Em 2016 a nutricionista Rita Boavida dava aos escaparates e aos leitores o seu primeiro livro, “O Fator pH” (Editora Manuscrito). Um manual para reeducarmos a nossa dieta, menos ácida, mais alcalina. Menos café, refrigerantes, sal e açúcar, mais fruta, legumes, sementes, grãos, tubérculos, chás, sumos. Agora, em 2017 a autora volta ao contacto com os leitores e consubstancia o seu título anterior com “As Receitas do Fator pH”. Um título que não é apenas um complemento à obra anterior, faz-lhe uma atualização e sugere ao leitor uma mudança na alimentação. Sem radicalismos, mas com equilíbrio. Conversamos com Rita Boavida para perceber o que é o pH do corpo, como se geram desequilíbrios no organismo e como os neutralizar.
Rita, antes de entrarmos na conversa sobre a dieta alcalina, a pretexto do seu novo livro “As Receitas do Fator pH”, gostaria que a autora se apresentasse.
Quando frequentava o 10º ano queria seguir Economia no ensino superior, porque gostava muito de matemática. Acabei por não ter grande entusiasmo pelas disciplinas e, coincidindo com essa época, recebi o incentivo do meu pai para prosseguir na área da nutrição. Tinha um grande interesse pelos alimentos e pela dieta humana. Isto num tempo em que não se falava muito de nutrição. Segui, então, o caminho da nutrição. Licenciei-me em Ciências de Nutrição pelo Instituto Superior de Ciências da Saúde Egas Moniz. Mais tarde, apaixonei-me pela nutrição desportiva. Acabei por trabalhar durante seis anos com a Seleção Nacional de Râguebi. Como tinha o meu pai na área da estética, comecei também a interessar-me pela nutrição relacionada com o anti-ageing. Mais tarde o meu pai teve um tumor maligno. Nesse contexto comecei a estudar a alimentação alcalina, como forma de prevenção mas também como forma de fazer uma dieta saudável. Por exemplo, nas doenças oncológicas a dieta
alcalina não cura mas pode ajudar nesse processo. Isto porque aumenta o consumo de produtos de origem vegetal e diminui o consumo de produtos de origem animal.
Rita, para darmos um primeiro enquadramento a esta nossa conversa, pode explicar-nos o que é o pH, tão importante como referência para a sua Dieta Alcalina?
O pH é uma forma de medida, que nos indica a acidez, a neutralidade ou a alcalinidade de tudo aquilo que está à nossa volta. Tudo depende do valor de pH, o mar, a terra, a nossa pele e o nosso organismo. Se houver um desequilíbrio grande no pH seja no mar ou na terra, os alimentos não crescem, os peixes morrem. Com esse desequilíbrio o nosso corpo também pode sofrer. Na prática o pH mede-se numa escala que vai de zero a 14. Vamos supor que uma solução tem um pH abaixo de sete. Nesse caso é ácido. Se o valor for superior a sete, será alcalino. Igual a sete, é neutro como, por exemplo, a água pura
Como podemos avaliar o pH do nosso organismo?
Um método, utilizado pela comunidade médica passa por, quando fazemos análises à urina, determinar o pH desta. Num equilíbrio ácido-base do nosso organismo o valor de pH da urina tem de estar balizado entre 6,5 e 7,5. Abaixo disto estamos acidificados, ou seja a produzir ácidos a mais que não estão a ser neutralizados, e estamos a eliminá-los.
Isto em qualquer idade?
Hoje em dia há pediatras que aconselham a que se ingira água de Monchique, alcalina, que ajuda a equilibrar o pH da urina, tornando-o menos ácido. Isto, por exemplo, para que os bebés não tenham tantas assaduras na pele. No caso dos jovens é mais fácil encontrar o equilíbrio, porque nessa fase o nosso organismo, em grande parte desta população, funciona muito bem. No caso de pessoas mais idosas, o organismo já está mais debilitado e é mais difícil encontrar a auto regulação. O ideal é todos nós termos o valor que indiquei na urina. Será mais difícil em alguns casos, face a noutros, depende se o organismo está mais envelhecido ou não.
No fundo o que a Rita defende neste seu livro “As Receitas do Fator pH”, assim como no interior “O Fator pH”, é uma conciliação entre os nossos hábitos alimentares e o valor ideal de pH. Estamos a cometer muitos erros?
Sabemos que diariamente o nosso organismo produz um excesso de ácidos através do metabolismo, ou quando fazemos exercício. O que a dieta alcalina tenta fazer é ajudar o corpo no processo de neutralizar esses ácidos, de modo a que não usemos reservas de minerais como o cálcio, magnésio e potássio e, por vezes glutamina [aminoácido existente no nosso músculo], para conseguir essa neutralização. Não se trata de uma dieta para alterar o pH do organismo, como muita gente pensa.
