas como o blogger.com, em 1999, o fenómeno alargouse e, em 2002, crê-se, chega ao universo da moda. Em 2003, Kathryn Finney lança o The Budget Fashionista e, logo nesse ano, é convidada para assistir a um dos acontecimentos mais aguardados pelos nova-iorquinos, a New York Fashion Week. Hoje, os bloggers são presença assídua em vários eventos de moda e, em 2011, chegaram a representar cerca de metade dos media presentes na London Fashion Week.

Atualmente, Kathryn Finney preside o TBF Group e é editora no site BlogHer, uma comunidade de bloggers fundada em 2005 com o objetivo de inspirar mulheres a transformar as suas paixões em conteúdos. Na sua página, conta que o The Budget Fashionista só começou a descolar dois anos depois de ter sido criado e que não existem pozinhos mágicos para se ser blogger profissional de um dia para o outro.

O que é certo é que o problogging, como é chamado o fenómeno, é cada vez mais uma realidade. No último estudo sobre o Estado da Blogosfera, em 2011, publicado pela Technorati, 18% dos bloggers inquiridos viviam parcial ou inteiramente dos rendimentos que obtinham do seu blogue. «O professional blogging não é uma moda, é uma realidade social», revela Diana Carriço, fundadora da plataforma colaborativa Fashioncoolhunter.

«A possibilidade de alguém ter um pensamento ou querer partilhar um momento, ser capaz de publicá-lo em qualquer parte do mundo, sem qualquer custo adicional, e ainda ser remunerado por isso é muito atrativo hoje», refere ainda a também e speaker internacional em tendências, marketing, design e criatividade.

O sucesso de A Pipoca Mais Doce

Ana Garcia Martins, autora do blogue A Pipoca Mais Doce, é o nome mais conhecido na blogosfera portuguesa. Online desde 2004, só há cerca de ano e meio é que este é o seu full time job. Decidiu criar o blogue quando começou a trabalhar como jornalista. «Percebi que o tipo de escrita e os assuntos que gostava de abordar não tinham espaço no jornal, por contingências editoriais», recorda.

«O blogue pareceu-me a plataforma perfeita para aquilo que queria. Um quase diário virtual, onde pudesse falar sobre todos os temas que me viessem à cabeça», conta. Dez anos depois, A Pipoca Mais Doce não é apenas um blogue, é uma marca com uma linha de vernizes, joias, t-shirts, entre outros produtos, entre os quais dois livros. «Tudo isto se deveu ao sucesso que o blogue foi tendo», diz. Hoje, vive dos rendimentos que obtém do blogue e dos projetos que lhe estão associados.

Para ser blogger profissional, despediu-se da revista Time Out, onde era editora da secção de consumo. «Andei durante um ou dois anos a ganhar coragem para dar este passo», assume. Hoje, não se arrepende. Consegue fazer o que gosta e ganhar dinheiro com isso. «É uma coisa absolutamente fantástica», assume. A fatia mais grossa dos seus rendimentos vem da publicidade. Tem inclusive uma equipa comercial para esse efeito.

É contactada por várias marcas, mas só faz parcerias com aquelas em que se revê. «Não publico nada no blogue de que não goste ou que não me veja a usar ou a fazer», explica. Além de A Pipoca Mais Doce, em 2013 lançou A Pipoca mais Dois, um babyblog dedicado ao filho Mateus. O seu blog original tem cerca de 30.534 visitas diárias e mais de 133 mil seguidores no Facebook. «Gosto sobretudo de ler blogues de pessoas que conheço na vida real», desabafa.

«Depois, há um ou outro que leio, como o da Chiara Ferragni (The Blonde Salad), o Lovely Pepa ou o Garotas Estúpidas», revela Ana Garcia Martins, que também deixa conselhos. «Mantenham-se fiéis. Quando se cria um blogue já com o objetivo de fazer dinheiro, dificilmente conseguirão manter-se genuínos», adverte. «O meu blogue não foi criado com nenhum intuito comercial. Foi um caminho que construí ao longo de dez anos, criando uma certa empatia com os leitores», diz ainda.

A Pipoca Mais Doce

Da Guiné para o mundo da moda

Mónica Lice trabalha como blogger desde 2009. Quando lançou o Mini-Saia, em fevereiro de 2006, dava aulas na Faculdade de Direito de Bissau, na Guiné-Bissau. A ideia de criar um blogue surgiu quando começou a ter internet em casa. «Na altura, era um privilégio e eu, que seguia o blogue de um amigo, focado na realidade africana, pensei em criar uma espécie de revista de moda e beleza online, que me ajudasse a colmatar a falta de todo o universo feminino que sentia por lá», conta.

Quando regressou a Portugal, em 2008, «sabia que, se seguisse uma carreira jurídica em Portugal, dificilmente conseguiria conciliá-la com um trabalho regular e de qualidade no blogue», explica. Por isso, arriscou. Tirou um curso de styling, outro de consultoria de imagem e passou a dedicar a sua vida ao Mini-Saia, criado para ser um espaço feminino útil para as mulheres. Mónica conta que, em 2008, era complicado depender financeiramente do blog.

«Praticamente ninguém vivia de blogues e a própria publicidade na internet estava a dar os primeiros passos», recorda. Mas não baixou os braços. «Fui bater a algumas portas e procurei estabelecer parcerias», lembra. Hoje, os rendimentos resultam dos banners de publicidade, de alguns conteúdos pagos e de outras ações que interliga com a página. Graças ao trabalho no Mini-Saia, lançou o livro «Dicas de Beleza» e colabora com a revista Livening, o portal Be Trend e o blogue da La Redoute.

