Má para a carteira mas não só. «A crise pode refletir-se de diferentes modos na saúde dos portugueses». Quem o diz é o professor Adalberto Campos Fernandes, que não tem dúvidas de que «as restrições económicas acarretam, quase sempre, alterações nos estilos de vida e no comportamento alimentar».

Se está a pensar abandonar a leitura deste texto porque não pode mais ouvir falar da crise, pense duas vezes.

Traçámos, de facto, os piores cenários e antecipámos  consequências desagradáveis, mas não sem lhe propormos um manancial de estratégias para sobreviver saudável aos dias difíceis. Com imaginação, arte, engenho e, mais importante que tudo, sem gastar muito dinheiro.

Como nos afeta?

Adalberto Campos Fernandes assegura que «existe uma profusa evidência científica que correlaciona dificuldades económicas e sociais com agravamento dos indicadores de saúde dos indivíduos e das populações», mas não se atreve a «estimar, com rigor, qual o impacto direto destas situações quer a nível da morbilidade quer a nível da mortalidade».

O que é certo, na opinião do professor da Escola Nacional de Saúde  Pública, é que «estão reunidas um conjunto de condições que favorecem um agravamento das  condições de vida, particularmente, dos mais dependentes, seja pela idade, pela doença ou pela condição económica e social».

Segundo o especialista, a alimentação e a alteração dos estilos de vida são os primeiros a ressentirem-se. «As consequências são, normalmente, uma alimentação mais  desequilibrada em quantidade e em qualidade, menos exercício físico, mais stress e condições favoráveis para a ocorrência de situações depressivas», alerta.

Aliás, devido à crise e às medidas impostas pelo plano de austeridade, as doenças do  foro mental serão, daqui a vinte anos, a principal causa de baixas médicas dos trabalhadores, estima o Observatório Regional de Saúde do Algarve. A obesidade é outra doença com tendência a aumentar nos próximos tempos, alerta a Adexo - Associação Portuguesa de Obesos e Ex-Obesos de Portugal.

Estamos preparados?

A potenciar o agravamento deste quadro, desde já pouco simpático, está a restrição no «acesso e utilização dos cuidados de saúde», refere.

Adalberto Campos Fernandes considera  «indispensável que o sistema de saúde crie condições para evitar que a crise económica possa agravar as condições de saúde dos cidadãos, com particular importância no caso dos doentes crónicos e com menores rendimentos».

Mas avisa que nem tudo pode ficar às costas do sistema nacional de saúde. «Neste contexto difícil, a resposta tem de ser integrada, envolvendo não apenas o sistema  nacional de saúde, mas também a segurança social, a comunidade, o setor social, as  organizações não governamentais e, sobretudo, as instituições particulares de solidariedade social», explica.

Quais as consequências?

O especialista em saúde pública ressalva que não é motivo para alarmismos, uma vez  que o «sistema de saúde garante um dispositivo que permite salvaguardar a ocorrência de situações extremas». Nem mesmo os cortes na função pública são motivo para se esperar falhas nos serviços, assegura.

«O problema não está tanto no número absolutode recursos mas sim na sua distribuição e na organização da resposta», explica. E prossegue, dizendo que «existe uma oportunidade de reorganização dos serviços, concentrando, nalguns casos, unidades e valências, o que permitirá uma maior eficiência na gestão dos recursos humanos».

Por tudo isto, e mesmo com o aumento das taxas moderadoras, previsto no memorando  assinado pela troika internacional com o Governo português, Adalberto Campos  Fernandes não acredita que os cuidados primários venham a ser descurados. «Não me parece que exista esse risco», desmistifica.

Quais as soluções?

O especialista está convencido de que está em cada pessoa a capacidade de dar luta à crise e de não deixar que ela traga problemas adicionais. Não é fácil poupar em saúde mas há formas de fazer uma gestão mais adequada às circunstâncias.

«O mais importante é sermos capazes de definir bem as prioridades, adequando o nível de rendimento às necessidades fundamentais», sublinha. E deixa uma receita de ouro para que se alcance esse objetivo.

«No topo dessas prioridades deverão estar uma alimentação saudável, que não tem que ser necessariamente muito cara, o exercício físico e a vigilância dos parâmetros básicos relativos à saúde», refere ainda este especialista.

Como poupar e ganhar saúde?

1. Alimentação

A ideia de que comer bem é caro, é um mito. Quem o diz é uma campanha da  Fundação Calouste Gulbenkian, que garante que «Comer bem é mais barato». Com o apoio técnico da Associação Portuguesa de Nutricionistas, a iniciativa percorreu o país para divulgar receitas saudáveis e deliciosas, com o custo de um euro porpessoa.

2. Exercício físico

A mensalidade de um ginásio é incomportável? Isso é desculpa de preguiçoso. Pode sempre andar de bicicleta, aproveitar o verão para caminhar na praia e noutros locais ao ar livre, nadar, levar as crianças ao parque, entre outras atividades. E se está a meio caminho da depressão porque está desempregada, mais uma razão para não se fechar em casa. Tire uma hora para tratar do corpo e da mente. Que tal nos vários circuitos de manutenção gratuitos que há pelo país?

3. Vigilância

Sabia que o médico de família é o especialista indicado para medir os parâmetros básicos de saúde? E que pode fazer exames de rotina, como as citologias para  despistagem do cancro do colo do útero ou o exame à mama, no Centro de Saúde, sem ter pagar uma consulta de especialidade no sistema privado de saúde? Não há desculpas para falhar os check-ups. Esteja também atenta aos rastreios gratuitos promovidos regularmente pelos centros de saúde e diversas outras entidades, como a Associação Portuguesa de Cancro Cutâneo, a Sociedade Portuguesa de Pneumologia ou a Associação Portuguesa de Dietistas, por exemplo.

4. Medicação

Um doente crónico pode achar que há pouca margem de manobra para poupar em medicamentos. No entanto, segundo Adalberto Campos Fernandes, «esta é uma  importante oportunidade para que os cidadãos discutam com o seu médico e com o seu farmacêutico as opções terapêuticas mais adequadas, tendo em conta não apenas a  necessária eficácia e a segurança mas também o preço». Os genéricos podem ser uma boa opção. No que toca a medicamentos de venda livre, um estudo da Universidade Nova de Lisboa, diz que é possível poupar, em média, seis por cento se forem comprados nas parafarmácias.

Texto: Sandra Cardoso com Adalberto Campos Fernandes (mestre em saúde pública)