Temos que ter o pH do sangue num limite estreito e o nosso organismo tem de fazer esse trabalho para o manter. Com a dieta alcalina fornecemos esses elementos ao corpo para que ele seja poupado nesse processo. Se introduzirmos alimentos dos quais vão resultar resíduos ácidos estamos a dar mais trabalho ao nosso corpo. Com a idade, como referi antes, este processo é mais difícil, o corpo está mais envelhecido e de que fazer esforço acrescido, acabando por enfraquecer e adoecer.
Então quais são os alimentos mais “amigos” do nosso corpo, e que não o obrigam a trabalhar tanto, e quais os que nos prejudicam e obrigam o nosso corpo a “fazer horas extraordinárias”?
Os mais prejudiciais são os produtos industrializados, com excesso de sal refinado que é extremamente ácido. São alimentos que não têm quaisquer vitaminas e minerais, não são benéficos para a saúde. Tal como o açúcar branco refinado, as gorduras hidrogenadas, trans, na realidade o organismo nem as reconhece porque são gorduras que não existem na natureza, são fabricadas pelo homem. Estes alimentos são prejudiciais ao nosso organismo. Sem radicalismos, a dieta alcalina não os proíbe, diz sim para serem consumidos esporadicamente. Outro grupo responsável pela acidificação e que deve ser consumido em quantidades menores, é o dos alimentos de origem animal. Sem os eliminar há que saber reduzir doses e combiná-los com outros alimentos. Não vamos comer um bife de 200 gramas com batatas fritas. Vamos diminuir a porção de carne e acompanhá-la de uma salada e batatas cozidas. Ou seja, alimentos que nos protegem das toxinas que a carne tem.
A Rita toca numa questão importante, a das porções alimentares.
Digo sempre que devemos fazer da carne o acompanhamento. Muitas pessoas chegam às consultas e dizem que fazem uma alimentação saudável porque comem grelhados acompanhados de legumes. Uma alimentação saudável não é só ingerir um bife grelhado com tomate e salada. Isso não é suficiente, temos de variar nos legumes porque cada um é rico em nutrientes específicos.
No seu livro coloca também nesta lista de alimentos desaconselhados, o peixe, o que não é muito comum. Porquê?
Hoje em dia sabemos que o peixe tem metais pesados. Neste caso em concreto, não indico o peixe por ser um alimento perigoso, mas sim acidificante. Isto, pese embora poder ser consumido porque também não podemos ser excessivamente alcalinos. Tal como referi há pouco, temos de procurar o equilíbrio e isso faz-se, também, com bom senso. Ou seja, ingerimos o peixe, acompanhado de alimentos alcalinos. Se não o conseguirmos fazer, podemos depois compensar com um lanche alcalino ou com uma refeição mais alcalina no final do dia. Repare, uma dieta 100% alcalina é perigosa para a nossa saúde porque o organismo terá um défice de nutrientes essenciais presentes em alimentos acidificantes, e terá que fazer o processo inverso, eliminar o excesso de bases para manter o pH do sangue nos valores equilibrados o que também não é benéfico. Há alimentos acidificantes, como por exemplo o peixe rico em ómega 3, com ação benéfica no nosso organismo
O corpo humano é por si uma “máquina” autorregulada, não é suposto ao termos mecanismos de autorregulação que esteja incluído o do ajuste do pH?
Sim, temos mecanismos quem fazem a regulação da temperatura, dos níveis de açúcar, entre outros. Muitas vezes as pessoas afirmam que o corpo tem forma de equilibra o pH, de fazer o detox. Logo que esta dieta não fará sentido. Mas o corpo envelhece e a alimentação alcalina ajuda bastante.
Quando é que a Rita introduziu esta dieta na sua prática profissional?
Há uns cinco ou seis anos, quando foi detetada uma doença grave num familiar. Já tinha ouvido falar e sempre achei a dieta interessante, mas nunca tinha aprofundado a matéria. Percebi, então, tratar-se de uma dieta que fazia muito sentido, sendo muito equilibrada, próxima do vegetarianismo, fundada nos legumes. Atualmente, as pessoas ligam muito ao abacate e ao óleo de coco, esquecendo-se que é nos legumes que estão muitos minerais. Qualquer pessoa pode fazer a dieta alcalina, é 100% segura, não retira nenhum macronutriente, gordura, hidratos de carbono, por exemplo, como certas dietas o fazem. É muito completa e introduz os minerais que temos em maior défice, como o iodo [que apesar de ser um mineral acidificante conseguimos encontrá-lo em alimentos alcalinizantes como por exemplo nas algas e no sal marinho], magnésio, cálcio e potássio
A Rita inclui 150 receitas no presente livro. Julgo que terá sido um processo que lhe ocupou muito tempo?
Gosto de cozinhar e de inventar. Se me derem uma receita para eu seguir, o resultado vai sair todo alterado. O que me custou mais foi ter de dar quantidades, porque na cozinha eu não peso nada, faço tudo a olho. Vou experimentando para ver se preciso adicionar mais alguma coisa, se a textura está boa. O meu processo é muito experimental, de ir acrescentando alimentos. O que eu tentei neste livro foi usar muitas especiarias e ervas aromáticas porque acho que estão em falta, promovem a redução de sal e são riquíssimas em nutrientes muito importantes para a nossa saúde. Outro aspeto importante foi dar opções como por exemplo. o uso de peixe, tofu ou seitan. Se não consome iogurte normal sugiro o iogurte de coco ou o de soja. Tentei sempre dar opções a intolerantes a glúten, lactose e vegetarianos.
