É uma das muitas doenças silenciosas que se manifestam apenas em situações extremas e geralmente demasiado tardiamente.

Uma arma fundamental para a combater é a prática regular de exercício físico. Nos últimos anos, foram desenvolvidas terapêuticas que melhoram a sobrevida e qualidade de vida dos doentes, mas o panorama continua a ser preocupante.

Em entrevista à Prevenir, Brenda Moura, coordenadora do Grupo de Estudo da Insuficiência Cardíaca da Sociedade Portuguesa de Cardiologia explica os mecanismos da patologia, enumera os fatores de risco e descreve os tratamentos disponíveis para combater aquela que muitos apelidam de verdadeira epidemia. «Só podemos dar aos doentes o melhor tratamento se eles recorrerem ao seu médico», adverte a especialista.

De uma forma resumida, o que é que se entende por insuficiência cardíaca?

Insuficiência cardíaca é a incapacidade do coração bombear sangue na quantidade necessária para satisfazer as necessidades do organismo. Isto quer dizer que, habitualmente, os doentes não têm sintomas em repouso, a não ser em situações extremas, mas quando fazem algum esforço os sintomas aparecem, pois o organismo necessita de mais sangue e o coração não consegue realizar esse maior trabalho.

Como podemos detetar situações de insuficiência cardíaca? Os sintomas são suscetíveis de serem confundidos com os de outras patologias?

A suspeita de insuficiência cardíaca começa pelos sintomas que o doente apresenta e são, sobretudo, falta de ar e cansaço. São de facto sintomas que podem aparecer em muitas outras situações e, por isso, é necessário recorrer a um médico, que vai tentar esclarecer a situação.

É fácil detetar esta patologia através de exames? Não se corre facilmente o risco de um diagnóstico errado?

Os exames são fundamentais, não só para excluir outras doenças, como para corroborar o diagnóstico. Sem exames é muito difícil fazer um diagnóstico correto.

Quais os fatores de risco da insuficiência cardíaca?

Os fatores de risco de insuficiência cardíaca são a dislipidemia (colesterol alto), a diabetes mellitus, a obesidade e o sedentarismo. Ter hipertensão ou ter tido um enfarte do miocárdio são as condições que mais frequentemente levam a insuficiência cardíaca.

Existem outras doenças que podem contribuir para o desenvolvimento da insuficiência cardíaca? Se sim, quais e como?

A insuficiência cardiaca tem como causas principais, como já referido, a doença coronária (enfarte do miocárdio) e a hipertensão.

Quando um doente tem um enfarte, o que acontece é que parte do coração morre. O coração vai ficar com menos força para trabalhar e, portanto, o doente vai ter insuficiência cardíaca.

Quanto à hipertensão arterial, ela obriga o coração a fazer um esforço maior para bombear o sangue para o resto do organismo.

Este esforço, ao longo do tempo, vai levar a alterações no coração e ele vai perdendo gradualmente a força.

Há quem apelide a insuficiência cardíaca de epidemia do séc. XXI. Pode, efetivamente, atribuir-se-lhe essa designação?

Sim, porque a prevalência de insuficiência cardíaca tem vindo a aumentar. Isto acontece porque tratamos muitas situações nas quais, dantes, havia uma mortalidade muito alta. As pessoas, agora, sobrevivem a essas situações e vão viver tempo suficiente para desenvolver insuficiência cardíaca.

Em que grupo etário mais prevalece a doença?

A prevalência de insuficiência cardíaca aumenta ao longo da vida. Em Portugal, no escalão acima dos 80 anos, a prevalência é de 16%.

Que terapêuticas existem para o tratamento da insuficiência cardíaca? Nos últimos anos, assistiu-se a uma componente de inovação terapêutica assinalável?

Há muitas formas de tratamento. Depende de caso para caso. Para alguns doentes, o melhor tratamento são os fármacos, para alguns pode haver necessidade de cirurgia e há também doentes que beneficiam de dispositivos especiais, como os pacemakers. Num grupo muito restrito de doentes pode haver, como solução, o transplante. Nos últimos 20 a 30 anos houve uma imensa evolução no tratamento destes doentes. Nessa altura, pouco mais se fazia por estes doentes para além de aliviar a falta de ar.

Quais as medidas adequadas para um tratamento eficaz?

Para a grande maioria dos doentes, é necessario cumprir bem a medicação, ter cuidados alimentares e fazer algum tipo de atividade física. Queria chamar a atenção para o papel fundamental do exercício. Porque sentem falta de ar com os esforços, os doentes tendem a achar que este faz mal ou que se deve evitar e tal não é correto. O exercício é uma arma fundamental no tratamento dos doentes com insuficiência cardíaca. Claro que não deve ser igual para todos e alguns doentes devem até iniciar o programa de exercício sob vigilância médica.

Os doentes aderem facilmente ao tratamento ou podem existir alguns constrangimentos, nomeadamente de ordem financeira, sobretudo em tempos de crise e austeridade?

Obviamente que podem existir alguns constragimentos de ordem financeira.

Embora alguns fármacos possam ter um preço relativamente baixo, eles não são gratuitos.

Acontece que, por vezes, estes doentes têm de tomar inúmeros fármacos, pois têm HTA, diabetes, colesterol alto, etc.

Já em relação aos dispositivos, o preço é muitíssimo elevado e, portanto, a sua utilização tem de ser muito criteriosa. E, depois, há também a falta de adesão dos doentes a alguns medicamentos, pois nem sempre os doentes têm a noção de como os fármacos são importantes para melhorar a sua qualidade de vida e sobrevida.

Apesar do desenvolvimento tecnológico e de maiores recursos farmacológicos nas últimas décadas, por que razão a incidência de insuficiência cardíaca tem vindo a aumentar nos últimos anos? Como interpreta esta evolução?

Para além do já referido anteriormente, o facto da população viver até idades mais avançadas, vai fazer com que tenha tempo de manifestar insuficiência cardíaca. Existe uma forma de insuficiência cardíaca que é muito prevalente nos idosos e que está diretamente na dependência do sedentarismo e da obesidade. Estão, assim, conjugados diversos fatores que levam ao aumento do número de casos de insuficiência cardíaca.

Texto: Luis Batista Gonçalves