Imagine que era possível distinguir um tecido saudável de um tecido doente através de um exame não invasivo do organismo e sem radiação ionizante como a do raio X. Este seria, o grande objectivo de Raymond Damadian, o investigador que, em 1970, descobriu que a técnica da ressonância magnética nuclear poderia ser usada como método de diagnóstico.

«Pela primeira vez, regiões do corpo humano como o cérebro, a espinal medula, mas também o sistema músculo-esquelético, a pélvis, o coração e as veias puderam ser retratados sem qualquer manipulação invasiva e de uma forma que antes só era possível através de um exame directo durante uma operação ou no decorrer de uma autópsia», refere a Universidade de Manchester num documento online sobre a história desta técnica.

Para percebermos como funciona, como surgiu e as potencialidades deste método de diagnóstico, falámos com Nuno Jalles Tavares, médico-radiologista na clínica Ressonância Magnética de Caselas.

A técnica

Um conjunto de átomos é estimulado por um campo magnético forte. Paralelamente, são emitidos sinais de rádio de baixa intensidade e monitorizada a forma como ressoam.

O tempo de resposta dos átomos activados pelo campo magnético varia dependendo do material que estiver a ser examinado: «Núcleos do mesmo tipo experimentam frequências de ressonância diferentes, dependendo da composição química e do efeito causado pelos campos magnéticos dos electrões nas moléculas», explica Nuno Jalles.

Descoberto e desenvolvido por Felix Bloch e Edward Purcell na década de '30 e '40 do século XX, este processo começou por ser aplicado como técnica de análise química em 1950 por Proctor e Yu – a chamada espectroscopia por ressonância magnética.

A sua aplicação para fins médicos teria que esperar pela descoberta de Damadian na década de '70, que viria a ser aperfeiçoada por Paul Lauterbur e Peter Mansfield para dar origem aos primórdios do exame de diagnóstico por imagem tridimensional que conhecemos hoje.

Mais-valias

Tal como o raio-X, a ressonância magnética pertence ao âmbito da imagiologia, já que permite obter uma imagem do interior do corpo. No entanto, é considerada mais segura e praticamente isenta de riscos por não utilizar radiações.

«As vantagens estão nas características não invasivas, na não utilização de radiação ionizante e na apresentação de imagens multiplanares com grande resolução espacial», salienta Nuno Jalles Tavares. Além de ser possível «discriminar facilmente os tecidos moles», este exame «fornece informação tanto morfológica como funcional», sublinha a Universidade de Manchester. Desta forma, permite avaliar não só a composição do organismo, como também o seu funcionamento.

De acordo com a Universidade de Manchester, esta técnica «substitui e, por vezes, ultrapassa técnicas como a tomografia computorizada».  Por outro lado, quando comparada com técnicas como o raio X, «a energia da ressonância magnética é nove ordens de magnitude mais baixa», refere a mesma fonte.

Riscos

«A ressonância magnética nuclear não implica qualquer risco para o paciente», assegura Nuno Jalles Tavares. No entanto, «em termos de conforto é penalizada por os exames poderem ser morosos, de acordo com a complexidade da patologia, e por o doente estar confinado a um túnel [magnete], o que pode levar a ansiedade e desconforto», considera.

Embora não envolva restrições para a maioria das pessoas, «certos doentes não pode recorrer ao método por ter no corpo objectos incompatíveis com o magnete e as ondas de radiofrequência utilizadas para formar a imagem». É o caso dos portadores de pacemakers, bem como de materiais utilizados para encerrar malformações vasculares a nível do sistema nervoso central e implantes cocleares, entre outros.

Já a gravidez «não é uma contra-indicação, ao contrário do que acontece com o raio x», esclarece o médico radiologista.

Aplicações médicas

Com pouca utilidade para fins de tratamento, a ressonância magnética é uma importante ferramenta no diagnóstico de inúmeras doenças: «O número de aplicações tem vindo a expandir-se e pode afirmar-se que pode ser extremamente útil em quase todas as patologias», advoga Nuno Jalles Tavares. A par da ortopedia, oncologia e medicina cardiovascular, a neurologia e neurocirurgia são duas das especialidades médicas que mais recorrem à sua realização.

Com a introdução e disseminação do método de ressonância magnética nuclear, alguns  meios de diagnóstico mais convencionais foram substituídos. É o caso do raio X, da tomografia computorizada e da ecografia. Contudo, «na maior parte das patologias, os métodos são complementares, não estando em vias de ser abandonados», afirma o especialista.

Futuro

Em Portugal, os primeiros centros médicos a recorrer ao diagnóstico por ressonância magnética nuclear datam de finais dos anos '80, inicialmente em Setúbal e Lisboa e, posteriormente, no Porto e em Coimbra. Hoje, a técnica está presente em dezenas de serviços públicos e privados de saúde em todo o país.

«Os maiores avanços relativamente aos primórdios da técnica têm sido originados na utilização e optimização de sequências ultra-rápidas, detectores mais potentes e capacidades de computação muito alargadas», enumera Nuno Jalles Tavares. Como resultado, o tempo de exame foi encurtado «significativamente» e foi possível alargar as aplicações do exame «a fenómenos em que a resolução temporal se torna determinante».

Como ilustração das mais recentes aplicações desta técnica, a Universidade de Manchester refere a angiografia por ressonância magnética a duas e três dimensões, que «fornece um mapa das veias de todas as partes do corpo, além de ser possível traçar um perfil da velocidade funcional da corrente sanguínea». Outro exemplo referido é a chamada fluoroscopia (ressonância magnética em tempo real), que permite a realização de estudos interventivos in vivo, como é o caso dos estudos do cérebro.

No futuro, a conjugação destes avanços com a imagem molecular «trará enorme valor acrescentado para o diagnóstico muito precoce de muitas patologias e o que tal facto implica para a abordagem terapêutica das mesmas», antecipa Nuno Jalles Tavares.

Por outro lado, de acordo com o médico radiologista, a ressonância magnética «começa agora e ainda de forma um pouco experimental a ser utilizada como método auxiliar de terapêutica, tendo em conta ser uma técnica tridimensional». A Universidade de Manchester é categórica: «O futuro da ressonância magnética na imagiologia é brilhante.»

Texto: Rita Miguel com Nuno Jalles Tavares (médico radiologista)