Muitas pessoas argumentam que têm falta de tempo para cozinhar e consomem comidas pré-confecionadas congeladas. As suas receitas são demoradas na elaboração?
Não, algumas são até muito rápidas. Prefiro que as pessoas façam duas ou três doses e congelem, para não irem ao supermercado comprar comida processada. Muitas pessoas dizem que não gostam de comida congelada, eu prefiro que comprem legumes congelados, a que comam tomate e alface todos os dias. A congelação não vai destruir o alimento. Recomendo que se faça o uso de recipientes de vidro ou porcelana e, depois, ao chegar a casa basta tirar do frigorífico e colocar a comida no forno.
A Rita também nos convida a arriscarmos e experimentarmos alimentos e combinações menos usuais, quer dar-nos alguns exemplos?
Claro. Uma das sugestões é misturar na salada de fruta legumes, ervas aromáticas e especiarias. Fazer torradas com batatas, para substituírem o pão. Por exemplo um pequeno-almoço com sandes de beringela, com ovo escalfado. Hambúrgueres de peixe ou tofu. Nas sopas, a de abóbora com curcuma e laranja. É diferente e muito boa para comer no verão. No tradicional caldo-verde usei mandioca em substituição da batata, dá corpo e é um legume muito diferente. Como petisco uso o edamame que é soja verde.
Temos também diferentes formas de salgar, reduzindo o sal. O gomásio é um substituto do sal, o sal triturado com algas vai conferir-lhe mais iodo. Hoje em dia temos, principalmente, as crianças com deficiência de iodo. As pastas de atum ou de queijo com abacate para substituir a maionese, com abóbora e chocolate para barrar no pão para as crianças. Basicamente tento que as pessoas introduzam e se habituem a consumir vegetais e legumes no seu quotidiano.
A Rita também “pisca” o olho aos pais no sentido de cuidarem da alimentação dos filhos porque o mimo com o doce pode ser contraproducente, certo?
Sim, um exemplo é quando as mães estão a fazer as papinhas para os bebés e experimentam. Como lhes parecem sensaboronas, dado não terem sal nem açúcar, adicionam-nos. Na realidade a criança nunca os experimentou e não lhes sente a falta. Quanto mais tarde dermos esses alimentos melhor. Depois temos que dar o exemplo em casa, se a mãe não come os legumes então o filho também não os vai querer. Neste livro as receitas são para toda a família com a vantagem dos legumes estarem introduzidos na receita. Os brócolos podem ser apresentados em puré. A couve-flor como base para um molho branco.
No seu livro refere o processo de mastigação…
Nós temos enzimas a degradar os nutrientes. Uma boa mastigação dá menos trabalho ao estômago durante a digestão e muito menos trabalho ao nível dos intestinos. A absorção dos nutrientes é melhor, não temos tanta fermentação [diminuindo o inchaço na barriga], a digestão é muito mais facilitada.
A comunidade médica aceita bem esta dieta?
Há uma divisão muito grande. Muitas pessoas dizem que não há estudos que comprovem que a alimentação alcalina é boa, mas há. Temos um estudo com 60.000 mulheres que fizeram uma dieta ácida e em que havia a probabilidade de 56% terem diabetes Tipo II. Existem também estudos relacionados com as hormonas da tiróide em que a alimentação ajuda na excreção das mesmas e melhora bastante a saúde de pessoas que têm problemas neste contexto. Existem estudos que provam que a dieta melhora naquilo que se prende com a hormona de crescimento, que é benéfico para manter a parte muscular e a densidade óssea, por isso as mulheres que estão na menopausa têm um benefício grande em fazer a dieta alcalina. Existem, ainda, estudos que indicam ser a dieta alcalina um coadjuvante para a pessoa enquanto faz tratamentos de oncologia. Não em todos os casos, mas está comprovado o benefício em alguns deles. Os médicos não podem dizer que não. Estudos que comprovem que a dieta alcalina cura o cancro, não existem.
A Rita nas suas consultas aplica estes princípios da dieta alcalina?
Sim, mas faço uma abordagem de uma forma gradual porque o português não gosta muito de mudanças, é muito fiel à sua alimentação e quer milagres. Passado algum tempo, o paciente já está a fazer uma alimentação alcalina e quase não se apercebeu.
Para a Rita deve ter sido complicado traduzir para o seu livro um processo que é complexo em algo percetível para o leigo.
Foi. Pedi a um amigo e há minha irmã que não percebiam nada de nutrição para irem lendo e quando não entendiam diziam-me. Desta forma, fui tratando a informação no sentido de não a deixar muito técnica.
A nutricionista Rita Boavida publica regularmente no seu blogue. Acompanhe aqui.
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