Filipa Ramalhete é uma jovem de 22  anos, estudante de Comunicação Social, apaixonada por desporto e portadora de osteogénese imperfeita, uma doença rara que se caracteriza pela fratura frequente de ossos devido a uma fragilidade óssea exacerbada, mas que não a fez parar nem desistir dos seus sonhos.

O segredo? Uma grande força de viver, um grande espírito lutador e uma alegria  contagiante. A sua história começa ainda dentro da barriga da mãe e já com um grande ato de coragem.

Questionada pelos médicos sobre o facto de não serem visíveis os  braços e as pernas do bebé e se queria sujeitar-se a uma amniocentense ou fazer aborto, a mãe respondeu que não queria nem uma nem outra coisa e que seria o que tivesse que ser. Filipa nasceu, assim, de sete meses e meio, aparentemente normal, mas um mês depois foi-lhe diagnosticada a doença. Foi logo sujeita a uma operação às tíbias, que estavam  tortas e que caso não fossem endireitadas trar-lhe-iam graves problemas. «Este facto impedir-me-ia de andar mais tarde, caso não fosse logo corrigido», explica.

Tomada de consciência

Não existe nenhum caso de osteogénese imperfeita na família de Filipa, o que leva a  crer que esta doença terá tido origem numa má formação congénita. O desconhecimento por parte dos familiares não impediu que a apoiassem desde sempre. «Sinto-me apoiada pela minha família, sempre me aceitaram bem», conta. Os primeiros anos de vida foram normais, apesar das advertências constantes dos pais, para que tivesse cuidado para não se magoar, havendo uma normal e constante preocupação em evitar fraturas que lhe causariam sofrimento e meses de cama.

Aos quatro anos, os pais levaram-na até Paris, onde havia uma maior comunidade de doentes de osteogénese imperfeita, em busca de soluções e de maior informação. Para Filipa foi o início da  tomada de consciência do seu problema, que não considera ter sido difícil. «Lidei  normalmente com isso, porque desde pequena que os meus pais me avisavam que eu tinha de ter cuidado comigo e que devia explicar o mesmo às pessoas à minha volta», refere.

O mundo e a osteogénese imperfeita

Ser observada ou encontrar obstáculos no caminho fazem parte da rotina desta jovem estudante.

«Sinto-me observada, costumo dizer que todos sabem o meu nome e eu não sei o de ninguém, sou sempre a novidade, ainda hoje na faculdade toda a gente sabe quem eu sou, é bom e mau, porque passar despercebida ou fazer algo fora da conduta normal torna-se complicado para mim», conta. É acompanhada ainda de um sentimento de curiosidade relativamente à sua aparência.

«Porque é que sou pequenina é a maior curiosidade» mas isso não incomoda Filipa. «Tentei sempre explicar o que tenho, para as pessoas entenderem», frisa. A vida académica, as saídas, os convívios estão sempre dependentes de alguém que a acompanhe e que a apoie nas suas deslocações mas não se deixa ficar e luta sempre por fazer o máximo de coisas da forma mais independente possível.

«Não quis uma cadeira de rodas porque só pelo meu próprio pé é que me sinto minimamente independente» e não lamenta não poder sair sempre que quer pois «o facto de ter estas limitações faz com que perca a ida a  algum sítio e impede-me de conviver mais, de resto não tenho problemas, tenho amigos, colegas de faculdade, tento ser o mais normal possível e ultrapassar isso», realça.

Apesar desta aparente despreocupação, existem preocupações diárias para diminuir os riscos de fraturas. «Tenho sempre presente que me pode acontecer algo (as ruas não estão preparadas), evito locais com altos e baixos,
afasto-me de multidões. Tive medo que na universidade fosse difícil por haver muita gente mas não houve nem há problema», conta.

Tratamento

Os hospitais não são um local desconhecido para Filipa. Desde muito cedo que foi  submetida a tratamentos e a controlos médicos do desenvolvimento da sua doença. «Já fiz um tratamento intravenoso de mineralização óssea durante cinco anos em que, de cinco em cinco meses, ficava um fim de semana no hospital».

