Por que comemos o que comemos e na quantidade em que o fazemos? É evidente que precisamos de nos alimentar para viver, mas a resposta a esta pergunta está longe de se resumir ao facto de comer ser uma necessidade fisiológica. Muito longe disso! «A forma como nos relacionamos com a comida, muitas vezes, é um fenómeno multifatorial. Tem bases sociais, psicológicas, químicas, entre outras», advoga Célia Francisco, psicóloga clínica.

Além de identificar o que a leva a comer deve também analisar o que pensa enquanto o faz. Esta é uma área de investigação que se tem vindo a desenvolver com base num pressuposto lógico. Se a preocupação com o que comemos não é a via para uma solução infalível para problemas como a obesidade, a anorexia e outros distúrbios alimentares, talvez o segredo seja antes perceber porque o fazemos e, assim, redefinir a nossa relação com a comida e connosco mesmos.

A sua personalidade e a química cerebral

No livro «You: A Sua Dieta – O manual de instruções para ter o corpo ideal», os médicos
norte-americanos Mehmet Oz e Michael Roizen identificam as reações químicas relacionadas com a fome e sustentam que são elas, mais do que a personalidade, que explicam as respostas emocionais. Um ponto de vista que a psicóloga clínica Célia Francisco subscreve. «O consumo excessivo de alimentos poderá estar associado a um tipo de personalidade mais ansiosa ou deprimida», refere.

«Perante situações de vida mais complicadas, recorre-se à comida como apaziguador da ansiedade ou tristeza. Mas, na base deste tipo de comportamento também há que salientar motivos químicos. Habitualmente, as pessoas mais ansiosas ou com sintomas depressivos, que recorrem à comida como consolo, têm um défice de serotonina, um neurotransmissor produzido no cérebro e que controla o apetite e o estado de humor», sublinha.

Os autores referem estudos que associam o tipo de alimentos desejados ao estado de humor, com base nos sinais químicos emitidos. 

Quadro artigo

Os seus pensamentos e sentimentos

«Algumas pessoas que fazem dieta acreditam, erradamente, que não podem desenvolver um músculo de resistência forte [face à comida] porque pensam que comem automaticamente. Mas, antes, há sempre um pensamento, mesmo que não tenha plena consciência disso». Quem o diz é a psicóloga norte-americana Judith Beck no livro «The Complete Beck Diet» (Oxmoor House). Filha de Aaron T. Beck, considerado o pai da terapia cognitiva, a autora aplica os princípios desta abordagem da Psicologia à perda de peso, identificando pensamentos «sabotadores».

Saber reconhecê-los e responder-lhes permite, afirma, «desenvolver um poderoso músculo de resistência psicológico». Desta forma, é possível «construir novos caminhos mentais» até que «as respostas se tornam automáticas» e «fazer dieta se torna mais fácil». Isto é o que deve pensar em cada uma das situações:

«Tenho de comer sempre que tenho fome»

Pense antes «Quero muito comer, mas não preciso de o fazer. Sentir fome pode não ser agradável, mas não me impede de continuar o que estou a fazer. Eu consigo!».

«Preciso de comer para fazer desaparecer esta ânsia»

Pense antes «O desejo por comida é como a comichão. Quanto mais penso nele, mais se agrava. Se me distrair, desaparece».

«Estou mesmo a precisar de uma comida reconfortante»

Pense antes «Pode ser reconfortante agora, mas não será depois quando me sentir culpada. Preciso de algo saudável que me satisfaça e me faça sentir bem agora e mais tarde».

«Não faz mal comer isto, é saudável»

Pense antes «Ser saudável não significa que não tem calorias. É muito bom tentar comer de forma saudável, mas tenho de garantir que o que quer que coma cabe no meu total diário».

«Estou a ter um dia mau, mereço comer isto»

Pense antes «Se comer demais, vou sentir-me mal e culpada, o que me tornará ainda mais infeliz. Se me mantiver no rumo é mais provável que o meu dia comece a correr melhor».

«Não faz mal comer isto, é só um bocadinho»

Pense antes «Não é uma questão de calorias, mas de hábito. Quer a comida não planeada tenha 20 ou duas mil calorias, reforçará o meu hábito de ceder».

