Os distúrbios do comportamento alimentar, como a anorexia, a bulimia e a compulsão, são muitas vezes vistos como meros problemas do foro alimentar.

Para o nutricionista Rodrigo Marrecas de Abreu e a psicóloga clínica Penélope Villar, autores do livro «A idade do armário» (A Esfera dos Livros), esses podem ser apenas a ponta de um icebergue que esconde outras preocupações.

«Há muito mais por trás desse comportamento do que o simples desejo de corresponder a um ideal de beleza», asseguram mesmo os especialistas. Das mudanças corporais às transformações emocionais que ocorrem no período entre os 10 e os 15 anos, passando pela descoberta da sexualidade e pelas doenças típicas desta fase, aprenda a lidar com o seu filho nesta etapa intermédia e desmistifique algumas das questões que mais o preocupam.

É comum, na etapa intermédia que medeia entre a infância e a adolescência, o apetite aumentar, nalguns casos desmesuradamente. Como é que os pais que se preocupam com a saúde dos filhos devem lidar com o problema de modo a evitar situações de obesidade ou de doenças associadas aos excessos alimentares?

É importante ajustar a alimentação a esta etapa de crescimento, por um lado, garantindo os nutrientes necessários ao normal desenvolvimento e, por outro, evitando excessos ou desajustes que possam conduzir a um peso excessivo. Os pais devem por isso estar atentos ao crescimento dos filhos, vigiando mensalmente a evolução da estatura e do peso.

Caso detetem uma tendência para o aumento de peso devem procurar acompanhamento especializado. O médico assistente ou o nutricionista definirão um plano alimentar adequado às necessidades especificas de cada
pré-adolescente, que permita conciliar aspetos como os horários escolares, as refeições feitas fora de casa e as novas preferências alimentares típicas desta idade.

Existe depois o extremo oposto. Situações em que, desconfortáveis com a sua imagem, deixam de comer, o que pode conduzir a distúrbios como a anorexia e a bulimia. Como devem agir os pais nestas situações?

Mais uma vez, os pais devem estar atentos. Estas situações não surgem de um dia para outro e há vários sinais de alarme, nomeadamente comentários frequentes sobre o aspeto (frases como «estou gorda»), recusa em comer, obsessão por contar as calorias...

São várias as causas para os distúrbios do comportamento alimentar e raramente existe uma solução de curto prazo, pelo que os pais devem procurar apoio junto de um psicólogo. Conhecer os motivos para a distorção da imagem corporal ou para a necessidade controlar tudo o que se come, é uma ajuda preciosa para ultrapassar este problema.

Esta é uma fase de grandes transformações físicas a vários níveis,
tanto para eles como para elas. Quais são, na sua opinião, as alterações
físicas e hormonais mais difíceis de suportar?

Não podemos
esquecer que as alterações hormonais têm implicações no corpo (pelos,
formas, voz, menstruação, ejaculação, por exemplo) e isso gera receios e
inseguranças nos nossos filhos.

Por outro lado, está hoje provado que o
cérebro dos pré-adolescentes se modifica nesta etapa, com consequências
ao nível das escolhas que fazem e dos seus comportamentos.

Tudo isto
requer ajustes constantes por parte dos filhos e muita paciência e
disponibilidade por parte dos pais.

A acne é uma das doenças
que mais atinge os pré-adolescentes. Quais os cuidados preventivos a ter
e os tratamentos mais recomendados, caso esses tenham falhado?

A
acne deriva da atividade hormonal tipica da pré-adolescência e
adolescência, pelo que o principal cuidado preventivo é manter uma boa
higiene da pele e não espremer as borbulhas, espinhas ou pontos negros.
Nos casos mais severos é fundamental o aconselhamento junto de um
especialista que indicará o tratamento mais adequado a cada caso,
nomeadamente antibióticos tópicos, retinoides (tópicos ou orais) ou
tratamentos hormonais.

Em termos de saúde, existem doenças mais típicas da idade do armário. Se sim, quais? E como devem os pais lidar com elas?

Não
há propriamente doenças características desta idade. As principais
causas de internamento entre os
pré-adolescentes relacionam-se mais com
acidentes (de viação, brincadeiras perigosas entre pares, entre outras), agressões e
abusos de álcool ou drogas. Todas estas situações estão profundamente
relacionadas com o período de experimentação por que passam os
pré-adolescentes. Por isso, é importante os pais estarem atentos e terem
noção dos comportamentos dos filhos. 

Esta é também a fase da descoberta da sexualidade. Quais são os
conselhos que os pais têm mesmo de dar aos filhos para que evitem
doenças sexualmente transmissíveis?

A descoberta da
sexualidade em cada um de nós faz-se de forma gradual e progressiva.
Muitas vezes, surge por temas associados como as matérias letivas sobre a
reprodução ou a contraceção.

Os pais devem aproveitar as oportunidades
em que os filhos os procuram para obter respostas sobre estes temas,
para ir introduzindo temas relacionados com a sexualidade.

Devem
falar-lhes da importância da contraceção, dos comportamentos de risco
para as doenças sexualmente transmissíveis (DST) e da salvaguarda da sua
intimidade e querer no que toca ao inicio da vida sexual. Os pais não
devem apenas preocupar-se com a transmissão de informação técnica (que
felizmente hoje já está disponivel um pouco por todo o lado) mas, acima
de tudo, com a sensibilização para os comportamentos no dia a dia dos
filhos.

Além da roupa de marca, dos penteados e dos
piercings, aumentam também as preocupações com a imagem. É normal, nesta
fase, muitas filhas já pedirem às mães para fazer o buço e/ou a
depilação. A partir de idade é que a podem fazer e a que equipamentos e
tecnologias (não) podem recorrer?

Não há propriamente uma
idade definida para a depilação. Dependerá de cada caso, sobretudo
porque com o despertar da atividade hormonal surge por vezes nas
raparigas alguma pilosidade que pode ser desconfortável e causadora de
complexos. Por outro lado, esta vontade de fazer a depilação pode
corresponder apenas a um desejo de entrar no mundo dos adultos…

Sem
ridicularizar os anseios das nossas filhas, pode-se explicar-lhes que
ainda é cedo para terem de se preocupar com isso. Em função da
idade, tipo de pele e zona a depilar, deve escolher-se a forma mais
adequada e segura de retirar ou disfarçar os pelos. Os métodos chamados
definitivos só devem ser aplicados em idades posteriores à

pré-adolescência.

A partir de que idade é que a colocação de um piercing já não é considerada perigosa?

A
colocação de um piercing encerra sempre alguns riscos, quer durante o
procedimento, quer no período que se segue. Se bem que a colocação de um
piercing não seja definitiva (como é uma tatuagem), não deve por isso
ser encarada de ânimo leve ou como uma moda inconsequente. Por
isso, também aqui, cabe aos pais regular estas vontades dos filhos,
percebendo as suas motivações e não acedendo imediatamente a cada pedido
que façam.

É preciso treinar os filhos a ponderar as suas decisões, até
porque para um menor de idade fazer um piercing necessita de uma
autorização dos pais. No que respeita aos piercings, os pais
devem estar ainda atentos a comportamentos de auto-mutilação que podem
estar camuflados com a colocação de brincos e/ou perfuração em certas
zonas, nomeadamente dos mamilos, dos genitais ou do pescoço.