Atualmente, foge de tomar medicação, suportando ao máximo as dores que sente. «Não sou o melhor exemplo a nível de medicação, pois sou avessa a comprimidos», confessa. Apesar de tudo, não pode deixar de se submeter a tratamentos específicos periodicamente, para que a  doença esteja o mais controlada possível, uma vez que esta é ainda uma doença rara e sem cura.

Curiosamente, nunca pensou encontrar uma cura mas espera ansiosamente que se encontrem cada vez mais pequenas curas que levem, pouco a pouco, a uma melhoria da sua condição e ao travar do agravamento com os anos. Uma cirurgia à coluna é uma hipótese no horizonte mas está atualmente fora dos planos de Filipa, por querer acabar o quanto antes o curso de Comunicação Social, pelo menos enquanto não surgir uma necessidade absoluta de a fazer.

Paixão pelo desporto

Para além de ser muito comunicativa, a escolha do curso de Comunicação Social foi  influenciada pela grande paixão que nutre pelo desporto.

«Adoro desporto, não sei se é por não poder praticar outras modalidades para além da natação, ou por influência do meu pai que já foi desportista», refere, acrescentando que é «uma enciclopedista desportiva». «Gostava de poder, um dia, chegar a entrevistar os meus ídolos, como José Mourinho», confessa.

«Gostava ainda de visitar alguns países e de ser uma boa jornalista», revela. Desde cedo que a paixão se foi revelando. Teve aulas de natação dos quatro anos aos 14 anos, altura em que fez uma pausa voltando mais tarde, aos 17 anos, mas desta vez apenas como praticante livre. É dentro de água que Filipa se sente mais autónoma. «Eu digo sempre que deveria ter nascido e viver dentro de água, pois é o único sítio onde me sinto levezinha, faço tudo e ando sozinha, dá-me prazer a comunicação com a água».

Hoje lamenta não ter levado mais longe a prática de natação. «Arrependo-me de não ter tentado fazer parte dos paraolímpicos», desabafa. Ainda assim, pratica sempre que pode, e a paixão pelo desporto move-a em busca de um grande sonho que prefere não revelar, mas que está ligado a essa paixão.

A luta, o cansaço e mais sonhos

Viver nem sempre é fácil. «Tudo pode ser mudado e temos que lutar mas, por vezes, lutamos tanto que também nos cansamos». É nessas alturas que lhe ocorrem  pensamentos menos positivos mas nem por isso derrotistas. «Tenho momentos em que imagino «e se fosse normal o que é que faria?» mas rapidamente ajusto para o que  posso fazer para ultrapassar as adversidades dadas pelo problema?».

Para além de lutadora, Filipa revela-se uma sonhadora incurável. Os seus sonhos são semelhantes aos dos jovens da sua idade aliados a um pouco mais de dificuldades, que  parece não temer. Antes de mais, acabar o curso e conseguir trabalho na área. A longo prazo, ser mais autonóma é o seu maior objetivo, começando por ter casa e carro  próprios adaptados às suas necessidades.

A Associação Portuguesa de Osteogénese Imperfeita, teve um papel importante na sua vida e por essa razão sonha que associações como esta cresçam para que haja cada vez mais apoios aos que padecem desta doença. «Com a Associação aprendi a lutar mais e a queixar-me menos do meu problema e das coisas». Não é, pois, de estranhar que a doença não lhe tenha roubado o sorriso nem a alegria de viver, interpretando a felicidade de uma forma pessoal.

«Feliz toda a vida ninguém é. Eu costumo dizer que tenho momentos felizes». Filipa deixa assim uma ideia de força face a algo que interpreta  como sendo apenas uma dificuldade contra a qual tem que lutar como qualquer outra adversidade da vida. Uma atitude que, para além de a ajudar, pode ajudar outros doentes. «Se eu der força a alguém já é ótimo para mim».

Os conselhos de Filipa Ramalhete

- Seja sempre positivo
«Não se deixe abater pelos obstáculos. Não é fácil, mas tem que haver essa luta»

- Viva a vida
«Tente ter uma vida o mais normal possível»

- Não se esconda
«Não faça disto um bicho de sete cabeças, que não é»

- Aprenda
«Ganhe o hábito de pesquisar sobre as suas necessidades»