«Não acredito que acabei de comer isto! Estraguei tudo. Amanhã entro nos eixos»

Pense antes «Se eu estivesse a conduzir na autoestrada e falhasse a saída, continuaria a conduzir mais cinco horas na direção errada? Não, sairia na seguinte. É o que vou fazer agora».

«Fazer dieta é tão difícil! Por que é que estou a fazer isto?»

Pense antes «Boa pergunta! É importante saber sempre por que é que estou a tentar perder peso e o que quero obter com isso. Ler, diariamente, uma lista dos meus motivos vai ajudar-me a ter em mente que é difícil, mas que as vantagens compensam».

O meio que a envolve

Diretor do Laboratório de Alimentos e Marcas da Universidade de Cornell, nos Estados Unidos da América, o investigador Brian Wansink celebrizou-se com o livro «Mindless Eating», editado em Portugal como »Comer Sem Pensar» (Sinais de Fogo). «A maior parte das pessoas está serenamente inconsciente daquilo que influencia a quantidade de comida que ingere», sustém.

«Comemos em demasia, não por termos fome, mas por causa da família e dos amigos, das embalagens e dos pratos, dos nomes e dos números, dos rótulos e das luzes, das cores e das velas, das formas e cheiros, das distrações e distâncias, dos louceiros e recipientes.» O facto de estes fatores parecerem pouco relacionados com o que comemos, argumenta, é precisamente o motivo pelo qual «têm um efeito tão grande», defende.

Condicionar a mente

«Quando uma pessoa se serve previamente, come cerca de 14 por cento menos do que quando põe no prato pequenas quantidades e volta a servir-se mais duas ou três vezes». Deixar à vista ossos, garrafas vazias ou vestígios do que já foi consumido, ajuda a reduzir o que se come ou bebe.

Saciar o cérebro

Troque 20 por cento da dose (por exemplo, de massa) por fruta e vegetais. Esta quantidade corresponde à «margem inconsciente». «A zona em que podemos comer um pouco demais ou de menos sem ter consciência disso», advoga o investigador. Assim superará o mecanismo inconsciente de parar de comer com base em sinais como já nada restar na mesa, todos terem saído ou o prato ficar vazio.

Ilusões óticas

Quanto maior for o recipiente de onde se serve mais irá comer, pelo que é benéfico arrumar os alimentos em embalagens menores. Da mesma forma, deve preferir pratos mais pequenos (a mesma dose parecerá menor num prato do tamanho de uma travessa); e usar copos esguios, já que tenderá a beber mais num baixo e largo. Contornar estas ilusões óticas permite reduzir o que come ou bebe em, pelo menos, 15 por cento.

Medidas dissuasoras

Para comer menos, aumente o esforço necessário para o conseguir. Não compre alimentos tentadores ou arrume-os num armário de difícil acesso. Use fita-cola em vez de molas para fechar pacotes. Deixe a travessa a, pelo menos, dois metros da mesa e petisque apenas à mesa num prato vazio, para ter de se servir, comer e limpar.

Superar a fome emocional

Para avaliar se são as suas emoções que a motivam a comer, e conseguir superá-la, experimente fazer o que se segue:

- Sempre que estiver prestes a comer, pense no seu estômago como um depósito. Estará a zero, a ½, ¾, cheio, muito cheio ou a abarrotar? O ideal será ficar entre ¾ e cheio. Se o fizer sempre, ao fim de duas semanas perceberá instintivamente por que é que come.

- Para diminuir o risco de se desviar dos bons hábitos, diminua as opções. Coma todos os dias a mesma coisa à refeição em que tem menos tempo.

- Coloque na despensa uma lista de emergência de alimentos saudáveis para quando a fome emocional ataca.

- Procure identificar as necessidades que está a tentar preencher com a comida e busque outras formas de o fazer, nomeadamente ocupando o tempo com a família, o trabalho, o exercício, um hobby que a apaixone, a meditação ou oração.

Texto: Rita Miguel com Célia Francisco (psicóloga clínica)