Tem também uma rubrica no programa «Mais Mulher», na SIC Mulher. Em 2013, o Mini-Saia foi o terceiro blogue mais lido em Portugal. Mónica Lice diz que não pensa muito nisso e continua a dar o seu melhor no que publica, tal como fazia quando começou. O número de visitas diárias ronda as 10.494 e o número de seguidores no Facebook ultrapassa os 73.400. Mas que blogs lê Mónica Lice?

«Gosto muito do blogue da Garance Doré», assume. Aos novos bloggers, deixa um conselho. «Escrevam com paixão e trabalhem muito, para conseguirem ser originais e apresentar conteúdos diferenciadores», sugere a blogger, presença assídua em eventos de apresentação de marcas, produtos e serviços, para os quais muitos bloggers são convidados.

Mónica Lice

Moda em pequenino

Fernanda Velez começou a perceber a influência que as suas escolhas exerciam nas leitoras do Blog da Carlota, quando as peças de roupa com que fotografava a filha esgotavam nas lojas, segundo as marcas. O blog fez dois anos em março de 2014 mas já é uma presença no ranking dos 30 blogues mais visitados do Blogómetro. A ideia de lançar o blogue surgiu quando a Carlota, personagem principal desta história, tinha quatro meses.

Fernanda Velez era muitas vezes abordada na rua por causa da roupa com que vestia a filha. «São peças mais delicadas e com mais detalhes, que fazem lembrar o típico português e espanhol antigo», conta. Foi então que se lembrou de fazer a partilha dos looks. Na segunda semana, já contava com 700 visitas e, no final do primeiro mês, com 3 mil. «Eu mostrava uma peça e a peça esgotava naquela cor e naquele modelo», comenta. Então, lembrou-se de criar um mercado onde estivessem presentes as marcas que a filha usava.

Em menos de dois anos, Fernanda Velez já fez seis edições do Mercadito da Carlota, que é patrocinado pela marca de automóveis Seat. O último de dezembro de 2013 foi visitado por mais de 7.500 pessoas. Atualmente, esta é a sua principal fatia de rendimentos. Marketeer de formação, despediu-se para tomar conta da filha nos primeiros anos de vida. O blogue surgiu entretanto.

«Foi muito natural, porque foi optar entre ganhar zero ou ter algum retorno. Mas não sei se compensa largar um trabalho bem pago», diz. O número de visitas diárias ronda as 2.100 e o número de seguidores no Facebook ronda os 40.000. «Lancei o blog porque era muito abordada na rua sobre a roupa da Carlota. As pessoas queriam saber de onde era a fralda bordada, a touca, etc», refere.

«Neste momento, não sigo blogs de ninguém, mas seguia o My Daily Style, o Blog da Mariah e o Dia de Beauté», assume. «Sejam genuínas e saibam gerir o assédio das marcas e da publicidade. E sejam originais. Hoje, existem muitos blogues com o mesmo tema e é preciso ter algo de diferenciador para se seguir este e não aquele», recomenda, em jeito de conselho, às novas bloggers.

Blogger

O blog mudou a minha vida

José Cabral não se considera blogger profissional, mas a verdade é que vive de um projeto que nasceu online, há cinco anos. «Nunca senti que o blogue fosse mais do que a plataforma escolhida e não algo que definisse ou condicionasse o conteúdo do meu trabalho», revela. Quando se despediu do BES e lançou o Alfaiate Lisboeta, queria fazer «coisas bonitas» e viu em blogues como o Facehunter, The Sartorialist e o Stil in Berlin uma inspiração.

«Achei o conceito tão inspirador que pensei que o poderia concretizar à minha maneira e na minha cidade», conta. Começou a escrever e a publicar retratos que fazia pelas ruas de Lisboa (e depois noutros países), a colaborar com o jornal Metro, com a Vogue online e com a revista do Expresso e viu fotografias suas em publicações internacionais. Em 2012, concebeu a campanha Lisboa somos nós, para a Câmara Municipal de Lisboa e, no ano seguinte, foi a vez da O meu futuro é Lisboa.

Participou em campanhas de marcas internacionais, foi distinguido com o Fashion TV Award para a Melhor Comunicação Digital, lançou um livro homónimo do blogue e é, desde 2013, membro do Conselho Assessor da Escola Superior de Desenho e Inovação de Madrid. «Quando me perguntam o que faço, digo que sou bancário, para evitar perguntas e explicações», revela. Mas nem sempre.

«Por vezes, respondo que trabalhava num banco e um dia comecei um blog. E esse blog mudou a minha vida. Esta é a resposta mais genuína», sublinha. Não revela quantas visitas diárias tem o blog mas o número de fãs no Facebook já é superior a 40.000. «Não me sentia realizado profissionalmente e presumia que haveria um lado criativo meu que estivesse por explorar», justifica.

«A minha inspiração foram três blogues que um amigo me mostrou em 2008: Facehunter, The Sartorialist e o Stil in Berlin», acrescenta. Aos novos bloggers, deixa um conselho. «Escrevam com paixão e trabalhem muito, para conseguirem ser originais e apresentar conteúdos diferenciadores», sugere o blogger, que já se cruzou na rua (e fotografou) algumas personalidades públicas internacionais.

Cabral

Texto: Ana Pimentel com Albertino Gonçalves (sociólogo e investigador do Centro de Estudos de Comunicação e Sociedade), Diana Carriço (fundadora da plataforma coloborativa Fashioncoolhunter e speaker internacional na área de tendências, marketing, design e criatividade) e Pedro Marques Mendes (representante português da Promostyl, multinacional francesa de pesquisa tendências, moda e design)